Autor original: Graciela Baroni Selaimen
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Vinculada à Comissão Nacional de energia Nuclear (CNEN) e subordinada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, as Indústrias Nucleares do Brasil foram criadas em 1988, sucedendo a Nuclebrás. Em 1994, incorporou a Nuclebrás Enriquecimento Isotópico S.A. (Nuclei), a Urânio do Brasil S.A. e a Nuclemon Minero-Química Ltda. Sociedade de economia mista, a INB tem por atribuição legal promover a exploração de urânio, desde a fase de lavra até sua colocação nos elementos combustíveis que acionam os reatores de usinas nucleares, processo que, no conjunto, denomina-se Ciclo do Combustível Nuclear, apropriando-se indevidamente de um conceito ecológico. No que concerne aos minerais pesados, ela é também responsável pela prospecção e pesquisa, lavra, industrialização e comercialização das areias monazíticas, obtendo delas a ilmenita, o rutilo, a zirconita e a monazita.
As unidades da INB
A empresa conta com unidades de produção em Caldas, Minas Gerais; em Caetité, Bahia; Resende, e Buena, no Estado do Rio de Janeiro. Pelo que se lê na página mantida pela INB na inter-rede (http://www.inb.gov.br/), a reestruturação institucional das empresas incumbidas de explorar, industrializar e comercializar minerais pesados e radioativos no Brasil proporcionou o “aumento da sua produtividade e diminuição dos custos de funcionamento, com a otimização dos processos administrativos e industriais. Como empresa de desenvolvimento tecnológico, que trabalha sob rígidos Programas de Garantia da Qualidade, está apta a produzir uma série de produtos dos quais se requer ótima performance e confiabilidade. Além disso, vem provando ao longo de sua existência que é perfeitamente viável a convivência harmônica da atividade industrial com o meio ambiente. Prova disto é o trabalho ambiental, realizado por suas unidades, considerado padrão por organismos internacionais.”
Ilustra ela sua preocupação com o meio ambiente estampando o Horto Florestal da Fábrica de Elementos Combustíveis, situada em Resende, Estado do Rio de Janeiro, considerada pela mesma como seu cartão de visita. Informa que, criado em 1982, este horto é o maior do sul fluminense, dispondo de 900 mil mudas catalogadas de 450 espécies diferentes da Mata Atlântica numa área de 1,5 milhão de metros quadrados.
Ainda segundo suas palavras, a Unidade de Caldas, no sul de Minas Gerais, dispõe de “um completo levantamento do meio ambiente (água, ar, solo, vegetação e fauna) com o objetivo de manter sob estrito controle as áreas sob sua influência e circunvizinhança. O Instituto de Florestas de Minas Gerais declarou a área (70% das instalações desta Unidade são campos, florestas remanescentes de antigos desmatamentos e lagoas) Refúgio Particular de Animais Silvestres.”
Em Caetité, sudoeste da Bahia, a empresa implantou a Unidade de Lagoa Real/Caetité, empreendimento mínero-industrial, acompanhado de dois projetos ambientais: uma horta comunitária e um projeto (ou iniciativa?) de reflorestamento e recomposição de uma área de 800 hectares, pertencentes à empresa, nas cercanias da mina explorada. A previsão é plantar, em cinco anos, cinco milhões de mudas nativas da região.
Já no município de São Francisco de Itabapoana, norte do Estado do Rio de Janeiro, a Unidade de Buena efetua trabalhos de mineração e beneficiamento físico de minerais pesados. Conforme o institucional da empresa, “O impacto ambiental decorrente desta atividade é constantemente avaliado e controlado através da execução de um programa de recuperação das áreas mineradas e de monitoração do ambiente nos locais de trabalho, circunvizinhos às frentes de lavra e às instalações de beneficiamento. As atividades de lavra e recomposição das áreas são feitas, concomitantemente, de tal forma que a recuperação total dos terrenos minerados se completa imediatamente após o término da extração do minério. Atingimos dessa forma o objetivo principal que é o retorno imediato dessas áreas à sua atividade original - a prática agro-pastoril.”
A unidade de Buena
Por conhecer apenas as atividades de lavra e beneficiamento de metais pesados de Buena, norte do Estado do Rio de Janeiro, e na condição de ecohistoriador dessa região desde 1978, é ela que o autor pretende analisar neste artigo. Podemos distinguir três fases no processo de operação da Usina da Praia, como é chamada a unidade, por localizar-se próxima do mar: a lavra, a separação úmida e a separação seca.
A primeira consiste na prospecção e lavra para obtenção de ilmenita, rutilo, zirconita e monazita no território de São Francisco de Itabapoana principalmente, constituído de áreas de tabuleiro, de restinga e de manguezais. Quando as escavações de lavra são executadas em terras particulares, a INB não apenas indeniza os proprietários com quantia superior à que ele iria auferir se suas atividades – normalmente agropecuárias – não fossem interrompidas, como também recompõe o solo após a extração das terras raras que lhe interessam.
Cumpre esclarecer que, originalmente, o território onde se situa o atual município de São Francisco de Itabapoana era originalmente coberto por densas matas estacionais semideciduais (que perdem folhas na estação seca), por vicejante vegetação nativa de restinga e por manguezais. De toda a costa norte-fluminense, compreendida entre os rios Macaé e Itabapoana, este município é o que conta com o maior número de manguezais, além de ostentar o mais extenso manguezal do Estado, localizado na foz do rio Paraíba do Sul. Ao longo de 250 anos, as matas estacionais e a vegetação de restinga foram suprimidas em quase 100%, restando uma terra desolada, com solos desgastados, com assoreamento de rios e lagoas e com eutrofização causada por fertilizantes químicos.
Juntamente com o gado introduzido no século XVII, nos campos nativos da planície aluvial do Paraíba do Sul, as madeiras nobres retiradas do famoso sertão das Cacimbas, onde hoje se encontra o município de São Francisco de Itabapoana, constituíram-se na primeira fonte de acumulação de capitais de toda a região, depois transferidos para a agricultura e para os engenhos e usinas de açúcar e de álcool ou evadidos para outras partes do Brasil ou ainda para o exterior. Depois da cana, da mandioca, do maracujá, do abacaxi e do gado bovino, principalmente, restaram aos proprietários rurais terras áridas, ambientes cronicamente frágeis que sofreram crise aguda com a prolongada estiagem que perdura por quase um ano já. Para eles, localização de metais pesados pela INB em seus domínios é um grande negócio: além de não gastarem um tostão sequer, ainda recebem o solo no estado em que a empresa mineradora o encontrou.
O reverso da medalha
Entretanto, nas terras públicas, a INB mostra o caráter predatório de sua atividade. Na praia da Lagoa Doce, talvez a mais bela da costa norte-fluminense, onde as praias são monótonas para o turismo, a empresa vem praticando, há décadas, quando ainda não contava com a atual razão social, uma mineração comparável ao brutal garimpo de Serra Pelada. Taludes de tabuleiro foram impiedosamente cortados, com a remoção de vegetação protegida pelo Código Florestal. E esta cobertura vegetal era tanto mais interessante por ser típica de restinga, mas medrando em solo argiloso, pois que as barreiras ali quase confinam com o mar.
No solo arenoso das praias, enormes crateras foram abertas, criando bacias acumuladoras de água. Retirados os minérios de interesse da empresa, as areias foram empurradas para a beira do mar, formando barragens bastante altas que superam o cômoro da praia (a parte mais alta desta). O curso final da lagoa Salgada, às margens da qual Pero de Góis, donatário da Capitania de São Tomé, provavelmente ergueu, na primeira metade do século XVI, a Vila da Rainha, o mais antigo núcleo habitacional em moldes europeus da região, foi completamente soterrado, sacrificando um manguezal inteiro. O local tornou-se irreconhecível. Ocorreu quase o mesmo com a lagoa Doce, que pode não estar livre das práticas predatórias da empresa. Pouco mais ao sul, as areias lavradas foram empurradas para o leito do ribeirão de Guriri, quase sepultando vivo um manguezal. Os sedimentos atirados no leito do ribeirão sedimentaram as raízes respiratórias de exemplares de mangue branco e preto, exigindo deles a emissão de raízes respiratórias adventícias como forma de sobrevivência. O monte criado favoreceu o desenvolvimento de vegetação de restinga que, ressecada pela estiagem, tornou-se vulnerável ao fogo, cujo estrago atingiu também o manguezal. Agora, a empresa anuncia a lavra de uma grande área que toca as cercanias do manguezal do rio Paraíba do Sul.
A fase úmida e outras irregularidades
Ao transportar terras para a Usina da Praia, de modo que, através da lavagem, possa proceder-se a uma primeira separação dos metais pesados, a INB necessita de água, bem cada vez mais escasso no município de São Francisco de Itabapoana, outrora irrigado por dez bacias fluviais e diversos lagos. Por mais que a empresa sustente utilizar um sistema fechado, purificando a água saturada de sedimentos para seu reaproveitamento, não é possível negar a existência de um momento inicial em que água do ribeirão de Buena foi captada para servir à operação de fase úmida. Não há como esquecer também que os sucessivos retornos da água exigem a adução de mais água no sistema. Cabe lembrar ainda a evaporação da mesma no processo de recirculação sucessiva. Assim, para impedir que a água do mar salinizasse o ribeirão de Buena, a empresa construiu em sua foz um dique de areia reforçado por entulho de demolição. Sem a sua saída natural para o mar, a água do ribeirão começou a acumular-se com o represamento e a afogar as raízes respiratórias do manguezal existente na foz. Várias árvores morreram e outras, para sobreviver, emitiram raízes adventícias acima do nível d’água. O preço pago foi a paralisação do crescimento e a perda do viço. Com a estiagem de 2000-2001, o nível d’água começou a baixar e o que restou do manguezal passou a padecer de outro estresse: o aquecimento da lâmina hídrica.
Mas o símbolo das operações danosas da INB, no tempo em que ainda se denominava Nuclemon, foi o enterramento de 28 tambores de metal com resíduos radioativos no pátio da empresa, em pleno lençol freático. A corrosão provocada pela acidez das águas acarretou o vazamento deste material para o ambiente. Por mais que a direção da empresa negasse a existência dos tambores, o Ministério Público Estadual, em diligência efetuada no dia 19 de dezembro de 1986, exigiu o desenterramento e a retirada deles.
Enfim, “os cuidados com a Segurança, a Qualidade e o Meio Ambiente (que) são constantes e obedecem a rígidos sistemas de controle e acompanhamento, tanto para quem trabalha como para as comunidades próximas às unidades da empresa”, tão propalados pela INB, soam como propaganda enganosa.
*Arthur Soffiati é ambientalista, escritor, professor da Universidade Federal Fluminense e Conselheiro do Centro Norte Fluminense para Conservação da
Natureza.
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