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Inimigo oculto: o que a guerra deixa para trás

Autor original: Marcelo Medeiros

Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor






O perigo está escondido onde menos se espera. Um passo no local errado pode custar vidas. Escondidas sob ou sobre o chão, em áreas rurais ou urbanas, sempre camufladas e à espera de vítimas – sejam elas militares ou civis –, as minas terrestres ainda constituem um mal em muitos locais do mundo. Projetadas para surpreender soldados inimigos, essas armas são escondidas durante conflitos e, após o término das batalhas, não são retiradas. A população, portanto, fica exposta a esse perigo até que alguém as localize e as desarme. Ou as detone. Há pelo menos 250 mil pessoas mutiladas por causa de minas e a cada ano essa cifra aumenta em 26 mil. Os países mais atingidos são Afeganistão, Índia, Angola, Camboja, Iraque e Birmânia. Números significativos de novas vítimas também são encontrados na Chechênia, no Irã, na Etiópia, no Sri Lanka e no Vietnam.


Para tentar acabar com esse problema, que atinge diferentes regiões do mundo, foi lançada em 1992 a Campanha Internacional para o Banimento de Minas (em inglês ICBL – International Campaign to Ban Landmines). Coordenada por 15 organizações e ganhadora do Prêmio Nobel da Paz de 1997, a campanha reúne 1.400 grupos ligados aos direitos humanos no mundo. O núcleo da ICBL é formado por cinco organizações: Human Rights Watch, Handicap International, Kenya Coalition Against Landmines, Mines Action Canada e Ajuda Popular da Noruega.


Em setembro deste ano, a campanha divulgou o Relatório do Monitor de Minas 2001, com informações sobre a utilização, o comércio, a armazenagem, a desminagem humanitária e a assistência aos sobreviventes em todo o mundo, desde maio de 2000 até maio deste ano. No total, 122 pesquisadores estiveram em 95 países para verificar a situação em cada um deles, inclusive no Brasil. O encontro de divulgação e discussão dos resultados foi realizado em Brasília, de 9 a 11 de dezembro.


Os números são impressionantes. Desde a Segunda Guerra Mundial foram instaladas 400 milhões de minas, sendo que de 230 a 245 milhões ainda existem. Nos últimos 15 anos, 65 milhões foram instaladas. A maior parte está localizada na China (110 milhões), Rússia (60 a 70 milhões), Estados Unidos (11,2 milhões), Ucrânia (6,4 milhões), Paquistão (6 milhões), Índia (4 a 5 milhões) e Bielorússia (4,5 milhões).


A estatística elevada de utilização desta arma é justificada pelo preço: varia de US$ 3 a US$ 30. O custo de desarmamento é, em média, de mil dólares. Segundo cálculos do Monitor, no ritmo atual o planeta levará mil anos e gastará US$ 33 bilhões para se ver livre desse mal. De acordo com Adonai Rocha, coordenador da AJA (Associação de Jovens Aprendizes), instituição que elabora o relatório brasileiro, “a operação de desativação é cara, mas, se considerada com outras áreas, o volume de recursos empregados é até grande. Porém não são suficientes”.


Só em 2000 foram arrecadados US$ 221 milhões pelas principais nações doadoras. Só nos EUA, país que recentemente desistiu de assinar o acordo em 2004, como havia prometido, US$ 100 milhões são gastos por ano em campanhas coordenadas por ONGs em todo o mundo. Houve também um decréscimo no número de países produtores – de 55, em 1998, eles agora são 14. Além disso, cinco milhões de minas foram destruídas no ano passado, sendo que 28 países não possuem mais minas, pois completaram a destruição de seu arsenal e não houve registros de transportes de minas desde 1998.


Em 1997, foi elaborado o Tratado de Proibição de Minas – também chamado de Tratado de Ottawa. Os termos do documento “instam a comunidade internacional a negociar um acordo internacional juridicamente vinculante que proíba o uso, armazenamento, produção e transferência de minas antipessoal”. Cento e dezenove países ratificaram o Tratado e outros 22 o assinaram.  A Campanha não aceita doações de Estados não-signatários - como os EUA, que recentemente desistiram de assinar o acordo. Dos signatários, o Brasil é o que mais possui minas guardadas. São 34 mil minas restantes reservadas ao treinamento de tropas que servirão em operações de desarmamento em outros países. As armas não são produzidas aqui desde 1989 e as exportações cessaram em 84.


De acordo com Adonai Rocha, a maior dificuldade na elaboração do relatório do Monitor de Minas é a falta de transparência dos governos. “Geralmente eles não fornecem muita informação, seja por motivos estratégicos, pois se trata de assunto militar, seja por outras razões”, afirma. Em Angola, ONGs não chegam a receber o recurso enviado por outros países por causa de burocracias e corrupção. Rocha diz que o Encontro  no Brasil também serviu para abrir um canal de comunicação entre as organizações civis e o Ministério da Defesa, que enviou representantes.


As minas atingem não só tropas e civis. Destroem também áreas inteiras que não são freqüentadas por medo ou falta de condições. Muitas estradas estão minadas, logo, os transportes comerciais e de tropas de ajuda humanitária têm que ser feitos por avião. A economia das regiões atingidas também fica prejudicada, pois plantações são abandonadas, assim como partes de cidades. Na tentativa de amenizar esses problemas se destacam as organizações da sociedade civil. O tratado de Ottawa é o único a ser monitorado por elas, que além de pressionarem seus governos, realizam campanhas de arrecadação de fundos e atividades humanitárias.


Ainda há uma “crise” de minas espalhada pelo mundo, que faz muitas vítimas. O caminho para erradicar esse mal, segundo Adonai Rocha, é o que tem sido posto em prática. “A conscientização dos governos e os programas de desarmamento são o único caminho possível, assim como campanhas de assistência aos sobreviventes, que devem ser requalificados e possuir meios de gerar a própria renda".

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