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Tensão e intolerância

Autor original: Fausto Rêgo

Seção original: Notícias exclusivas para a Rets






“A partir de agora, qualquer atentado terrorista parecerá pequeno. Quem quiser ir além tem um novo padrão, impensável até o dia 11 de setembro. As possibilidades que isso encerra nos fazem pensar em atentados nucleares e bacteriológicos”. A preocupação manifestada por Rubem César Fernandes, coordenador do Viva Rio, parece comum a todos os representantes de movimentos sociais.


“O momento é de espanto, e eu não vejo boas saídas”, acrescenta Rubem, para quem é preciso reafirmar o sentimento popular de rejeição à violência e promover a interação dos diferentes credos, raças e culturas. E o Viva Rio se apressou em organizar a primeira iniciativa nesse sentido: um Ato Ecumênico pela Paz neste domingo, dia 16, no Parque dos Patins, na Lagoa, a partir das 16 horas. “O que está em jogo, agora, é determinar os limites do imaginável – e isso exige estabelecer parâmetros compartilhados entre os povos. A consciência comum deve reforçar a detenção da escalada da violência", diz ele.


De imediato, o que se observa a partir das reações primeiras à tragédia é o recrudescimento das tensões entre ocidente e oriente, entre anglo-saxões e o mundo árabe, entre muçulmanos e seguidores das demais religiões. A intolerância entra numa espiral progressiva. E daqui por diante?


Sérgio Haddad, presidente da Abong, uma das entidades que participam da organização do Fórum Social Mundial, cuja segunda edição será realizada em janeiro do próximo ano, em Porto Alegre (RS), acha que vai haver um endurecimento muito grande contra todos os países do terceiro mundo. “Além disso, cresce um clima condenatório contra as populações árabes. A forma como a mídia mostrou pequenos grupos de palestinos comemorando é uma maneira parcial de fazer uma retaliação”.


Os organizadores do Fórum Social Mundial manifestaram oficialmente o seu repúdio na cerimônia de lançamento do evento, realizada no mesmo dia do atentado. Em nota oficial, os representantes do Comitê de Organização e do Conselho Internacional do FSM; o coordenador do Fórum Social de Gênova, Vittorio Agnoletto; e o ativista argentino Adolfo Pérez Esquivel, prêmio Nobel da Paz de 1980, decidiram condenar veemente os atentados, prestar solidariedade ao povo norte-americano, reafirmar o desejo de uma solução pacífica e democrática para os conflitos que dividem a humanidade. A nota conclama ainda governos, movimentos sociais, instituições internacionais e cidadãos de todo o mundo a “reagir preventivamente contra qualquer tentativa de utilização do sentimento de repulsa aos atentados para promover retaliações, vinganças ou terrorismo de Estado contra outros governos e povos (...), bem como pré-julgamentos que acirrem preconceitos e discriminação contra outros povos e nações”.


Para o diretor executivo do Instituto Sou da Paz, Denis Mizne, os acontecimentos desse histórico 11 de setembro deveriam servir para uma reflexão profunda sobre as motivações do terrorismo internacional e as relações entre as culturas oriental e ocidental. “Seria positivo pensar a respeito do que esse choque cultural provoca. No entanto parece que esse acontecimento só disseminou o pânico”, diz ele, destacando a corrida dos americanos às lojas de armas. Denis acha que é preciso aproveitar a oportunidade para tentar discutir o que gera a crise no Oriente Médio. Até o momento, diante de tudo que vem ocorrendo, a estratégia adotada tem sido um fracasso.


Mais do que na diplomacia, a chave para a paz pode estar no respeito aos povos e na aceitação das diferenças. No início do mês, em Durban, África do Sul, a Conferência Mundial contra o Racismo teve resultados tímidos e chamou atenção justamente pelo que queria combater: a intolerância. O governo norte-americano, diante da possibilidade da aprovação de propostas contrárias aos seus interesses, retirou-se do encontro. Mais uma vez, isolou-se – comportamento que tem repetido, nos últimos tempos, no âmbito da política externa.


Os confrontos localizados, as intervenções militares, os boicotes econômicos – tudo isso produziu o ambiente hostil e alimentou o barril de pólvora que, contrariando as evidências, ninguém jamais achou que fosse explodir. Mas explodiu, e com uma ousadia sem limites.


Rubem César entende que os Estados Unidos ficaram numa posição complicada, pois nenhuma retaliação terá impacto equivalente – pelo atrevimento e pelo caráter simbólico – da ação terrorista em território americano. “Ficou claro que o nível de insegurança diante do terrorismo não diz respeito a tecnologia e poder. Um pequeno grupo é capaz de fazer grandes estragos”, analisa Rubem. “Lidar com o terrorismo é uma questão política e implica também reduzir os focos de conflito no mundo – geradores dessa violência”.


Sérgio Haddad sugere que se repensem os mecanismos da globalização: “Deve-se avaliar o que motiva reações como essa. Fica difícil entender por que a hegemonia de um país se dá na proporção de seu poderio bélico, como se representasse algo que não é legítimo”.


A preocupaçao maior, para Sérgio, é que, a partir de agora, manifestações legítimas e pacíficas no mundo inteiro possam ser confundidas com manifestações de violência. “Esse é um perigo que a sociedade civil corre, o que seria uma tragédia, porque, no fundo, significa questionar todos os tipos de manifestação democrática”.

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