Por Isabella Henriques e Daniela Trettel*No último dia 29, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) publicou a Resolução nº 24, que trata da publicidade de alimentos com alto teor de açúcar, gorduras saturadas e trans, sódio e de bebidas com baixo valor nutricional. A Resolução determina que daqui a seis meses os anúncios desses produtos sejam acompanhados de alertas informativos sobre os riscos à saúde do consumo em excesso.A inovação dessa nova regra da Agência representa um grande avanço para a sociedade brasileira, que segue uma tendência mundial ao reconhecer a forte influência da comunicação mercadológica no aumento do número de casos de obesidade e doenças crônicas relativas ao consumo excessivo de sal, açúcar e gorduras. É verdade que a Resolução teria sido muito mais efetiva se mantivesse o texto original que estava em discussão desde 2006 e possuía uma série de dispositivos relativos à proteção específica do público infantil, sabidamente hipervulnerável aos apelos da publicidade e do consumo, em especial no caso das guloseimas.Ainda assim, apesar de ser necessária a atenção da Anvisa para a questão específica do público infantil, é de extrema importância o respeito integral à Resolução publicada.Infelizmente, nessa fase do processo, já com a Resolução publicada – e depois de ter participado ativamente das etapas anteriores, inclusive valendo-se do processo notadamente democrático fomentado pela Agência – o setor regulado, representado pela Abia (Associação Brasileira da Indústria Alimentícia), preferiu manifestar sua indignação com a regulamentação da publicidade de alimentos, questionando a competência legal da Anvisa para tratar do tema.O assunto é polêmico e em outras ocasiões, no tocante à publicidade de cervejas e de medicamentos, já foi objeto de discórdia e de provocação.Contudo, é importante que se diga que o setor regulado não está preocupado em garantir preceitos constitucionais ou defender a Carta Magna. Quer sim impedir a Anvisa de atuar no âmbito da regulamentação da atividade publicitária, seja ela relativa a qualquer produto ou serviço. Cervejas, remédios, alimentos. Não importa. O setor regulado não quer o Poder Executivo ousando imiscuir-se nesse assunto.Mas se não quer regra, regulamentação, verdade seja dita, também não quer norma, lei ou decreto. Nem sentença judicial. Ora questiona o fato de hoje tramitarem no Congresso Nacional centenas de projetos de lei que prevêem alguma norma sobre a publicidade, seja ela qual for – e luta bravamente para que nenhum deles seja aprovado. Ora diz que a Anvisa não tem competência para regulamentar essa atividade comercial. Ora alardeia que não deve o Poder Judiciário preocupar-se com o assunto porque, afinal, a autorregulamentação do setor seria suficiente e bastaria para manter a atividade publicitária sob controle.Então vale a pergunta: há no país uma atividade comercial que não se subordine ao Poder Legislativo, Executivo ou mesmo ao Judiciário? É isso mesmo? Pois é isso que o setor e a autorregulamentação brasileira querem e têm defendido. A boa notícia é que ainda vivemos em um Estado Democrático de Direito, no qual os três poderes da República devem ser respeitados por todos. Inclusive pela atividade econômica publicitária. E é por isso que está na hora desse tipo de posicionamento institucional mudar. Está na hora das organizações de classe, do setor regulado e da própria autorregulamentação se conciliarem. Sentarem à mesa para efetivamente discutir propostas e não se manterem refratários a mudanças.Se o país que todos desejamos – e aí se incluem os profissionais que estão à frente dos grandes conglomerados anunciantes e das agências publicitárias – é um país que respeita seus cidadãos e que protege a criança como seu bem maior por ser o futuro da nação, é importante que se deixe de lado a busca desmedida pelo lucro e as discussões de caráter ideológico. O que se propõe não é, em hipótese alguma, o fim da publicidade, mas uma mudança de paradigma em relação à forma como tem sido feita atualmente. A questão aqui não é ver quem ganha a discussão, mas garantir que o ganho será da sociedade e da infância brasileira. Se não for assim perdemos todos – as crianças, a sociedade, o mercado e o país. *Isabella Henriques é advogada e coordenadora geral do Projeto Criança e Consumo do Instituto Alana.*Daniela Trettel é advogada do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).
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