Autor original: Fausto Rêgo
Seção original:
* Rose Marie Inojosa
Situações sociais complexas demandam uma sinergia que ações solitárias e setorializadas não têm capacidade de alcançar. O conceito de complexo é “aquilo que está tecido em conjunto” (Morin, 1999).
Na sociedade contemporânea, o modelo de articulação em rede tem sido largamente utilizado, na medida em que se apresenta como uma possibilidade de reunir parceiros autônomos, livremente articulados, trazendo para a formulação de planos, programas e ações as suas diferentes visões, opiniões interesses e riquezas. Castells (1999) considera que a sociedade contemporânea é uma sociedade em rede, como anuncia o livro que abre a sua trilogia ("The rise of the network society").
Entendo que redes são tecidos sociais que se formam a partir do estabelecimento de relações entre entes independentes, mobilizados por uma questão ou objetivo comum que, de alguma forma, concorra para os objetivos específicos de cada ente.
No mercado, as redes são articulações em função da produção, distribuição ou apropriação de bens ou serviços, em que a condição de parceria é oferecer um bem ou serviço que contribua para a oferta ou apropriação de outro bem ou serviço, complementar ou suplementar, relacionado com a própria finalidade da existência de cada ente. Um mesmo ente pode fazer parte de várias redes, em função de diferentes objetivos.
No âmbito da vizinhança, o modelo de articulação em rede também não é uma novidade, pois emerge da própria extensão das redes sociais, entendidas como as redes de relacionamento de cada indivíduo. Nas comunidades, grupos com algum nível de identidade social articulam-se em redes de auxílio mútuo ou para proteger seus membros mais vulneráveis.
A ampliação da visão da sociedade como um conjunto de próximos, como uma teia de interdependências, bem como o reconhecimento da necessidade de “multiplicar os locais intermédios de composição social, de reinserir os indivíduos em redes de solidariedade diretas” (Rosanvallon, 1997:90), tem motivado a sociedade a novos arranjos de convivência, substituindo a noção de compaixão pela de solidariedade, com a introdução da noção de responsabilidade social das empresas e a instituição de organizações de caráter privado voltadas para o interesse público – o chamado terceiro setor.
À medida que cresce a visibilidade da sociedade sobre ela mesma e a tensão que essa visão instala, emergem articulações de compromisso social, redes em que parcerias são mobilizadas a partir da percepção compartilhada de situações ou problemas que rompem ou colocam em risco o equilíbrio da sociedade ou as perspectivas de seu desenvolvimento e para cujo equacionamento não é suficiente a ação isolada de organizações públicas e/ou privadas. Essa é a origem das redes de compromisso social.
A base de funcionamento de uma rede de compromisso social é o processo de comunicação, apoiado por reeditores, isto é, pessoas que têm um grupo de influência e são capazes transmitir, introduzir, negar idéias e criar sentidos para e com esse grupo, e por produtores sociais, reeditores capazes de fazer chegar ao campo de outros reeditores elementos geradores de sentido e instrumentos que lhes permitam compartilhar o imaginário e formular um projeto comum (Toro, 1996).
A comunicação viabiliza e alimenta os vínculos entre os parceiros, bem como mantém a rede conectada com outras redes e com a sociedade.
As redes de compromisso social, como parcerias autônomas, livres de contratos formalizados, têm, de um lado, a riqueza que representa essa vinculação voluntária e, de outro lado, enfrentam os riscos inerentes a essa liberdade, pois a entrada e saída de parceiros na rede pode fragilizar a sua capacidade de ação.
A permanência de cada ente na rede parece guardar estreita relação com: • a intensidade de sua identificação com a idéia que a mobiliza; • o engajamento em um objetivo comum; • o envolvimento em um projeto capaz de realizar esse objetivo; • a contribuição da articulação para a realização de seus próprios objetivos e • a eficácia do processo de comunicação fomentado pelos reeditores e produtores sociais.
E a efetividade da ação das redes? Considerando a energia e os recursos que a sociedade utiliza para mobilizar e manter as redes de compromisso social, representados pelo investimento material, financeiro e gerencial das organizações envolvidas e as horas de trabalho voluntário das pessoas que se engajam nos programas e projetos e, ainda, as expectativas que as iniciativas provocam na comunidade, é indispensável avaliar os resultados dessa ação.
A entrega desarticulada, setorializada e/ou pontual (projetos-piloto) de bens ou serviços a segmentos da população caracteriza, freqüentemente, uma ação de caráter compensatório, que tem baixa capacidade de transformação e risco de assumir um caráter assistencialista. Não é possível reverter situações de exclusão multicausadas oferecendo bens ou serviços pontuais às pessoas. Mesmo quando se oferecem serviços de educação, estratégicos para a transformação, mas focalizando apenas a criança e não seu grupo familiar e/ou de convivência, o sujeito pode ser fortalecido, mas a fragilidade que o cerca pode anular, a curto prazo, os efeitos potenciais da ação. Qualidade de vida é uma produção social complexa, um tecido de interdependências. Não é possível produzir qualidade de vida setorialmente.
Planos e projetos inovadores realizados com o caráter de piloto muitas vezes são oferecidos a pequenos grupos da sociedade, que não têm possibilidade de multiplicá-los quer em termos de território, quer em termos das necessidades complexas do segmento focalizado (criança, adolescente, idoso, portador de deficiência etc.). Empresas ou governos tendem a apoiar esses projetos, mas não a sua extensão. Desse modo, permanecem como pequenas luzes dispersas incapazes de iluminar um grupo suficiente para fomentar a mudança.
É preciso reconhecer que há um tanto de vaidade na apresentação de soluções criativas, mas que não vão além da tarefa de apoiar o marketing social de uma empresa ou grupo de empresas. Ao invés de reeditar ou apoiar a extensão de uma boa idéia, já identificada com alguma marca, trata-se de inventar outra idéia pontual com outra marca. Esse mal perpassa as organizações públicas e privadas, atrelando os projetos a marcas ou a partidos políticos.
Articulando entes do setor privado, do setor público e do terceiro setor, o modelo em rede pode ser utilizado para reforçar ou contribuir para superar essa visão limitada e de baixa eficácia. As redes, cujo objetivo é empreender ações de caráter transformador, podem apropriar-se, com vantagem, da tecnologia de territorialização. Essa tecnologia, embora simples, é potente para ajudar a focalizar grupos populacionais em territórios definidos, compreendendo melhor seu diálogo com o ambiente – físico e social –, e para aproveitar as oportunidades de desenvolvimento integral a partir dessa relação.
Se o paradigma das redes de compromisso social não é a compaixão, mas a solidariedade, é indispensável que essas redes e mesmo seus integrantes, como entes autônomos, passem a avaliar suas escolhas estratégicas e os resultados de planos e projetos não apenas como eventos sinalizadores de soluções criativas, mas também em relação ao seu potencial transformador da sociedade.
Bibliografia citada
CASTELLS, Manuel (1999) A sociedade em rede in A era da informação: economia, sociedade e cultura, volume I, trad. Roneide Venancio Majer, São Paulo: Paz e Terra
MORIN, Edgar (1999) Complexidade e transdisciplinaridade - a reforma da universidade e do ensino fundamental, tradução de Edgar de Assis Carvalho, Natal: EDUFRN
ROSANVALLON, Pierre (1997) A crise do Estado-providência. Trad. Joel Pimentel de Ulhôa. Goiânia: Editora da UFG e Editora da UnB, 160p.
TORO, Bernardo (1996) Mobilização social: uma teoria para a universalização da cidadania.
MONTORO, Tânia S. (coord.) Comunicação e Mobilização Social, Série Mobilização Social, vol.1, Brasília: UnB.
* Rose Marie Inojosa é mestra em Comunicação Social e doutoranda em Saúde Pública (USP/SP) e coordenadora de Recursos Humanos da Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo.
Theme by Danetsoft and Danang Probo Sayekti inspired by Maksimer