Você está aqui

De susto, de bala ou vício

Autor original: Fausto Rêgo

Seção original: Notícias exclusivas para a Rets








Os primeiros habitantes brasileiros ainda são tratados como cidadãos de segunda. Ao longo desses mais de 500 anos de história, o desafio dos povos indígenas tem sido lutar pela preservação da sua cultura, dos seus costumes, da sua identidade. Lutar, enfim, pela sobrevivência. Foram milhões, restam cerca de 300 mil. Eram donos do país inteiro, e hoje morrem em disputas desiguais pelo respeito à demarcação de seus pedaços de terra.

São mortes que, em muitos casos, permanecem impunes, como denuncia o professor José Agnaldo Gomes de Souza, líder do povo Xukuru, da Aldeia Pé-de-Serra, em Pesqueira (PE). Envolvidos em uma luta que já dura 13 anos pela não violação de seu território, os Xukuru enfrentam pistoleiros e fazendeiros locais. Os relatos de Agnaldo se sucedem: em 1992, o filho do pajé, José Everaldo Rodrigues Bispo, foi assassinado pelo fazendeiro Edivaldo Farias, foragido da polícia até os dias de hoje. Três anos depois, foi a vez de Geraldo Rolim, procurador da Funai, ser morto – acusado do crime, o fazendeiro e pistoleiro conhecido como Téo Pombo acabou absolvido por unanimidade. Em 1998, foi assassinado o cacique Chicão – os criminosos ainda não foram encontrados. Em 2001, a vítima foi o índio conhecido como Chico Quelé.

Agnaldo aponta como inimigos da tribo a Prefeitura, a Diocese de Pesqueira e o próprio governo do estado. “Todos têm em comum a exploração do turismo religioso dentro da nossa área demarcada. Esses setores têm encontrado uma forte resistência por parte do nosso povo, pelo fato de entendermos que turismo dentro da nossa área só trará mais brancos para o nosso meio, quando nossa luta no momento é para retirar os que já estão lá”. Recentemente, ele conta, os índios expulsaram de suas terras um frade conhecido como Frei José, que teria comprado de um fazendeiro local mais de 300 hectares dentro da área demarcada. A reportagem da RETS fez contato com a Cúria de Pesqueira, mas a informação foi de que a pessoa autorizada a responder às acusações, o Padre Eliseu Francisco, estava ausente.

Como se não bastassem os crimes cometidos, o líder Xukuru alerta ainda para a tentativa de responsabilizar os próprios índios pelos assassinatos. “Isso tem se dado em Pernambuco, com lideranças sendo presas e outras com mandados de prisão já expedidos, como é o caso das lideranças do povo Truká, em Cabrobó. Entendemos que essas são outras maneiras de tentar neutralizar a luta dos povos indígenas, que, depois de 500 anos de invasão e massacre, ainda continuam resistindo a esses tipos de perseguição”.

Dizimados

A palavra massacre não chega a ser um exagero, considerando alguns relatos históricos de envenenamento, contaminação proposital e até mesmo fuzilamento ocorridos em algumas aldeias. O Instituto Socioambiental (ISA) vem procurando reunir depoimentos e material sobre esses fatos, já mencionados em algumas publicações. O antropólogo Mércio Pereira Gomes, no livro “Os índios e o Brasil”, fala em uma epidemia de varíola que teria ocorrido entre os índios Canelas Finas, no Maranhão, após distribuição de roupas previamente contaminadas. Outro caso de contaminação por varíola foi divulgado pelo naturalista inglês Alfred Russel Wallace, no livro “Viagens pelos rios Amazonas e Negro”, de 1853, que cita o encontro com um padre. Ao conversarem sobre a epidemia de varíola no Pará, o religioso lhe teria contado sobre a sugestão que dera ao presidente da Bolívia para combater índios hostis na cidade de Santa Cruz – também sofrendo com epidemia semelhante: em vez de queimar as roupas dos doentes, ele deveria colocá-las estrategicamente em locais acessíveis aos índios. Dito e feito: pelo menos quatro tribos foram inteiramente dizimadas.

O ISA tem um interesse particular na descoberta de um documento oficial do governo brasileiro conhecido como Relatório Figueiredo. Trata-se de um dossiê preparado em 1968 pelo então procurador geral da República, Jader Figueiredo, o qual relataria a destruição de comunidades indígenas por fuzilamento, envenenamento e com o uso de dinamite. A existência desse documento, com mais de 5 mil páginas, foi revelada em 1969, pelo ministro do Interior à época, Albuquerque Lima.

A coleta de informações ainda encontra-se em fase inicial. O ISA pede que as pessoas que tiverem denúncias relacionadas a esse tema entrem em contato com a entidade.

Futuro

Doenças, alcoolismo e perda de identidade foram conseqüências nefastas do processo de colonização e, ainda hoje, da resistência em aceitar o índio como diferente, não como inferior. Um quadro que pode estar mudando, a julgar por uma recente pesquisa de opinião pública nacional, encomendada pelo ISA, que mostrou o que os brasileiros pensam sobre a população indígena. Considerando que 78% disseram ter interesse no futuro dos índios, que 81% não os consideram preguiçosos, que 89% não os acham ignorantes e que 92% acham que eles devem ter o direito de continuar vivendo de acordo com seus costumes, talvez possamos ficar otimistas.

Theme by Danetsoft and Danang Probo Sayekti inspired by Maksimer