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Fórum Mundial sobre Soberania Alimentar

Autor original: Graciela Baroni Selaimen

Seção original: Artigos de opinião

*Francisco Menezes

Entre 3 e 7 de setembro, estiveram reunidos em Havana, Cuba, 400 delegados de diferentes organizações sociais e não-governamentais de 60 países, no Fórum Mundial sobre Soberania Alimentar.

O forte significado político desse Fórum deveu-se, em grande parte, à representatividade encontrada em sua composição, já que contou com a participação de representantes das principais redes e organizações da sociedade civil de todo o mundo que trabalham com o tema da alimentação. Mas também deve ser considerado o momento em que ele foi realizado, às vésperas da celebração dos cinco anos da Cúpula Mundial da Alimentação, quando os governos e a FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação) terão que reconhecer que as metas traçadas naquela cúpula estão todas se frustrando, entre as quais aquela que previa para 2015 a redução à metade das 800 milhões de pessoas que passam fome no planeta. Os governos já admitem que, na melhor das hipóteses, esta meta somente poderá ser atingida em 2030.

Tal fato levou a que os participantes do Fórum se concentrassem no esforço de diagnosticar as razões desse fracasso, bem como na apresentação de propostas para a reversão desse vergonhoso quadro.

Diante dos depoimentos e análises lá desenvolvidos, ficou patente que a fome, a desnutrição e a exclusão de milhões de pessoas do acesso a alimentos e recursos produtivos não são obra de alguma fatalidade ou de problemas climáticos. Elas são conseqüência de políticas econômicas, agrícolas e comerciais em escalas mundial, regional e nacional que foram impostas pelos poderes dos países desenvolvidos e da maior parte dos subdesenvolvidos e pelas corporações multinacionais, no afã de manter e intensificar sua hegemonia política, econômica, cultural e militar no atual processo de reestruturação global.

É a partir dessa constatação que reforça-se a perspectiva da soberania alimentar como um valor a ser buscado e preservado por todos os povos. A compreensão de soberania alimentar, expressa na declaração final do Fórum, constitui-se no “direito dos povos a definir suas próprias políticas e estratégias de produção, distribuição e consumo que garantam o direito à alimentação para toda a população, com base na pequena e média produção e respeitando suas próprias culturas”.

Dentro dessa ótica, foi esboçado um conjunto de propostas que procuram responder aos eixos principais que foram trabalhados durante o Fórum: o direito dos povos à alimentação; a nutrição, a diversidade produtiva e o bem-estar alimentar; a reforma agrária e o acesso aos recursos produtivos; os sistemas alimentares sustentáveis; o impacto dos organismos geneticamente modificados e o comércio internacional; a Organização Mundial do Comércio (OMC) e a soberania alimentar.

O Fórum Mundial sobre Soberania Alimentar manifestou seu apoio à proposta apresentada por organizações da sociedade civil, em 1996, para que os Estados elaborem um Código de Conduta sobre o Direito Humano à Alimentação adequada, que sirva efetivamente como instrumento para a promoção e implementação desse direito. Propôs-se, também, dentro da defesa do princípio do direito inalienável dos povos à alimentação, a convocação e adoção pelas Nações Unidas de uma Convenção Mundial de Soberania Alimentar e Bem-Estar Nutricional. A esta convenção devem ficar subordinadas as decisões tomadas nos campos do comércio internacional e de outros domínios.

Outro aspecto marcante no Fórum foi o rechaço a toda a ingerência da OMC na alimentação, agricultura e pesca e à sua pretensão de determinar políticas nacionais de alimentação. Propôs-se a criação de uma nova ordem democrática e transparente para regular o comércio internacional. O Fórum também se manifestou francamente contrário à ALCA, classificando-a como mais um projeto estratégico dos Estados Unidos, voltado para consolidar sua dominação sobre a América Latina e o Caribe, ampliar suas fronteiras econômicas e assegurar um grande mercado cativo.

No que se refere à discussão sobre os alimentos transgênicos, reivindicou-se a proibição de sua experimentação a céu aberto, produção e comercialização, até que possam ser conhecidos sua natureza e impactos. Apoiou-se também a luta pelo direito à informação sobre os alimentos para todas as pessoas, reforçando a regulamentação de sua rotulagem e do conteúdo da publicidade.

Quanto aos recursos pesqueiros, defendeu-se os direitos dos pescadores artesanais e suas organizações sobre o livre acesso a estes recursos, propugnando-se a proteção das zonas de reserva de uso exclusivo da pesca artesanal. Exigiu-se, igualmente, o reconhecimento dos direitos ancestrais e históricos sobre a zona costeira e águas interiores.

O Fórum manifestou-se, também, pela revisão de políticas e programas de ajuda alimentar, que vêm se tornando um fator de inibição do desenvolvimento de capacidades locais e nacionais de produção de alimentos, ao mesmo tempo que favorecem a dependência, a corrupção e a colocação de excedentes de alimentos nocivos para a saúde, em particular os organismos geneticamente modificados.

Por fim, condenou energicamente a política norte-americana de bloqueio a Cuba e outros povos e o uso dos alimentos como arma de pressão econômica e política contra países e movimentos populares.


É importante perceber que esse Fórum não foi um evento isolado, mas fruto de uma construção mais ampla que ora ocorre na sociedade civil, particularmente em relação ao Fórum Social Mundial. Com isto, ele não se encerra com o fim de sua celebração, mas, ao contrário, gera as condições para prosseguir avançando em suas reflexões e propostas, como já acontecerá durante a realização do Fórum Social Mundial de 2002, em Porto Alegre.


*Francisco Menezes é economista, coordenador do Ibase e membro do Comitê Executivo Internacional que organizou o Fórum Mundial sobre Soberania Alimentar.

A Rets não se responsabiliza pelos conceitos e opiniões emitidos nos artigos assinados.

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