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Sem ajuda para ajudar

Autor original: Daniela Muzi

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No início, em 1982, era um trabalho voltado para as Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs) com a finalidade de assistência, apoio e intervenção comportamental, desenvolvido por um grupo de profissionais e voluntários. Em 1994, o Grupo Água Viva se transformou em uma ONG. E passou a ter “a missão de ampliar o apoio e assistência domiciliar, terapêutica, desenvolvendo formas de combate a atos discriminatórios de todas as naturezas a todos os oprimidos e marginalizados, em especial  as pessoas portadoras  de HIV”, assim define, a presidente do Água Viva e enfermeira, Adalgisa de Santana Ribeiro, o trabalho realizado pela instituição.


Cerca de 22 pacientes eram atendidos por dia na Casa de Apoio do Grupo Água Viva, o que por ano somava cerca de 7 mil atendimentos. Mas, devido a uma ordem de despejo, todo o trabalho foi interrompido. Alguns pacientes foram transferidos para a própria casa da enfermeira, outros simplesmente vão ter que voltar para as ruas. Em entrevista exclusiva a Rets, Adalgisa que desde 1998 preside a instituição, desabafa a sua luta diária, reclama a falta de apoio das autoridades e conta sober o preconceito que enfrenta de seus vizinhos por abrigar em sua própria casa os  pacientes da  Casa de Passagem.


Rets – Qual era a área de atuação da ONG Água Viva?


Adalgisa Ribeiro -  O Água Viva foi criado como intuito de ampliar o apoio e assistência  domiciliar, terapêutica, desenvolvendo formas  de combate a atos discriminatórios  de todas  as naturezas, estudando, debatendo e aprofundando-se nos conhecimentos dos problemas relacionados à saúde social, e em especial, das questões ligadas a promoção de uma maior consciência de saúde e desenvolvimento de práticas, através de programas de conscientização a todos os oprimidos e marginalizados, principalmente as pessoas portadoras do HIV, com intuito de propiciar melhores formas de organização e de intervenção na realidade social.


Rets - Que tipo de atividades eram realizadas pelo Grupo Água Viva?


Adalgisa Ribeiro - Após nossa saída, em 1996, da sede que funcionava em regime de comodato em parceria com o Ibiss (Instituto Brasileiro de Inovação e Saúde Social), localizada na  rua 7 de Setembro (Centro, Rio de Janeiro), demos continuidade ao trabalho de assistência domiciliar terapêutica em um casarão localizado na rua Frei Caneca 177, também no Centro, com trabalhos paralelos de Shiatsuterapia, encaminhamento médico, oficinas de auto-estima, grupos de adesões ao tratamento (trabalho com usuário de hormônio e silicone) e dependência química.


Rets - Com que recursos o Água Viva sobrevive? A organização recebe o apoio de algum órgão do governo, empresas ou colaboradores?


Adalgisa Ribeiro - O grupo sobrevive de doações, muito embora hoje, estamos buscando uma sustentabilidade própria e parceria governamental e não-governamental. Recebemos apoio do Ministério da Saúde e de colaboradores.


Rets – Por que ocorreu o despejo do Grupo Água Viva?


Adalgisa Ribeiro - O imóvel era de propriedade particular, em janeiro de 2000 quando o ocupamos. Nossa ONG encaminhou o projeto à Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social (Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro) para firmarmos apoio habitacional (pagamento do aluguel) e nutricional. Não houve nenhuma resposta afirmativa até hoje, o que nos levou a descumprir nossos compromissos e chegamos ao despejo, uma vez que esta mesma secretaria firmou um contrato sui-generis com três casas de uma outra ONG, e se omite na nossa solicitação. Hoje temos a resposta que nosso projeto está no orçamento apenas nutricional, pois houve um desmembramento vindo a ocorrer por questões de mudanças de governo (Projeto 008/002779/2000 SMDS Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro).


Rets -  Quando foi recebida a ordem de despejo a organização tentou buscar ajuda junto ao governo? Caso afirmativo, como foi?


Adalgisa Ribeiro -  Sim. Em janeiro de 2001, recebemos a ordem de despejo e já estávamos tratando com a Superintendência do Patrimônio Imobiliário a utilização do imóvel de titularidade do Estado que em 20 de março de 2001 se transformou em processo conforme n° E-01/3438/2001 portaria DPI n° 6 situado a rua Frei Caneca, 139, Centro, Rio de Janeiro. Recorremos a  Secretaria de Habitação e o processo foi indeferido. Recorremos a Defensoria Pública e o processo também foi indeferido.


Rets - O fato de o Água Viva ser uma organização sem fins lucrativos que presta assistência aos soropositivos da cidade do Rio de Janeiro não sensibilizou o proprietário do imóvel em revogar a decisão?


Adalgisa Ribeiro - Não houve condições de negociações de nossas dívidas.

Rets -  O que aconteceu com os 37 pacientes que moravam na Casa de Apoio?


Adalgisa Ribeiro – Os pacientes foram transferidos provisoriamente para outras ONGs, e outros estão sendo sustentados devido à ajuda dos amigos do Água Viva, contando com  o trabalho de sua diretoria, agentes comunitários e amigos. Alguns pacientes eu transferi para a minha própria casa.


Rets - O que a levou a tomar uma atitude como esta?


Adalgisa Ribeiro - Foi um ato espontâneo de solidariedade de minha parte, em troca recebi respostas como: “Este apartamento não é para morar aidético....”. Isso é o mínimo que se pode fazer por quem recebeu em sua casa aqueles que todos querem ver longe.

Rets – E os pacientes,  como estão reagindo a este transtorno?


Adalgisa Ribeiro – Os pacientes estão inseguros e temerosos, por ter que voltarem às ruas outra vez. Estão desacreditados, com a auto-estima abalada, por já serem vítimas de exclusão social. O despejo vem causando transtorno no seu tratamento, haja visto que um desses pacientes está internado sem condições de sobrevivência por seu estado patológico e sua baixa estima, pois sabíamos que os pacientes tinham nesta casa de apoio uma referência de reconstrução da alta estima e da luta pela vida.

Rets -  Depois disso, o Água Viva vai continuar a funcionar? Caso continue, como vocês irão fazer para prestar assistência aos soropositivos?


Adalgisa Ribeiro - Continuamos mantendo o projeto “Casa de Passagem”, onde está embutido a prevenção e assistência dos 22 pacientes/dia do nosso projeto, hoje atendidos por nossa equipe do Água Viva em nosso veículo adquirido através do Ministério da Saúde.


Rets - Que tipo de ajuda vocês estão precisando agora? Como as outras ONGs e a pessoas interessadas podem fazer para ajudar o Água Viva?


Adalgisa Ribeiro - A primeira ajuda urgente é uma casa para atendimento e continuidade do Projeto Casa de Passagem e Casa de Apoio. Além disso, precisamos da manutenção nutricional para os 37 pacientes fixos e os 22 pacientes rotativos, onde os mesmos possam dar continuidade a sua alimentação, adesão ao tratamento, inserção social, direitos humanos, aprender a lidar com sua soropositividade e dependência química. Os interessados em nos ajudar podem entrar em contato pelo telefone (21) 3826-6292  e  (21)3826-6894, ou pelo e-mail gaviva@terra.com.br.


Rets – O despejo ocorrido com ONG Água Viva revela a falta de incentivo e apoio das autoridades municipais, estaduais e federais às  instituições desse tipo? De que forma as autoridades poderiam auxiliar as ONGs para evitar que situações como essa voltem a acontecer?


Adalgisa Ribeiro – Sim. Deveriam elaborar projetos específicos nos âmbitos municipal, estadual e federal para maior abrangência de cada organização, contemplando assim um número maior de projetos.


Rets - Depois dessa experiência, você acredita que ainda é possível investir em um trabalho social no nosso país?


Adalgisa Ribeiro – Sim, acreditamos que o controle social deverá ser exercido pela sociedade civil, usuária deste sistema, responsável por este gerenciamento.


Rets - Você teria uma crítica a fazer quanto a legislação das organizações sem fins lucrativos ou a governo, sobre este caso?


Adalgisa Ribeiro  - Não há crítica e sim que haja incentivo por parte dos órgãos governamentais para que possamos dar continuidade ao nosso trabalho.

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