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Que Sociedade da Informação estamos criando?

Autor original: Graciela Baroni Selaimen

Seção original: Uma entrevista semanal sobre temas relevantes para o Terceiro Setor

Rets - Em novembro a Plataforma pelos Direitos à Comunicação lançou uma campanha para assegurar que questões ligadas aos Direitos Humanos, e especialmente aquelas referentes à mídia e à comunicação, sejam levadas em conta no evento das Nações Unidas – o WSIS. Como estão as relações entre a UIT e as ONGs? As ONGs estão participando do planejamento do WSIS?


Seán Ó Siochrú - Conforme mencionei, a Plataforma tentou forçar a UIT a instituir relações formais com as ONGs. Tivemos algum sucesso, mas foi pouco. Mas há – ironicamente – uma oportunidade surgindo, sobre a qual falarei em seguida. É importante que se compreenda que a UIT é a agência que está à frente do WSIS, mas é apenas uma entre muitas instituições organizadoras do evento. O WSIS é organizado por um grande número de agências da ONU, e algumas que não são do sistema das Nações Unidas, como a Organização Mundial do Comércio. A Secretaria do WSIS (abrigada pela UIT) é dividida em três partes: uma para o grupo (inter)governamental, uma para o setor privado e uma para a sociedade civil.


A Divisão da Sociedade Civil (DSC) está ativa e funcionando antes das outras duas, ou mesmo antes que um diretor tenha sido nomeado para o WSIS. Isso é bom, pois nos antecipa a chance de exercer alguma influência. A DSC é formada por uma equipe de pessoas com experiência em ONGs, que têm um histórico bastante confiável em atividades de base no âmbito da sociedade da informação, especialmente na África, bem como em organização de eventos para a ONU. Eu não tenho dúvidas de que eles trabalharão duro para maximizar a participação das ONGs e da sociedade civil neste processo. Penso que muitas das pessoas veteranas na UIT também estão a favor disso. A Unesco já afirmou explicitamente que apóia fortemente a participação da sociedade civil.


Se as ONGs realmente estão participando do planejamento? A Plataforma já conseguiu ter uma participação no seu Seminário de Genebra. A DSC também está muito empenhada em fazer ligações com outras ONGs. Mas ainda é cedo – de fato, é razoável dizer que todo o processo do WSIS está muito aquém do que deveria, em termos de planejamento. Nos próximos meses haverá um esforço concentrado para desenvolver uma agenda da sociedade civil para o WSIS, incluindo propostas para a participação na organização do evento, apoiada pela DSC. Alguns momentos importantes são o encontro no Fórum Social Mundial e o encontro em Dakar, no mês de abril (quando deverão estar presentes cerca de 250-300 ONGs). Nestes encontros espera-se que um esboço de uma agenda coerente para o WSIS seja aprovado por um grande numero de ONGs. Este esboço será levado para a primeira Prepcom do WSIS – que acontece em julho, em Genebra. Esta Prepcom é um evento crucial, em termos de definição da agenda e das regras do jogo – por exemplo, qual será a forma de participação das ONGs no processo preparatório e durante o WSIS. Para dar a você uma idéia: neste exato momento, os arquitetos responsáveis pela construção do espaço que será palco do WSIS estão se perguntando sobre o formato que a mesa deverá ter: redonda? Triangular? Retangular?


Voltando agora à UIT e as ONGs. Porque a UIT não tem relações com nenhum conjunto formal de ONGs, organizado pelo CONGO (associação de organizações que cooperam e assessoram as Nações Unidas), não há um caminho óbvio para a participação das ONGs. Porém muitos acreditam que isso é bom. O caminho formal pode ser burocrático, exclusivo e exaustivo. Assim, o ITU (sendo a agência que encabeça o WSIS) tem uma oportunidade de inovar nestas relações com as ONGs e de experimentar novas maneiras de envolvê-las neste processo. Para obter sucesso nisso, é necessário inteligência e também muito apoio das ONGs. Portanto é importante ficar de olho no desenvolvimento deste processo. Novamente, as decisões cruciais serão tomadas na primeira Prepcom, mas as idéias e posições serão desenhadas em Dakar e em outros espaços.


Rets - Em sua opinião, que temas específicos não podem ser deixados de lado na agenda do WSIS?


Seán Ó Siochrú - Ainda é cedo para definir isso, e eu só posso falar por mim mesmo. Mas considero vital que os temas não sejam limitados a Internet e infra-estrutura. Este é o modo como as empresas gostariam que fosse – afinal, elas já asseguraram nas últimas décadas que são as únicas instituições em condições de construir a infra-estrutura. O “Hiato Digital”, concebido desta forma, é perfeito para o mercado.


A Sociedade da Informação deve ser desnudada até seus princípios conceituais, e nós temos que conceber as questões de direitos a partir deles. Como e por que a informação desempenha um papel tão central na sociedade, na economia e na cultura? Criticamente, quem possui a informação (direitos de propriedade intelectual etc.)? Quem possui os meios para transportar e disseminar a informação (infra-estrutura de mídia e comunicações)? Quem tem a capacidade de usá-la melhor (as empresas, os países ricos, indivíduos de pele branca, do sexo masculino)? Estas são questões que vão definir que Sociedade da Informação estamos criando e para quem. Está muito claro que a mídia e a comunicação, de um modo geral, são decisivas. Por que as rádios locais recebem tão pouca atenção, quando podem ter um impacto tão grande? E quanto à televisão, a mais poderosa mídia de todas, conforme dizem? E quanto a um canal de serviço público permanentemente disponível, em nível global, ou uma programação obrigatoriamente mantida, no espectro do satélite ? O que se diz sobre regulamentar a publicidade em âmbito mundial? E sobre abrir mais informações para o domínio público, ao invés de garantir direitos de Propriedade Intelectual exclusivos para as corporações, por períodos indefinidos? Por que não ter compromissos sobre serviços universais em âmbito internacional e não apenas nacional? Que tal uma taxa sobre o uso do satélite pelas televisões para financiar o desenvolvimento de mídias públicas e voltadas para o desenvolvimento social?


Há milhões de possibilidades, mas quanta vontade política existe? Ou – o que é a mesma coisa – quanta consciência e mobilização há, por parte da sociedade civil?


Rets - Como a campanha está estruturada? Que ações já foram realizadas?


Seán Ó Siochrú - A iniciativa do C.R.I.S. está estruturada em quatro partes fundamentais: uma para captar recursos; uma para levar esta iniciativa para outros públicos; uma para desenvolver temas e questões e uma outra para promover a articulação e prover informações sobre o processo do WSIS. Até agora, elas estão se organizando. Nós temos a expectativa de ter uma presença significativa no Fórum Social Mundial, em Porto Alegre.


Também estamos selecionando alguns temas importantes para explorar mais profundamente, para encorajar a conscientização sobre o tema. Temos um website com conteúdos básicos (http://www.comunica.org/cris), mas estaremos desenvolvendo mais este espaço. Como sempre, conseguir recursos para começar o trabalho é a principal tarefa inicial.


Rets - A Campanha será divulgada durante o Fórum Social Mundial, em uma oficina organizada pela ALAI, pela APC e pela APRESS. O que você espera deste evento?


Seán Ó Siochrú - Nós estaremos usando esta oportunidade para tornar públicas nossa proposta e nossas questões e estimular a maior compreensão sobre o potencial do WSIS, possibilitando que mais pessoas se envolvam nesta iniciativa.


Graciela Selaimen


* Os documentos sobre a Plataforma para a Democratização da Informação e sobre a campanha do C.R.I.S. estão disponíveis para download, em inglês.


Communication as a human right in the information society:
Issues for the World Summit for the Information Society


Platform for Communication Rights


A Human Rights NGO Campaign on the World Summit on Information Society

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