Autor original: Graciela Baroni Selaimen
Seção original: Artigos de opinião
*Augusto Boal
Na semana passada, no Memorial da América Latina, em São Paulo, aconteceu a solenidade de encerramento do projeto Direitos Humanos em Cena, realizado, ao longo do ano que ora finda, em 37 presídios daquele Estado, pelo Centro do Teatro do Oprimido do Rio de Janeiro em parceria com o People´s Palace Projects, da University of London-Queen Mary. Esse projeto, graças ao caráter humanista da sua proposta e à excelência dos resultados alcançados – abrindo o diálogo entre quatro mil presidiários, centenas de funcionários e inúmeras populações vizinhas – recebeu o Prêmio Betinho de Direitos Humanos de 2001, oferecido pela Câmara Municipal de São Paulo.
Pela manhã, apresentaram-se os guardas penitenciários, cuja peça mostrava o difícil trabalho em cárceres superlotados, os baixos salários e a periculosidade da sua missão. Todos os personagens eram, como sempre acontece no nosso método teatral, representados pelos próprios guardas – até mesmo os personagens de presos, quando os guardas vestiram uniformes de sentenciados e adotaram suas atitudes físicas, as mãos nas costas, a cabeça baixa.
Logo depois veio a peça dos presos, falando de si mesmos. Um deles tinha seus dez filhos na platéia, encantados com as recém-reveladas habilidades artísticas do pai: em cena comovente, sua filha de sete anos subiu ao palco para abraçá-lo, e ele teve que abandonar a cena e o personagem para trazer a menina de volta à platéia, ao lado da mãe, cidadã livre.
À tarde, o momento culminante: as mulheres presas encenaram o momento no qual uma delas, Amanda, contando sua história verdadeira, era obrigada a se separar do seu bebê de seis meses, concebido na prisão - era o que mandava a lei! No Teatro do Oprimido, não só se mostra a realidade como ela é, mas também o mais importante: como pode vir a ser! Para isso, vivemos: para vir a ser! Confia-se na criatividade da platéia: espectadores entram em cena, substituindo o protagonista, e tentam encontrar soluções viáveis para problemas reais.
A platéia, emocionada às lágrimas, vendo a mãe beijar suas despedidas ao filho, tomou seu lugar diversas vezes, sugerindo a construção de creches anexas às prisões, administradas pelas prisioneiras; ou visitas diárias, depois da escola e antes da cama; ou ainda outras formas de não romper, tão prematuramente, o elo entre a mãe e sua prole: a condição de mulher e mãe, pensavam todos, era superior á condição de presa. Embora sendo a mesma pessoa, aquela não devia pagar pelos delitos desta.
Terminada a parte teatral do evento, as autoridades paulistas, representantes dos três poderes, unânimes em suas falas, proclamaram a necessidade de dar continuidade a esse projeto de Teatro do Oprimido nas prisões, com o objetivo de humanizar as relações daqueles que são obrigados ao diário convívio, apesar de suas diametrais diferenças.
Vieram as despedidas. Com carinho, abraçamos aqueles presos e presas, guardas e funcionários que, durante o dia, nos haviam feito sorrir e chorar, representando suas histórias, suas esperanças.
Tempo de adeus. No amplo auditório do Memorial, entraram em cena seis soldados armados, e cada preso deu seu braço ao seu guarda, e partiram todos para o bonde que deveria levá-los de volta às suas celas.
Ao partir, um dos guardas ainda teve tempo de dizer: - "Sabe de uma coisa? Sobre Direitos Humanos mesmo, eu não aprendi nada, e continuo sem saber o que é isso. Mas compreendi agora que esses caras não são nossos inimigos. São gente."
Foi embora conversando com o seu preso, que já não lhe parecia inimigo: parecia gente. Foi, sem se ter conscientizado de que, agora sim, tinha compreendido o que significa, profundamente, a expressão Direitos Humanos: o respeito ao próximo. O reconhecimento de que o outro também é um homem, uma mulher, um ser humano.
Como aquela triste mãe a quem a lei obrigava a se separar de sua cria; como aquele pai, insuspeitado ator, que emocionava sua menina.
Em nossos peitos, com orgulho – mas não sem tristeza! – luzia a medalha do Betinho.
*Augusto Boal é diretor de teatro e criador do Teatro do Oprimido.
A Rets não se responsabiliza pelos conceitos e opiniões emitidos nos artigos assinados. |
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