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A mulher e o poder no século XXI

Autor original: Graciela Baroni Selaimen

Seção original: Artigos de opinião

Zuleika Alambert*


Em nossos dias, já poucos ignoram a participação política da mulher na vida de nosso país, da Colônia até os dias de hoje. Sobretudo nas três últimas décadas, essa participação se intensificou possibilitando às mulheres importantes conquistas que muito contribuíram para transformar sua condição de vida e, também a vida do país. Há 120 anos, elas alcançaram o direito à educação formal; há 66 anos, o direito de votar; há 12 anos, a igualdade, quase que plena, na Constituição brasileira. Hoje, constituem a maioria do eleitorado e do estudantado em todos os níveis e aos poucos ingressam naquelas áreas que, até recentemente, eram do domínio absoluto do homem (indústria de ponta, Forças Armadas, Corpo de Bombeiros, Judiciário, Polícia Civil etc.)


Evidentemente, trata-se de um fenômeno internacional. Em todos os países do mundo, as mulheres emergem como um fato marcante do nosso tempo.


Eis porque a IV Conferência Mundial sobre a Mulher, o Desenvolvimento e a Paz, organizada pela ONU em Pequim (China), em 1995, assinalou este avanço extraordinário das populações femininas em todo o mundo. E o pensador Fritjov Capra em seu livro “O ponto da mutação” destacou com grande propriedade que “a primeira transição e talvez a mais profunda que hoje ocorre no mundo deve-se ao lento, relutante mas inevitável declínio do patriarcado”. Ao que acrescentaríamos: e isso se deve, sem dúvida alguma, a ação, a luta, e a garra das mulheres.


E Capra concluiu: “o movimento feminista é uma das mais fortes correntes culturais do nosso tempo e terá um profundo efeito sobre nossa futura evolução”.


 Segundo Rosiska Darcy de Oliveira, em sua “Apresentação” do livro Pequim, a mulher marcou o século XX com grandes feitos que assim podem ser resumidos:



  • criou mundialmente um forte movimento de transformação;

  • saiu de sua invisibilidadede começou a falar com sua própria voz;

  • quebrou o paradigma milenar que separava o mundo das mulheres do mundo dos homens apoiado em inexplicável hierarquia.

A tais feitos, eu acrescentaria:



  • ela invadiu espaços até então exclusivamente reservados aos homens no mundo do trabalho, da cultura, da polícia;

  • introduziu verdadeira revolução no plano da legislação e no plano de sua organização criando órgãos governamentais e não-governamentais (ministérios, coordenadorias, departamentos, secretarias, conselhos e milhares de ONGs que surgiram no mundo inteiro);

  • estabeleceu entre as entidades feminino-feministas vínculos permanentes para troca de experiências e realizações de ações em nível mundial, regional, nacional, por meio das chamadas redes (de Saúde, do Trabalho, da Educação, do Combate à Violência etc.)

  • mostrou seus conhecimentos e práticas intervindo com grande força nas Conferências Internacionais da ONU, tratando de questões essenciais da humanidade.

Vejamos:


Viena: Conferência dos Direitos Humanos (1993) Ao discutir a universalidade dos Direitos Humanos afirmou que “os direitos das mulheres são direitos humanos”. Pela primeira vez, a comunidade internacional reconheceu que a humanidade é constituída por dois sexos diferentes e com direitos iguais. O reconhecimento da diferença sem hierarquia questionava o paradigma unipolar que aprisionava a diversidade humana no modelo masculino e condenava as mulheres à invisibilidade política e social.


Cairo: População e Desenvolvimento (1994)
O conceito de Direitos Reprodutivos surgiu como exigência de modernidade diante das políticas populacionais inspiradas no darwinismo social, e no obscurantismo religioso, que atribuiu como direito de todos o corpo da mulher. A palavra de ordem “o corpo nos pertence” se renovou na defesa dos direitos reprodutivos, direito ao prazer e ao pleno exercício da sexualidade feminina.


Copenhague: Cúpula do Desenvolvimento Social (1995)
Ao tratar do Desenvolvimento Social, as mulheres descobriram que a pobreza tem cara de mulher, o que significa maior exclusão do sexo feminino, o que é totalmente incompatível com o pleno exercício da democracia.


Todos esses fatos são altamente importante e devem ser exaltados. Mas eles não puderam impedir que a Conferência de Pequim assinalasse em sua Declaração Final o seguinte:


“Reconhecemos que a situação da mulher progrediu e mesmo sofreu transformações de vulto nas últimas décadas, mas esse progresso tem sido irregular: as desigualdades entre homens e mulheres continuam, e ainda permanecem grandes obstáculos, cujas implicações têm sérias conseqüências sobre o bem-estar de todos”.


E a Plataforma de Ação, aprovada no final dos trabalhos, assinalou as 12 áreas de preocupação que precisam ser enfrentadas para que a mulher. Livre desses obstáculos, possa caminhar mais rápido rumo à igualdade e à sua redenção como ser humano.


Com esses obstáculos existindo, a mulher sempre estará, por mais que lute, em situação de inferioridade e ameaçada de perder os direitos duramente conquistados.


O maior obstáculo


Sem dúvida alguma. Todas as áreas de preocupação são muito importantes e deverão ser resolvidas. Mas, há uma que poderíamos chamar de área chave. Trata-se de desigualdade no poder e na tomada de decisões por parte da mulher em todo o mundo. E isso se refere tanto ao poder econômico como ao poder político.


Portanto, para que a mulher possa consolidar suas conquistas, alcançar novas, para que ela não possa retroceder no caminho já percorrido, ela precisa:


1. Conquistar posições dentro da vida econômica do país e do mundo, tornando-se um agente econômico de importância.


Existe considerável diferença entre o grau de acesso da mulher e dos homens às estruturas econômicas da sociedade e, também, diante das respectivas oportunidades de exercer poder nas mesmas. Na parte do mundo e de nosso país, é quase que nula a presença das mulheres nos níveis de decisão ou ali estão escassamente representadas, incluindo-se os pontos de formação de políticas financeiras, monetárias, comerciais e outras políticas econômicas assim como nos sistemas tributários e nos regimes salariais. Insere-se ainda neste ponto a possibilidade ou não da mulher ter acesso aos recursos econômicos como é o caso da terra, das máquinas, das fábricas, dos créditos, empréstimos etc. e participação, junto com o homem, do planejamento da produção, da produção propriamente dita e na distribuição dos produtos. A mulher, repito, precisa se tornar um agente econômico de importância, o que ela ainda não é.


Sabemos do aumento significativo da mulher no mercado de trabalho forma e informal. E não apenas na indústria, no comércio, mas igualmente, nas regiões de produção agrícola e pesqueira. Elas ingressam também nas micro, pequenas e médias empresas. E esse é um fato bastante positivo. Mas, devido a uma situação econômica difícil e a falta de poder nas negociações provenientes das desigualdades de gênero, muitas mulheres aceitam salários baixos e condições de trabalho inferiores.


Ao lado disso, elas continuam exercendo a dupla jornada de trabalho, e sendo preparadas para exercer profissões de menor prestígio e de pouco valor monetário.


2. A mulher precisa conquistar postos no poder político e de adoção de decisões.


Na prática, ela continua marginalizada do poder político e dos postos de decisão, tanto em nível do aparelho de Estado quanto em nível das organizações não-governamentais. Isso, apesar da Declaração dos Direitos Humanos estabelecer que “toda a pessoa tem o direito de participar no governo de seu país”.


As relações de poder, que impedem as mulheres de realizarem plenamente suas vidas, operam em todos os níveis da sociedade desde os mais privados aos públicos.


E é claro, a participação igualitária da mulher no poder político e na tomada de decisões constitui não apenas uma exigência básica da justiça e da democracia, mas, também, significa uma condição necessária para que seus interesses sejam considerados. Sem a participação ativa da mulher no poder político, a incorporação de seu ponto de vista em todos os níveis do processo de tomada de decisões, não se poderá conseguir os objetivos de igualdade, desenvolvimento e paz.


Afinal, por melhor que sejam os homens, eles não têm as experiências da mulher e tampouco sua vivência e modos de enfocar o mundo.


No século XXI, que agora se inicia, a mulher precisa reverter esse quadro. Estamos convictas que somente o empoderamento da mulher na vida política e econômica no mundo e em nosso país fará com que ela possa influir em duas áreas essencias da vida contemporânea:



  • na mudança de mentalidade, atitudes e comportamentos da sociedade sem o que estarão sempre perseguidas pelas forças mais retrógradas a exemplo dos católicos da direita, fundamentalistas, políticos misógenos, conservadores etc. que não se conformam em partilhar com a mulher o poder que sempre detiveram em suas mãos;

  • na criação de um forte lobby para obrigar os governos, em todos os níveis, a revisarem suas macropolíticas em todas as áreas sobre a ótica da igualdade de gêneros.

Essa é a única maneira de fecharmos o abismo que ainda hoje existe entre as belas palavras e ações encomendadas pelos órgãos internacionais e a situação concreta de vida das mulheres.


A igualdade da mulher com o homem no poder econômico e político é a bandeira mais importante que as mulheres, em todo o mundo e em nosso país, deverão erguer, com garra, neste início do século.


*Zuleika Alambert é conselheira do Conselho Estadual da Condição Feminina de São Paulo, é escritora e trabalha pela causa feminista desde a década de 40.

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