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"Educar e aculturar os americanos vai ser um dos grandes avanços da humanidade"

Autor original: Fausto Rêgo

Seção original: Notícias exclusivas para a Rets

Pesquisador, professor da Universidade da Universidade Federal de Pernambuco e presidente da Sociedade Brasileira de Computação, Silvio Meira é um intransigente defensor da liberdade. Ele critica a reação norte-americana no plano político e acredita que a conseqüência do iminente “pacote antiterrorista” será a criação de um estado policial que poderá levar anos para ser desmontado. Para Silvio, a sociedade deve reagir para tentar “trazer os Estados Unidos para o mundo real, fazendo-os viver no planeta”.

Rets: Os congressistas norte-americanos chegaram a um acordo para a aprovação de um projeto que, a pretexto de combater o terror, vai restringir algumas liberdades e vigiar a comunicação pela Internet. O que você achou dessas medidas?

Meira: Os EUA estão reagindo – muito além e acima do razoável, talvez – a um atentado de proporções indescritíveis. As autoridades, agora, se acham ameaçadas por absolutamente tudo e todos que possam ter algo a esconder, seja isso um plano para explodir uma base militar ou um amante noutra cidade (ou no mesmo prédio). Ainda por cima, a América é um país de caipiras, com pouquíssima exposição cultural ao manancial de variedade do resto do mundo, e isso não contribui para eles terem uma visão mais humanística do que lhes acontece o tempo todo, quer se trate de queima de bandeiras em algum lugar da África ou um avião que destrói um prédio. Aumentar a vigilância vai resolver algumas poucas coisas, apenas, ao custo inaceitável de criar um estado policial que poderá levar anos, décadas para ser desmontado, mesmo quando eventualmente não seja mais necessário. A história nos dá exemplos sucessivos disto, inclusive nos EUA. A Internet é uma das conseqüências do ar de mais liberdade que se respira no mundo desde o fim da guerra fria e será, sem dúvida, afetada pela paranóia antiterrorismo que está tomando conta de partes do mundo. É uma pena, mas certamente todos sofreremos com isto. Espero que possamos reverter a situação nos próximos anos, mas o cenário de curto prazo não é muito alvissareiro.

Rets: O estado de guerra justifica a violação da liberdade? É possível – e justo – trocar liberdade por segurança?

Meira: A liberdade e a verdade sempre são as primeiras vítimas de estados de guerra, reais ou imaginários. Nada justifica a eliminação da liberdade em qualquer porcentagem, embora se possa usar de artifícios para explicar tal necessidade. Quem quer a liberdade há de lutar por ela, o tempo todo. Quem luta por segurança nunca a terá, de fato, pois segurança só existe com liberdade duradoura: não aquela imposta pela força das armas, pois é uma opressão, mas a liberdade dos espíritos, dos corpos, dos povos, que só será atingida com um mundo mais igualitário, de mais oportunidades.

Rets: Qualquer vitória americana poderá ser usada como propaganda dessas medidas. Teme que isto acabe justificando a disseminação dessas práticas em outros países?

Meira: Aconteça o que acontecer, os EUA transformarão em negócio uma boa parte do arsenal de hardware e software que já estava sendo criado e que agora vai ser utilizado de fato para vigiar pessoas e instituições. Países em desenvolvimento são os suspeitos usuais para comprar a sucata depois, a peso de ouro, e usá-la para perseguir seus mais variados tipos de dissidentes. No caso do Brasil, um país onde, na prática, já não há nem sigilo telefônico e onde assuntos de governo são discutidos em botequins, restaurantes ou fila de embarque de aviões, à vista e ouvido de quem estiver ao alcance, acho que este estado de sigilo ou de invasão de privacidade não é uma preocupação. Aqui, temos o problema contrário: de criar alguma privacidade para proteger as liberdades civis e, depois, ver o que dela pode ser ou não invadido à guisa de necessidade de segurança da sociedade.

Rets: De que maneira a sociedade pode se articular para fazer frente a essa onda de repressão e conservadorismo?

Meira: Para começar, trazendo os EUA para o mundo real, fazendo-os viver no planeta, e não escondidos em ilhotas de New England ou ranchos de gado no Texas. Educar e aculturar os americanos vai ser um dos grandes avanços da humanidade neste século e certamente terá conseqüências duradouras sobre as liberdades e responsabilidades de países, povos e indivíduos. O mundo uno, atingível em qualquer lugar, e não a Fortress America, é onde todos vivemos e queremos que nossos filhos vivam. O desequilíbrio entre o que todos somos e o que sabemos que poderíamos ser, se nos deixassem, é sempre uma das maiores causas das revoltas individuais e grupais. A tolerância que está sendo imposta aos EUA pela aliança mundial "contra o terror" é um bom sinal de que as vozes de muitos, e não apenas as das águias do Pentágono, serão ouvidas numa luta mais ampla, não contra o terror, mas contra suas causas, contra a ignorância, a exploração, as desigualdades que levam grupos de pessoas a atentar contra a humanidade. Nenhuma bomba contra civis é justificável, em nenhuma guerra, de nenhum tipo, em nenhum lugar. Tampouco vejo justificativa para qualquer guerra, por qualquer razão, onde quer que seja.

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