Autor original: Graciela Baroni Selaimen
Seção original:
Rudá Ricci*
1. O Orçamento Participativo está esgotado?
No dia 24 de outubro de 2001, durante o I Seminário Metropolitano de Coordenações de Relações com a Comunidade, realizado em Porto Alegre e que envolveu toda a região metropolitana (Viamão, Gravataí, Alvorada, Cachoeirinha e Porto Alegre), o prefeito Tarso Genro afirmou que o Orçamento Participativo (OP) não é um processo de democracia participativa, mas um projeto de controle do Estado. O jogo de palavras pode assustar um leitor menos envolvido com os inúmeros debates que marcam a construção do ideário de esquerda. Mas o que veio a seguir assustou até mesmo os mais aguerridos militantes do país. Tarso Genro sentenciou:
Chegamos a defender, em 1988, o fim do legislativo municipal. Hoje, no entanto, reconhecemos o legislativo como uma outra fonte de poder. (...) Porém, a experiência do OP está esgotada, e está esgotada porque ela deu certo. E se deu certo, precisamos avançar, e é por isso que estamos aqui. (...) A experiência do OP tornou-se algo tão comum quanto o processo político. Se não houver avanço e uma adequação às novas necessidades que surgem, o OP poderá extinguir sua força ou transformar-se em mera utopia. (1)
Por sua vez, o prefeito de Belém do Pará, Edmilson Rodrigues, vem afirmando que o OP deve se ampliar e radicalizar em novas formas de participação direta da gestão das cidades. O formato que sugere é o de estrutura congressual permanente, incorporando grupos de interesse mais difusos que aqueles que se organizam a partir da temática orçamentária. Cita grupos étnicos, grupos por faixa etária, grupos de promoção cultural, entre outros.
Outro expoente da gestão pública participativa, Celso Daniel, prefeito de Santo André, em seminário realizado em novembro de 1996, já adiantava alguns impasses ou riscos na condução do OP.(2) Segundo Daniel, são três riscos mais significativos, que o autor denomina de "ponderações críticas":
1. Aquilo que era feito estritamente pelo executivo e, eventualmente, pelo legislativo, agora é feito com a própria comunidade organizada. Isso envolve problemas sérios como saber quem, afinal de contas, vai tomar as decisões. (...) Acredito na necessidade do caráter deliberativo do orçamento participativo e considero que ela traz novos problemas como, por exemplo, de que maneira desenvolver um processo que seja realmente transparente (...);
2. A formação da opinião pública na sociedade de massas tende a simplificar em excesso o sentido das propostas de participação popular. Não é positivo que a idéia do orçamento participativo passe a monopolizar o discurso e a prática da participação popular, de maneira que outras experiências de participação não sejam consideradas, ou sejam deixadas de lado. Em outras palavras, convém que o sucesso do orçamento participativo não venha a ser responsável pelo estreitamento do potencial de inovação e de criação aberto pelas questões ligadas à participação popular nos governos locais. O tema da participação popular é muito mais amplo do que o orçamento participativo e observa-se, em algumas cidades, a tendência a se direcionar tudo o que diz respeito à participação para dentro do orçamento participativo (...);
3. Desse prisma mais amplo a participação popular corresponde à criação de espaços públicos envolvendo sociedade e Estado. Esses espaços públicos não são predeterminados, têm que ser criados a partir da riqueza posta pela experiência da própria sociedade e pelas iniciativas dos governos locais (...). Nem todos estarão dispostos a participar do orçamento participativo, assim como nem todas as decisões de governo que dizem respeito aos gastos, passam pelo processo de orçamento participativo.
O ponto de convergência de todas as citações acima é a preocupação crescente de lideranças públicas com a redução do OP à meros mecanismos de good governance, tal como são citados nos documentos internacionais, onde aparece como mecanismos de sustentabilidade, de auto-suficiência e justiça social (3). Os três dirigentes do Partido dos Trabalhadores procuram reintroduzir a motivação política e moral que orientou, na década de oitenta do século passado, a formulação de estratégias de participação popular em gestões públicas em nosso país.
Tal formulação crítica sugiro que seja compreendida como o anúncio de uma "terceira onda" do participacionismo nacional, iniciada ao longo dos anos oitenta pelas mãos de uma multiplicidade de movimentos sociais que emergem sob o explícito apoio de setores da Igreja Católica comprometidos com a Teologia da Libertação, passa pela institucionalização no período pós-Constituição de 1988, e chega ao século XXI sugerindo uma profunda reforma do aparelho de Estado e, talvez, até mesmo uma nova concepção de Estado. José Arlindo Soares, da Universidade Federal da Paraíba e do Centro Josué de Castro, sugere uma periodização que se aproxima da sugerida acima(4). O autor sugere três ciclos: a) o período que se inicia com a retomada das eleições diretas para governador, em 1982, e termina com as eleições diretas para prefeitos das capitais, em 1985, onde a oposição liberal-democrática assume o tema da participação para definição de prioridades de gestão e inversão de prioridades de investimento municipal em direção às áreas populares; b) o segundo ciclo, marcado pela radicalização democrática e generalização do discurso participativo, tendo seu ápice nas eleições municipais de 1988, quando os partidos de esquerda obtém 25% dos votos e quando são elaboradas as Leis Orgânicas Municipais(5); c) o terceiro ciclo, iniciado nos anos noventa, onde o orçamento participativo se consolida e são construídas parcerias com a iniciativa privada, ongs, além da tentativa de ampliação da participação, envolvendo segmentos não organizados da sociedade.
Todavia, o autor faz coro àqueles que indicam limites à condução das políticas participacionistas brasileiras. Destaca quatro impasses:
a) Processo de descentralização inconcluso, onde não existe regulamentação das competências entre esferas de governo;
b) Perda da capacidade de investimento do Estado, afetando a credibilidade das propostas de natureza mudancista;
c) Impasses ideológicos que limitam a construção de alianças políticas mais amplas, em especial, atraindo os segmentos não organizados da sociedade;
d) Diversidade cultural e social que configuram o poder local.
Para entendermos as críticas que as lideranças políticas que lideram experiências de OP estão esboçando é fundamental compreendermos a motivação ideológica que nutriu a sua institucionalização. Somente a partir desse reconhecimento, podemos compreender em que medida sugerem seu esgotamento. Antes, porém, é necessário compreendermos até que ponto esta experiência se multiplicou, qual o grau de institucionalização e adoção em nosso país. Esta informação é relevante na medida em que um dos focos de crítica é que haveria uma certa acomodação deste instrumento à dinâmica política tradicional, na medida em que já foi assimilada nacionalmente e correria o risco de se amoldar ao status quo. (...)
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*Rudá Ricci é sociólogo, doutorando em Ciências Sociais (UNICAMP), professor da PUC-Minas e diretor da CPP (Consultoria em Políticas Públicas).
(1) "Tarso diz que experiência do OP está esgotada", www.uol.com.br , edição de 25/10/01.
(2)Ver sua exposição, realizada no seminário nacional organizado pelo Fórum Nacional de Participação Popular, reproduzido em Para que Participação Popular nos Governos Locais? , São Paulo/Recife: Fórum Nacional de Participação Popular nas Administrações Municipais/SUDENE/Instituto Pólis, 1996.
(3)Ver Participatory Development and Good Governance, elaborado pela Japanese International Cooperation Agency (1997) e disponível no site www.jica.ific.or.jp/e-info-part/index.html . Ver, também, o Relatório de Referência para a reunião do Grupo dos Sete, realizado em Lyon, elaborado pelo Banco Mundial, em 1996.
(4) Ver SOARES, José Arlindo. "Legitimidade Política e Reconhecimentos Sociais nas Gestões Municipais Inovadoras", In Para que Participação Popular nos Governos Locais? , São Paulo/Recife: Fórum Nacional de Participação Popular nas Administrações Municipais/SUDENE/Instituto Pólis, 1996.
(5) Segundo Luiz Cesar Ribeiro, ao estudar as cinqüenta maiores cidades do país, foi possível observar que 80% instituíram mecanismos de iniciativa popular em matéria de lei, além de participação direta no planejamento e adoção de conselhos setoriais. Ver RIBEIRO, Luiz Cézar de Queiroz. "A (in) governabilidade da Cidade? Avanços e desafios da reforma urbana", In VALADARES, & COELHO (orgs.). Governabilidade e Pobreza no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995.
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