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Angra irradia dúvidas

Autor original: Fausto Rêgo

Seção original: Notícias exclusivas para a Rets

Responsáveis pela geração de aproximadamente 30% da energia consumida no estado do Rio de Janeiro, as usinas de Angra dos Reis venceram resistências, mas ainda causam apreensão. Nos últimos cinco meses, duas falhas – de pequenas proporções – aconteceram em Angra 1. Outra vez discute-se a capacidade brasileira para enfrentar ocorrências mais sérias. Novamente repete-se o debate sobre o destino do lixo atômico – ainda incerto.


No dia 28 de maio, segundo a Eletronuclear, que administra as usinas, Angra 1 reiniciava sua operação, após uma parada para recarregar o combustível. A usina estava em processo de aquecimento, com o reator ainda desligado, quando um problema nas válvulas provocou o desvio de 22 mil litros de água para um tanque de alívio e, dali, para o poço de coleta de efluentes localizado no piso inferior do prédio do reator. Os operadores logo identificaram e resolveram o problema. Ainda segundo a empresa, tudo transcorreu conforme o previsto no projeto da usina e não houve qualquer conseqüência para os trabalhadores, para o meio ambiente ou para a população. O Plano de Emergência não chegou a ser acionado.


A Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) informou que a ocorrência foi classificada no nível 1 da Escala Internacional de Eventos Nucleares da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) – que vai de 0 a 7.


Ainda segundo a Eletronuclear, o fato foi comunicado à CNEN, que, posteriormente, avisou à Prefeitura de Angra dos Reis e às autoridades estaduais e federais. Em comunicado à imprensa, a empresa informou ter realizado “alterações em procedimentos de operação da usina” e intensificado “programas específicos para treinamento do pessoal de operação”. A operação de Angra 1 foi retomada em 4 de junho. A população, no entanto, só tomou conhecimento do ocorrido meses depois.


O segundo problema aconteceu no dia 4 de outubro e foi ainda menos grave do que o primeiro. De acordo com as normas da CNEN, as válvulas de isolamento do sistema de coleta de amostragem química da água dos acumuladores devem estar operando normalmente. Caso uma delas não funcione, o sistema deve ser desligado, mesmo que o isolamento não tenha sido prejudicado. Segundo a Eletronuclear, foi exatamente o que ocorreu. Uma tubulação vedada por duas válvulas teve problemas em uma delas, que não fechou totalmente. Apesar de a operação não ter sido comprometida, a usina foi desligada em cumprimento às normas. No mesmo dia, Angra 1 voltou a funcionar. O fato, dessa vez, foi divulgado publicamente.


O ambientalista Vilmar Berna, editor do Jornal do Meio Ambiente e coordenador da organização Coopernatureza, não acredita na versão de que Angra 1 estava ainda em testes no primeiro episódio – “Isso é conversa”, diz ele –, mas destaca como positiva a mudança de comportamento da Eletronuclear no segundo incidente. “No primeiro caso, a empresa obedeceu às normas da CNEN, comunicando o ocorrido à própria CNEN e à Defesa Civil. Mas eu acho que as pessoas têm que ser informadas. A história de que isso poderia gerar pânico é muito relativa. Há como informar sem disseminar pânico. Prova disso é que no segundo caso houve a divulgação e nada aconteceu. Então eu espero que a empresa tenha aprendido e passe a ser mais transparente”, comenta.


Vilmar Berna considera descabida a justificativa de que, apesar de eventuais não-conformidades – situações em desacordo com as normas –, o número de acidentes no Brasil ainda é menor do que no exterior. “A empresa sempre alega isso, mas é um argumento muito frágil”, rebate. “A gente precisa ver qual é a causa desses vazamentos”.


O fato é que Angra é, hoje, fundamental para o abastecimento do Rio de Janeiro – ainda mais com o racionamento de energia. E não há alternativas a curto prazo. A opção de investir em biomassa, energia solar e eólica não resolveria o problema. “Mas poderiam atender periferias, áreas sem tanta concentração urbana”, lembra Vilmar, para quem não adianta adotar uma postura de oposição radical à energia nuclear. “É bobagem ficar ‘do contra’ e não querer saber. A gente tem que querer saber, e tem de cobrar quando estiver errado”.


Kristina Michahelles, outra jornalista especializada em meio ambiente, não é uma entusiasta da energia nuclear, mas vê profissionais de grande gabarito envolvidos na condução do projeto brasileiro. “Pelo que sei, temos excelentes cérebros nessa área e essa é uma energia interessante, limpa. Agora, acho que o Brasil não está preparado para a eventualidade de um acidente, e os acontecimentos mostram isso. O primeiro problema é que ainda não se resolveu a questão do lixo, então acho muito complicado seguir adiante”, analisa. “Eu, como cidadã, temo pelo que possa acontecer. Talvez não na minha geração, mas na dos meus filhos e netos”.


Abrir mão dos megawatts gerados por Angra dos Reis implicaria para cada consumidor um corte de 30% a 40% dos gastos com energia elétrica. Depois de terem sido incentivadas, durante anos, a consumir cada vez mais, as pessoas certamente não estarão dispostas a mudar seus hábitos radicalmente. Vilmar reconhece que é difícil, neste momento, imaginar que seria possível abdicar da energia gerada por Angra. “A gente não pode ser hipócrita. Não dá para abrir mão dos confortos tecnológicos. Mas eu quero que os responsáveis pela energia nuclear no Brasil tomem cuidado, e eles não estão tomando”.

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