Autor original: Fausto Rêgo
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Da nascente, na Serra da Canastra, em Minas Gerais, até o mar, são 2.700 quilômetros. Mas o “rio da integração nacional” pode morrer antes mesmo de desaguar no Oceano Atlântico. Quinhentos anos após o seu batismo pelo navegador italiano Américo Vespúcio, em 4 de outubro de 1501, o rio São Francisco – assim chamado em homenagem ao santo do dia, São Francisco de Assis – às vezes parece não ter forças para vencer o percurso, que atravessa mais de 500 municípios de cinco estados.
Vítima não do tempo, mas da ação do homem, o Velho Chico está fraco e, em alguns momentos, se assemelha a um riacho. Coordenador nacional da Comissão Pastoral da Terra – que atua no Fórum Permanente de Defesa do Rio São Francisco, no trabalho com as comunidades ribeirinhas, ao lado de ONGs, sindicatos e movimentos sociais –, Roberto Malvezzi observa que na região de Bom Jesus da Lapa, na Bahia, onde há uma ponte construída para atravessar um rio de 1.200 metros, corre um filete de água que mal chega a 200 metros. Várias tem sido as causas dessa decadência. Uma delas é a destruição das matas ciliares – vegetação que margeia o rio e serve de alimento para as formas de vida que habitam as águas. A ausência dessa vegetação – hoje reduzida a 4% do que havia originalmente – também facilita o processo de erosão. Outro grave problema é causado pelos grandes projetos de irrigação. “Eles afetam, por exemplo, todo o oeste baiano, destruindo várias nascentes e afluentes”, diz Roberto. Para ele, porém, o grande responsável pela situação do São Francisco é o modelo de desenvolvimento implantado nas últimas décadas. “Esse modelo baseado na geração de energia é o grande predador. Além disso, ele bloqueia a piracema, o que elimina a vida no rio e aumenta o assoreamento”, afirma. A piracema é um curioso fenômeno natural que ocorre com os peixes na época da desova. Eles nadam contra a correnteza e saltam para vencer os obstáculos. A construção de barragens impede a passagem dos animais. Uma solução seria a construção das chamadas “escadas de peixe” – várias caixas d’água dispostas em forma de degraus, de forma a auxiliar na subida para a parte superior do rio.
Como se não bastasse, o Velho Chico sofre ainda com o intenso despejo de esgotos em seu leito. As águas são contaminadas por mercúrio, cádmio, rejeitos industriais, hospitalares e domésticos lançados sem tratamento.
Luiz Anselmo Pereira de Souza, representante da Apedema (Associação Permanente das Entidades em Defesa do Meio Ambiente) no Fórum Permanente do São Francisco, também revela preocupação. Ele lembra que a barragem de Sobradinho está funcionando, hoje, com 10,5% da sua capacidade. O projeto de revitalização da bacia hidrográfica, simbolicamente anunciado em 5 de junho, Dia Internacional do Meio Ambiente, com a assinatura pelo presidente da República de dois decretos diretamente relacionados ao rio, é visto com desconfiança. Luiz Anselmo lamenta que as comunidades que habitam às margens do São Francisco não tenham sido chamadas a participar. “As populações ribeirinhas estão fora do processo. Não houve debate com o conjunto das organizações da sociedade”, critica.
O primeiro decreto determinou a criação do Projeto de Conservação e Revitalização da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, “constituído de ações concebidas e executadas, de forma participativa e integrada, pelos governos federal, estaduais, municipais e do Distrito Federal e da sociedade civil organizada”. Determina também a criação de um comitê gestor, responsável pelo planejamento, pela coordenação e pelo controle das ações a serem desenvolvidas. O segundo decreto estabeleceu as diretrizes para a aplicação dos recursos destinados ao projeto.
De acordo com a lei, esse comitê será subordinado ao Ministério do Meio Ambiente, por intermédio de sua Secretaria Executiva, “com a participação de sua Secretaria de Recursos Hídricos, da Secretaria de Infra-estrutura Hídrica, do Ministério da Integração Nacional, da Agência Nacional de Águas, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis e, ainda, das representações dos demais entes federados que integram a bacia”. Os problemas começam justamente nessa composição. Para Luiz Anselmo, as organizações que integram o comitê não representam adequadamente a sociedade civil. “A União dos Prefeitos da Bahia, por exemplo, não é uma entidade representativa”, afirma. “O medo é que o projeto de revitalização acaba se transformando em um balcão de negócios, com cada um apresentando o seu projeto de intervenção pontual, sem levar em conta um estudo profundo do estado de degradação do rio”. Roberto Malvezzi arremata: “Por trás da grande irrigação temos a Chesf (Companhia Hidrelétrica do São Francisco) e a Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba). Nosso temor é que esses mesmos órgãos que são predadores do Rio acabem gerenciando os recursos destinados ao comitê”.Theme by Danetsoft and Danang Probo Sayekti inspired by Maksimer