Por Alexandre Ciconello* Depois de dez anos de tramitação, finalmente foi aprovado pelo Senado Federal (23/06) o Estatuto da Igualdade Racial. Entre a ida e a vinda do Senado para a Câmara o texto aprovado é muito diferente do projeto original proposto pelo senador Paulo Paim (PT/RS). Para muitos o que saiu do Senado é um retrocesso, uma imagem pálida e distorcida do texto original. Para outros, a aprovação do Estatuto é um avanço na promoção da igualdade racial no país. Quem está com a razão? Antes de analisar a desconstrução do Estatuto da Igualdade Racial, realizada primeiro na Câmara e depois no Senado, cabe dizer que a discriminação sofrida por negros/as no Brasil se deve a uma estrutura racial existente em nossa sociedade que mantém privilégios e alimenta a exclusão e as desigualdades sociais. A população negra tem maiores dificuldades de acessar bens e serviços públicos, o mercado de trabalho, o ensino superior e gozar plenamente dos seus direitos. Dois terços dos pobres no Brasil são negros. Metade da população negra no Brasil vive abaixo da linha da pobreza. Um jovem branco no Brasil tem três vezes mais probabilidade de chegar a universidade do que um jovem negro. O Estatuto da Igualdade Racial tinha como objetivo propor medidas concretas a fim de reduzir essas enormes disparidades. Assim, a proposta original adotava medidas no campo da saúde, educação, territórios quilombolas, meios de comunicação, acesso à justiça, adoção de políticas de cotas, etc. A Câmara dos Deputados já havia retirado importantíssimas disposições do Estatuto. A bancada ruralista na Câmara, assim como tenta arduamente destruir a legislação ambiental brasileira, extirpou todo o capítulo sobre a regularização dos territórios quilombolas do Estatuto. A Câmara também retirou a seção sobre os direitos da mulher afro-brasileira e a previsão de cotas para atores negros/as nos programas televisivos e em peças publicitárias. A nossa televisão vai continuar a retratar nossa sociedade como loura e de olhos azuis. Os Estados Unidos com uma população negra proporcionalmente muito menor que a nossa possui uma representação negra em programas televisivos e filmes muito maior que a brasileira. As mudanças feitas na Câmara foram aprofundadas pelo senador Demóstenes Torres (DEM-GO) na devolução do Projeto ao Senado. O DEM representa a posição de uma elite branca e conservadora, que combate qualquer ação de promoção da igualdade racial no país. Cabe dizer, que o DEM ajuizou uma ação no STF contra a demarcação dos territórios quilombolas e contra as cotas nas universidades públicas. O relatório do senador Demóstenes nega a existência de raça e com argumentos grosseiros retira toda a referência à palavra raça do Estatuto. Essa aberração foi aprovada pelo plenário do Senado, indo contra toda a legislação internacional ratificada pelo Brasil nesse tema. O Brasil ratificou a Convenção Internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial em 1969 e, em 2001, adotou a Declaração e o Programa de Ação de Durban, que estabelece várias obrigações ao Estado Brasileiro para o combate à discriminação racial e ao racismo. O Estatuto sem raça do senador Demóstenes Torres, com o aval do senador Paulo Paim e do governo federal, eliminou toda a previsão de cotas no ensino superior e nos partidos políticos. Rejeitou o conceito de reparação e compensação previsto do Estatuto, retirou o artigo que tratava de operacionalizar a política nacional de saúde da população negra e excluiu a proposta de incentivos fiscais a empresas que mantenham uma cota de no mínimo 20% de trabalhadores negros. Ou seja, todas as disposições substantivas foram excluídas do Estatuto, na Câmara e depois no Senado. Disposições relacionadas a questões culturais como a capoeira foram mantidas. Negro jogando capoeira, batucando e no campo de futebol pode. Negro na universidade, proprietário e como deputado/a no Congresso Nacional não pode. É triste ver a elite branca comemorando a aprovação do Estatuto "sem cotas", "sem mencionar raça", "sem quilombos". E viva a democracia racial brasileira defendida em um Senado dominado por representantes brancos em um país de maioria negra, que devido ao racismo, vivenciam uma cidadania restrita e privada de direitos.*Alexandre Ciconello é advogado, assessor de direitos humanos do INESC - Instituto de Estudos Socioeconômicos Fonte: Adital
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