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Precisa-se de medulas

Autor original: Felipe Frisch

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Quase 120 mil pessoas devem morrer de câncer este ano no Brasil. Desse total, cerca de 4,3 mil casos deverão ser por leucemia. São previsões duras, mas são estimativas para o ano 2001 do Instituto Nacional de Câncer, que contabiliza hoje 10 mil casos da doença em tratamento pelo SUS. E a tendência é esse quadro se manter – ou piorar – se não aumentar o investimento do governo nas poucas chaves para a cura conhecida desse tipo de câncer, como os bancos de medula óssea, que, no Brasil não totalizam mais do que 13 mil doadores cadastrados nos dois registros existentes: um do próprio Inca e outro disponível graças a uma parceria de uma organização não-governamental, a Sociedade de Leucemia Infantil Bernardo Araújo (Sliba), com uma fundação americana, a Max Foundation.


Se as chances de encontrar um doador podem variar de uma em um milhão a zero, é fácil entender o desespero por que passa quem tem a doença, e a família, especialmente se for levado em conta o número expressivo de casos que se manifestam na infância. No Brasil, estima-se que 70% dos pacientes que precisam do transplante não tenham doadores compatíveis. Foi essa situação que os pais do menino Bernardo Araújo, Jorge e Schirley passaram e que hoje os motiva a ajudar outros pais a encontrar um doador compatível para seus filhos – sorte que o pequeno Bernardo não teve, falecendo em 98.


Os problemas não estão só em encontrar o doador, mas, como conta Jorge, em pagar os altos custos dos exames que são feitos para se ter certeza de compatibilidade genética entre a medula óssea doada e o organismo do receptor do líquido. “Uma busca pode custar US$ 35 mil”, ele contabiliza, e lembra que nem isso é garantia de sucesso em encontrar o doador. Os registros, hoje, da Max Foundation – o VidaMax – totalizam cerca 1,5 mil doadores latino-americanos. A nacionalidade faz muita diferença na busca do doador ideal, já que a influência da genética é direta.


"Estamos sub-representados nos bancos internacionais. Os latinos são apenas 10% dos 6 milhões de doadores do mundo todo. Além disso, temos uma miscigenação muito grande, que nos deixa com apenas 7% de chance nos bancos internacionais", explica.


Um outro inimigo, para o qual Jorge chama atenção, é a falta de informação. “As pessoas acham que medula óssea é a medula espinhal”, alerta o advogado, que adquiriu um amplo conhecimento de causa em medicina. Quanto à desinformação, o Inca, em sua home-page esclarece as dúvidas mais comuns sobre o transplante de uma forma bastante didática. Enfim, faltam campanhas de esclarecimento e de incentivo à doação. Mas também falta investimento direto, pois, por mais que aumente o número de voluntários doadores, a infra-estrutura atual não vai dar conta nem dos exames necessários, muito menos da demanda de transplantes.


A Sliba tem sede no Rio e trabalha em parceria com o Centro de Hemoterapia São Lucas, de São Paulo, que coleta doações de sangue em três hospitais paulistas e consulta os seus voluntários sobre a possibilidade de se tornarem também doadores de medula. Em seus registros, a ONG tem cadastradas cerca de 80 crianças à espera de uma doação compatível. Hoje, está buscando uma nova parceria internacional para ter acesso a 95 mil novos registros estrangeiros.


No Inca, a unidade responsável pelo tratamento é o Cemo (Centro de Transplante de Medula Óssea), que, só no ano passado, fez 92 transplantes de medula óssea. O centro gerencia o Registro Nacional de Doadores de Medula Óssea (Redome) e aponta para uma nova alternativa na cura da leucemia: o transplante de células do cordão umbilical, possibilidade que deu espaço para o Banco de Cordão Umbilical, inaugurado em fevereiro. Os responsáveis pelo banco esperam até o fim do ano totalizar cerca de mil coletas, realizadas inicialmente na maternidade Carmela Dutra, no Rio. Graças à abordagem do tema pela mídia – recentemente abordado em uma novela – o Cemo teve, no último ano, um aumento da média de 10 para 40 doações semanais.


Para quem acha que não deve se preocupar em ajudar, Jorge Araújo deixa uma mensagem: “o câncer não escolhe padrão social, não escolhe rico ou pobre”.

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