Autor original: Felipe Frisch
Seção original: Novidades do Terceiro Setor
“As últimas duas décadas, marcadas por um processo acelerado de globalização econômica, não foram capazes de romper com o triste padrão das desigualdades persistentes no mundo”. A constatação é de Átila Roque, coordenador de Políticas Públicas e Globalização do Ibase e coordenador executivo da edição brasileira do Observatório da Cidadania, cuja versão 2001 acaba de ser lançada.
O documento, publicado também em inglês, espanhol, italiano e alemão, é resultado do trabalho de organizações não-governamentais de 60 países, que avaliam anualmente o desempenho de 166 governos com relação aos compromissos assumidos no Ciclo de Conferências Sociais das Nações Unidas –realizados na década de 90. O grupo de ONGs formado, o Social Watch, é a única rede da sociedade civil dedicada a monitorar os compromissos assumidos por Estados em escala internacional.
– O relatório produzido pelo Observatório da Cidadania não é simplesmente um produto acadêmico ou técnico. Mas, como parte de uma iniciativa global, se insere num amplo processo de mobilização e organização da sociedade civil mundial para acompanhar e analisar as políticas públicas nacionais e internacionais à luz dos compromissos assumidos pelos governos na ONU – relata Átila.
Tratando os diversos temas por um aspecto muito mais quantitativo do que qualitativo, a publicação tem como suas grandes estrelas os estudos e os artigos. Os indicadores, de fato, não mudam tanto de um ano para o outro (também porque falta regularidade nas medições, que, em muitos itens, acabam se repetindo). De qualquer forma, aparecem bastante no livro.
– Os artigos são reveladores do déficit estrutural que permanece na maior parte dos países em desenvolvimento e menos desenvolvidos, e até mesmo em alguns dos países mais ricos, no que diz respeito ao acesso pleno aos seus direitos políticos, econômicos e sociais – diz o coordenador.
A publicação acompanha um quadro com a situação mundial de cada país nos seguintes itens: educação primária, saúde infantil, segurança alimentar e nutrição (infantil), saúde reprodutiva, saúde e esperança de vida, acesso a água potável e saneamento, gastos com defesa, analfabetismo feminino e eqüidade entre os gêneros na alfabetização. Cada um é classificado em relação aos demais, às suas metas e quanto aos avanços ou retrocessos obtidos.
– A maior parte dos países não avançou significativamente no que diz respeito ao cumprimento das metas assumidas pelos governos nos diversos compromissos assinados na ONU ao longo da década de 1990. O que vemos é o acirramento das situações estruturantes das desigualdades, entre elas as várias manifestações de intolerância, xenofobia e discriminação racial – constata Átila, que também é o autor do artigo sobre a Conferência de Durban sobre Racismo, segundo o qual os impasses das negociações são apenas o resultado das dificuldades que o mundo encontra para lidar com o assunto.
Brasil
Apesar de as metas serem bastante modestas para nações com o nível de renda brasileiro, o país “avança, mas avança pouco”. Nos temas do quadro que acompanha o Observatório, o Brasil caminha para a frente em cinco temas (significativamente, em alguns deles), ficando estagnado apenas com relação aos gastos com defesa, com o acesso a água potável (e saneamento) e na eqüidade entre gêneros alfabetizados. Uma vitória relevante foi a de atingir a meta com relação à segurança alimentar infantil. Infelizmente, ainda “estamos andando para trás” em questões como o saneamento básico, que chegava a atender 78% da população brasileira em 1990, mas em 1999 beneficiou apenas 72%.
Para as mulheres, uma triste informação: a meta nos anos 90 era chegar ao ano 2000 com um máximo de 80 mortes maternas para cada 100 mil crianças nascidas vivas. Até 98 (último ano de que se tem dados), o número registrado ainda era de 160.
Além do Ibase, no Brasil, o Observatório da Cidadania está sob responsabilidade do Inesc, do SOS-Corpo, da Fase e do Cedec. Segundo Átila, é essencial “o alto grau de colaboração das demais redes setoriais que atuam na esfera internacional, notadamente as redes de mulheres”. As edições em inglês e espanhol podem ser encontradas na página do Social Watch. A página do Observatório da Cidadania dentro do site do Ibase também traz informações atualizadas sobre os vários processos e temáticas que estão sendo acompanhadas no Brasil, além da edição brasileira do Observatório.
Para pensar
Uma forte crítica que Átila Roque faz não é tanto com relação à situação brasileira diante das suas metas, mas é direcionada ao tratamento que a imprensa em geral dá aos indicadores sociais.
– Acho que melhoramos muito, nos últimos anos, nesse assunto, mas persiste uma certa descontinuidade na cobertura das diferentes áreas. O impulso da imprensa é sempre buscar a "novidade", perdendo um pouco a perspectiva dos processos cotidianos que estão gerando aqueles "números" e indicadores que tanto agradam aos editores. Um exemplo recente diz respeito à questão racial. Depois de uma avalanche de matérias sobre a proposta de cotas em benefício da população afro-descendente no Brasil, impulsionadas pela cobertura da Conferência Mundial contra o Racismo, a discussão praticamente desapareceu da mídia, com raras e notáveis exceções, como é o caso da colunista Miriam Leitão, que de vez em quando toca no assunto com grande consistência.
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