Autor original: Fausto Rêgo
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O termo inglês para definir o que faz o grupo electrohippies collective (assim mesmo, em minúsculas) é hacktivism – um ativismo eletrônico, de campanhas empreendidas usando as ferramentas da internet. Uma das formas de protesto utilizada por eles é o envio em massa de mensagens a um determinado alvo simultaneamente, graças à ação organizada de voluntários de todo o mundo. Foi assim que os electrohippies conseguiram tirar do ar o site da Organização Mundial do Comércio, recentemente. Um dos seus membros, o ativista inglês Paul Mobbs, falou com exclusividade à Rets sobre a aprovação, nos Estados Unidos, da lei antiterrorismo, que restringe algumas liberdades civis e impõe um controle mais severo das telecomunicações. Mobbs teme o avanço da repressão em todo o mundo – a própria Inglaterra já adota legislação semelhante desde o ano passado – e adverte sobre os riscos para quem pensa estar trocando liberdade por segurança.
Rets: Como você analisa a aprovação da lei antiterrorismo nos Estados Unidos, que restringe liberdades e afeta a comunicação pela internet?
Paul Mobbs: Isso já aconteceu no Reino Unido, com o Terrorism Act 2000. As opções, efetivamente, são contornar esses mecanismos ou enfrentá-los.
Por contornar, entenda-se: usar a tecnologia da internet para encontrar novas possibilidades de trabalho em rede. A internet trata a censura como um defeito e tenta contorná-lo. Você pode ter contas de correio eletrônico em serviços gratuitos de outros países, caso o seu provedor local esteja sendo monitorado. Também pode usar algum tipo de serviço proxy anônimo, que não faça registro das páginas que você estiver visitando. Você ainda estará sendo vigiado ou monitorado em seu próprio país, mas, como os provedores de internet estrangeiros não costumam transmitir dados de tráfego para os serviços de segurança (embora uma proposta nesse sentido esteja em curso na Europa), eles não poderão usar essa informação contra você.
Quando falo em enfrentar, me refiro a encontrar mecanismos legais para desatar os nós da nova lei. Se a sua Constituição garante certas liberdades, é possível uma ação judicial contra a vigilância em massa e o uso de informações contra organizações ordinárias e pacíficas. Essa é a minha opção preferencial, e aqui, no Reino Unido, o meu trabalho na internet consiste justamente em desafiar o uso pelo Estado das novas leis contra o terrorismo. Caso eles tentem de fato me impedir de desenvolver minhas campanhas on-line – como integrante do electrohippie colective –, terão de justificar essas novas leis perante a legislação de direitos humanos. Acho que o governo sabe bem disso. Por essa razão, até aqui, eles têm relutado em usar a lei contra os grupos ativistas ingleses.
Rets: Acredita que o estado de guerra pode justificar violações dessa natureza? É possível trocar liberdade por segurança?
Mobbs: Qual o propósito de iniciar uma guerra e bombardear civis afegãos, se, nesse processo, você efetivamente cria métodos invasivos de controle e vigilância semelhantes aos de grupos como o Talibã? Acho que não há coincidência no fato de que, em 24 de setembro, apenas duas semanas após o ataque, o advogado geral do governo norte-americano foi capaz de apresentar um projeto detalhado ao Congresso, propondo maior controle das comunicações. Isso já estava em curso, eles apenas aproveitaram a oportunidade dos ataques terroristas para convencer o Congresso, que, numa situação normal, teria jogado o projeto fora após a primeira leitura.
Liberdade não é a liberdade de comprar e vender produtos, ou trabalhar em um prédio alto, ou voar em aviões. Liberdade é a capacidade de dizer pacificamente “não concordo”, sem temer qualquer ato de repressão. Isso é o que vemos hoje, com essas leis que relacionam o terrorismo e a internet. O enfoque é tão abrangente que mesmo pessoas não envolvidas em qualquer atividade violenta podem ser enquadradas como malfeitoras.
A nova legislação, agora proposta em todo o mundo e já adotada no Reino Unido, onde temos um histórico de reacionarismo contra grupos dissidentes, viola essa liberdade fundamental. Por exemplo: no Reino Unido, existe uma cláusula em algumas leis introduzidas entre 1996 e 2000 (como o Police Act, de 1997, e o Security Services Act, de 1996) chamada de “propósito comum”. Vamos dizer que duas mil pessoas, de forma absolutamente legal, sem infringir quaisquer leis, trabalham juntas por um objetivo comum, como uma reforma legislativa, por exemplo. Essas pessoas podem ser investigadas com métodos iguais aos utilizados para investigar acusados de crimes como terrorismo.
Acredito que o futuro da democracia é incerto, porque um grupo de políticos em várias partes do mundo – apenas porque considera “necessário” – apóia o processo de globalização sem se preocupar com o que ele representa para os seus próprios cidadãos. Nesse sentido, qualquer dissidência representa uma ameaça a essa política e à sua manutenção, particularmente quando há uma evidência empírica – tanto no Reino Unido quanto em muitos estados norte-americanos – de que essa política é prejudicial socialmente e economicamente.
A questão maior é que a manutenção de políticas de globalização requerem um altíssimo nível de controle social e da mídia. Instrumentos como computadores ou a internet são uma ameaça, porque estão fundamentalmente além do controle do Estado – se comparados aos controles existentes para a grande mídia. Por isso, nos últimos dez anos, muitos Estados procuraram restringir o uso de redes de computadores, como forma de preservar o seu status quo político.
Rets: Caso os EUA tenham sucesso na guerra contra o terrorismo internacional, existe o risco de uso político dessa situação. Você acredita em uma onda de violação das liberdades civis em todo o mundo?
Mobbs: Sem dúvida. Não será um tipo de repressão explícito, como nos acostumamos a ver historicamente (por exemplo, o Talibã ou a ditadura de Pinochet). Será uma forma de controle muito mais sutil. Em parte, isso acontecerá porque os grupos saberão que estão sendo vigiados e procurarão caminhos alternativos, o que, por conseguinte, os transformará em suspeitos potenciais e em um joguete nas mãos do Estado. Então esses grupos, que estão ativos, ficarão sujeitos a alguma intervenção. Isso significa que muitas pessoas, depois de serem investigadas uma ou duas vezes, poderão abandonar suas causas, temendo por sua segurança. Nesse sentido, o Reino Unido é um bom exemplo. Aqui, desde a década de 80, várias leis redefiniram nossos direitos de organização e protesto (como o Public Order Act e o Criminal Justice Act, entre outras). Elas não banem diretamente as manifestações de protesto, mas concedem ao Estado o poder de escolher contra quem vai agir. E essa ação quase nunca resulta em acusações formais. Em vez disso, temos a pressão provocada pela filmagem de comícios ou pelo uso regular da prática de busca e apreensão pela polícia. Eu mesmo fui submetido a uma, sem qualquer base, em 1994, quando vasculharam minha casa e me detiveram por 24 horas para um interrogatório, até que finalmente me liberaram. Naquela época, o meu trabalho envolvia a observação da poluição gerada pelos estabelecimentos de pesquisa nuclear no país, e as perguntas que me faziam sempre me levaram a crer que era nisso que eles estavam interessados. Mas o mais interessante de tudo é que as seis semanas que eu levei para organizar tudo de novo e poder voltar ao trabalho seriam, para muitos, motivo para se desencorajar e desistir. Sem dúvida, para minha família, é uma pressão constante saber que, em função do meu trabalho como consultor de campanhas para grupos comunitários do Reino Unido, podemos ser vítimas, a qualquer momento, de uma nova ação legal desse tipo.
Rets: Como os cidadãos podem reagir a essas ameaças?
Mobbs: Resistindo. Sei que é uma idéia radical, mas acredito na verdade e creio que ela deve ser perseguida sempre, não importa o impacto que provoque em nossas vidas. No meu ponto de vista, se você acredita em alguma coisa, deve dizê-lo abertamente, sem se preocupar com as conseqüências. Recuso-me a aceitar alguma coisa que não seja verdadeira ou apenas porque outros querem que eu aceite. Para muitos, essas leis não serão nenhum inconveniente. Isto porque a maioria das pessoas não participa ativamente da sociedade. Mas para o 1% que participa – sindicalistas, ativistas e cidadãos – essa legislação representa uma ameaça aos seus direitos. Acho que a única forma de lutar contra isso é não ter uma reação exagerada. Em vez disso, vamos continuar vivendo como antes. E quando alguma atitude for tomada contra nós, recorremos à própria Justiça para resistir. Houve no Reino Unido uma série de medidas de repressão. Quando elas foram aplicadas contra manifestantes, o governo perdeu. A luta contra a Motorway M11, na região leste de Londres, custou à Polícia Metropolitana 11 milhões de libras (cerca de 16 milhões de dólares), em ações por prisões e detenções indevidas. Os recentes protestos antiglobalização em Londres, em junho, tiveram implicações semelhantes e alguns advogados dizem que as seis mil pessoas detidas poderão receber uma indenização de 10 a 20 mil libras (15 a 30 mil dólares). Assim têm funcionado os modelos de resistência britânicos: sempre que houver uma lei de repressão, aja normalmente e processe as autoridades, quando elas agirem contra você.
Rets: Os electrohippies organizaram várias ações contra sites de grupos como o banco Mundial e a Organização Mundial do Comércio. O que exatamente voces fazem? Você teme que a ação de hackers possa ser considerada um ato de terrorismo?
Mobbs: O que os electrohippies fazem é inteiramente legal. Nada do que fazemos viola qualquer legislação sobre o mau uso de computadores. Mas desde que começamos, em 1999, muitos representantes da indústria de segurança para computadores tentaram equiparar nossas ações às de terroristas. Um ataque hacker terrorista pode ser feito por uma única pessoa. O conceito dos electrohippies envolve milhares de pessoas agindo simultaneamente para alcançar um resultado efetivo. É dessa forma que asseguramos uma participação democrática e responsável. Entretanto, o Terrorism Act 2000, aprovado no início deste ano, criminaliza nossas atividades, porque elas interromem as redes eletrônicas – ainda que essa interrupção não constitua uma violação das leis contra hackers. Continuaremos atentos e, caso as autoridades se manifestem, terão de arcar com o custo de ações judiciais de protesto contra a aplicaçao de leis antiterrorismo contra nós. Como registrei anteriormente, no Reino Unido, a prática não tem sido a utilização dessas leis para processar malfeitores. Elas têm sido usadas como forma de intimidação contra opositores e ativistas, sem que processos resultem dessas ações – apenas como forma de dissuadi-los de prosseguir em sua luta.
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