Autor original: Felipe Frisch
Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor
Leva cerca de 17 anos o tratamento - principalmente através de cirurgias - para minimizar as consequências sofridas pelos portadores de lesões lábio-palatais. Entretanto, o Brasil tem o segundo melhor hospital do mundo para tratar este tipo de deficiência. O problema é que ele fica em São Paulo (é o Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da USP, em Bauru), e crianças com fissura lábio-palatina nascem também no Acre e na Floresta Amazônica, por exemplo. Para estes pequenos pacientes, não é fácil a viagem, e os governos desses estados pagam o traslado (da criança e de um responsável), com recursos do programa de Tratamento Fora de Domicílio (TFD) do SUS. Mas é só. As estatísticas do hospital de Bauru mostram que há um portador da fissura para cada 650 nascimentos – e, pelos dados do IBGE, isso equivale a 16 novos casos por dia no Brasil.
O acompanhamento – que inclui as refeições durante os dias de viagem, a hospedagem e os exames pré-operatórios, feitos no próprio estado – fica por conta das famílias, ou de quem tem vontade de ajudar e chega a tirar recursos do próprio bolso, como é o caso do agricultor voluntário Jozue Meza Pereira, que fundou, no começo deste ano, a Associação dos Portadores de Lesões Lábio-Palatais e Deficientes Auditivos (Alecranfa).
Aos 60 anos de idade, Jozue desenvolve suas atividades em Rio Branco e conta com a colaboração de uma clínica particular e um laboratório de análises clínicas, para evitar que crianças viagem até São Paulo à toa. “Criança anêmica não pode ser operada”, constata - lembrando de uma outra deficiência por que passam as crianças da região: a de alimentação adequada.
O próximo passo planejado pelo agricultor é ter "uma sede para o projeto, onde possa prestar atendimento”. Isto incluiria tratamento médico, odontológico, fonoaudiológico, de serviço social, psicológico, de nutrição, enfermagem, fisioterapia, recreação e educação – todos elementos essenciais para a reabilitação total desses jovens e que podem ser feitos perto de casa. Até agora Jozue não encontrou nenhum colaborador – governamental ou não – para ceder o espaço.
"Qual o efeito positivo que existe em apenas fechar o lábio de uma criança? É a mesma coisa que o governo ir lá e dar cesta básica", compara. "Seria bom se fosse assumido todo o tratamento, para a criança ser de fato reintegrada à sociedade, através da palavra", afirma o agricultor.
A trajetória de Jozue não está começando agora. Ele conta que já acompanhou cerca de 100 crianças a Bauru (SP), para o tratamento da fenda palatina, e lamenta não receber o total apoio financeiro do governo do estado. Segundo ele, o governo apenas freta os ônibus e, mesmo assim, “a volta nunca coincide com a alta do paciente, o que os obriga a permanecer em Bauru por mais tempo, sem recursos para isso”.
“Já cheguei a gastar R$ 600 com um paciente”, conta o agricultor, que está literalmente nessa estrada há 10 anos. Jozue é paramédico há 18 anos, com um histórico que inclui o voluntariado na Cruz Vermelha (após o terremoto no Chile), e uma viagem de 10.502 quilômetros em cima de uma motoneta Honda Biz 100cc, com destino ao sul do país. A viagem foi feita em busca de parcerias – com as entidades já atuantes nos casos de lesões lábio-palatais – e de patrocinadores.
A meta de Jozue é encaminhar oito pacientes por mês. Para isso, está aceitando todo tipo de doação, colocando-se à disposição pelo telefone (68) 224-7476. Temporariamente, ele está em Curitiba, no telefone (41) 336-7362, e deixa à disposição de doadores a conta corrente 7691-0, agência 3022-8, do Banco do Brasil.
Questão de interpretação
Jozue lamenta a falta de apoio financeiro do governo de seu estado e o recente acordo com a missão internacional Interplast – que, coordenada pelo Dr. Robert Pool, visita o estado de seis em seis meses para realizar cirurgias e fazer o acompanhamento dos casos de fissura palatal em tratamento. Segundo ele, o que está sendo feito são experiências com os pacientes locais, pois “o professor vem com os estudantes, que precisam fazer operações para se formarem”.
Procurada pela Rets, a Secretária de Saúde do Estado do Acre, Grace Rocha, discorda e conta que “trata-se de profissionais da mais alta competência”, mas não desmerece o trabalho de Jozue, que, segundo ela, “sempre intermediou esses casos, se envolveu com eles, e hoje ficou magoado porque perdeu espaço”.
Quanto ao pagamento da estadia e da alimentação nas viagens para tratamento, Grace também lamenta a falta de verba. O estado recebe do SUS R$ 1,1 milhão por mês, dos quais R$ 450 mil são gastos em passagens do TFD, segundo ela.
"Ou eu forneço a passagem e a estadia para poucos, ou só a passagem, mas para muitos. Se eu gastar tudo para mandar pacientes para fora do estado, não consigo tratar ninguém aqui", diz a secretária, que argumenta lembrando o artigo 4º da Portaria da Secretaria de Assistência à Saúde (SAS) nº 055, de 1999, que diz que “as despesas permitidas pelo TFD são aquelas relativas a transporte (...), diárias para alimentação e pernoite para paciente e acompanhante, devendo ser autorizadas de acordo com a disponibilidade orçamentária do município/estado”.
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