Autor original: Fausto Rêgo
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Fundada há pouco mais de um ano, a organização não-governamental Comunidades Catalisadoras (ComCat) tem como objetivo oferecer um espaço na internet para facilitar a troca de experiências e soluções para projetos inovadores, entre comunidades de baixa renda em todo o mundo. A idéia é que, através de um banco de dados, um morador de uma comunidade de qualquer lugar do mundo, tendo acesso à internet, possa conhecer o trabalho de líderes e moradores de outras comunidades - experiências de sucesso, que aprimoraram a qualidade de vida local. Em entrevista à Rets, a fundadora do ComCat, Theresa Williamson, fala sobre a sua motivação no projeto e os serviços oferecidos pelo site. Theresa acredita que as lideranças das comunidades já estão se conscientizando sobre a importância do uso da internet. Em poucos meses de funcionamento, o site já teve o acesso de pessoas de 40 países.
Rets – O que é o projeto Comunidades Catalisadoras? Como surgiu esta iniciativa?
Theresa Williamson – Comunidades Catalisadoras (ComCat) foi fundada expressamente para montar um espaço na internet (www.comcat.org) visando a facilitar uma troca de experiências efetivas nas comunidades de baixa renda em todo o mundo. Estamos criando um banco de dados em que um morador de uma comunidade em qualquer lugar, tendo acesso à internet, poderá digitar a palavra-chave do seu problema (como "poluição", "crime", "desemprego" ou "Aids") e aprender o que dezenas de outros líderes e moradores de comunidades fizeram para efetivamente responder àquele problema. Daí eles podem colocar perguntas um para o outro em um “diálogo virtual” voltado para a solução de problemas, e também trocar e-mails entre si, com nosso apoio em tradução. O portal já existe em português, inglês e espanhol.
A iniciativa surgiu depois que eu observei a falta de interlocução entre comunidades no Rio de Janeiro. Originalmente do Rio de Janeiro, meus pais tinham se mudado para os Estados Unidos quando eu tinha 6 anos. Desde uns 14 anos sabia que queria voltar e tive a primeira oportunidade depois de terminar a fase de dois anos de curso de doutorado, em maio de 2000. Cheguei no Rio para me aprofundar no mundo das comunidades, das ONGs e da prefeitura carioca. Queria escrever uma tese sobre a eficácia de uma prefeitura utilizar parcerias com ONGs para prestar serviços sociais. Mas logo me envolvi com os gestores comunitários, um grupo de lideranças capacitado pelos Médicos Sem Fronteiras, e, depois, o Centro Integrado de Estudos e Programas de Desenvolvimento Sustentável. Vi como essas lideranças, agora o Congesco (Conselho de Gestores Comunitários do Rio de Janeiro), estavam lutando, sem qualquer cooperação financeira, para melhorar a qualidade de vida em suas comunidades. Também visitei outras comunidades em toda parte e vi pequenos projetos sendo elaborados em todas elas. Mas havia pouquíssima troca entre essas comunidades. Um líder reclamou comigo que os jovens em sua comunidade estavam passando muito tempo ocioso na rua e que se preocupava que, sem quaisquer atividades depois da escola, iam se dirigir para o tráfico, coisa que ainda não acontecia na sua comunidade. Este mesmo líder, de uma comunidade na Zona Oeste, já tinha desenvolvido um sistema de esgoto comunitário. Enquanto isso, gestores na Zona Norte reclamavam comigo dos problemas que estavam tendo com esgoto vazado, enquanto estavam desenvolvendo salas de arte e outras atividades com jovens em situação de risco.
Eu já estava me preparando para fundar uma ONG – tinha feito cursos de gerenciamento de ONGs no doutorado e também estava há vários anos desenvolvendo a idéia de criar um sistema de troca de soluções na internet para projetos inovadores municipais. Essa idéia evoluiu nos meses de junho e agosto de 2000 e voltei para os Estados Unidos com uma nova visão: ajudar comunidades de baixa renda a melhorarem suas condições de vida, particularmente em lugares onde governos são ineficazes, apáticos ou simplesmente incapazes de resolver todos os problemas urbanos, pelo desenvolvimento de um espaço para haver uma troca de experiências entre as comunidades.
Rets – Por que você optou por "arregaçar as mangas" e desenvolver um projeto social, ao invés de elaborar uma dissertação de doutorado?
Theresa Williamson – Com dez anos, já me preocupava com pobreza. Desde adolescente, trabalhei com ecologia, lixo... Depois da faculdade, fui trabalhar em Curitiba, porque tinha lido sobre essa cidade e me fascinava seu desenvolvimento de soluções para problemas urbanos. Resolvi ser planejadora urbana porque é uma disciplina para qual a busca de soluções é o objetivo central. Também desde adolescente fiz trabalho voluntário. Alias, a própria ComCat funciona dessa forma, pois ainda não obtivemos financiamento. Então não foi uma mudança no meu comportamento que me levou a fundar uma ONG durante o processo de doutorado. Não montei uma ONG ao invés de preparar a dissertação. Não acredito que essas duas atividades sejam mutuamente exclusivas. Trabalho acadêmico precisa ter uma repercussão prática, e se as soluções práticas não buscam apoio na pesquisa, elas não são replicadas. Precisam da verificação propiciada pela pesquisa. Felizmente, meus quatro orientadores de doutorado na área de Planejamento Urbano e Regional (pela Universidade da Pensilvânia) acharam ótima a idéia da ONG. Me deram todo o apoio para começar a construir a ComCat. E contei também com um número de ex-chefes e outros, do mundo de ONGs nos Estados Unidos, que, conhecendo o que “dá certo” e o que “não dá”, disseram que eu deveria prosseguir.
Assim incentivada, eu voltei para o Brasil com uma fórmula para ação. Seis meses depois, quando voltei a Filadélfia para elaborar a proposta de tese oficialmente junto aos professores, foram eles que sugeriram que eu escrevesse a tese sobre a evolução da ComCat. Então não estou exatamente desenvolvendo um projeto social ao invés de elaborar uma tese de doutorado. Estou na posição privilegiada de poder trabalhar nos dois simultaneamente, o que tem me dado muita oportunidade para refletir sobre a ONG. Além de outros temas, a tese examinará quais são as características das “ponto-orgs” (entidades da sociedade civil que existem somente por causa de oportunidades criadas pela internet) que as diferenciam de outras ONGs.
Rets – Como funciona o Banco de Soluções Inovadoras?
Theresa Willamson – O Banco de Soluções Inovadoras (BSI) é o principal recurso oferecido através do portal. Uma liderança comunitária (e por isso não entendo somente presidentes de associações, mas quaisquer indivíduos trabalhando para o melhoramento de suas comunidades) que tem desenvolvido um projeto local entra no portal e documenta seu projeto inovador. Cada projeto é explicado em grande detalhe – anexos com fotos, folhetos e outros materiais. Para ser incluído, o projeto tem que tratar de uma experiência que pode realisticamente ser montada por membros de uma comunidade de baixa renda. Se ele ou ela não tiver acesso à internet, pode pedir que alguém da ComCat visite a comunidade e o documente, ou então pode mandar o questionário pelo correio. O projeto é traduzido para o inglês e o espanhol por nossos voluntários. Qualquer outra pessoa chegando no portal pode fazer uma busca (que por enquanto é organizada de uma forma parecida com a do Yahoo!) através do seu problema local. Quando aparece um novo problema na comunidade (Aids, por exemplo), ao invés de “reinventar a roda”, uma liderança pode chegar no portal, entrar no tema “Saúde” e depois “HIV/Aids” e aprender com as experiências de (futuramente) dezenas de outras comunidades. E isso não só no Rio de Janeiro, mas, pela própria natureza da internet, pelo mundo todo. Já tivemos pessoas acessando o site de 40 países e temos voluntários de 6 países em quatro continentes.
Para tirar quaisquer dúvidas, o interessado pode entrar em contato diretamente com o projeto listado por e-mail ou colocar perguntas num novo sistema de “diálogos virtuais” propiciado pela RITS. Também oferecemos um espaço para fóruns de lideranças locais utilizarem como seu portal em que, com um clique do mouse, líderes de um fórum podem ficar sabendo o que os outros fóruns estão fazendo (o Congesco utiliza este espaço como seu portal). E estamos desenvolvendo uma página de recursos para a autocapacitação de gestores, para que eles possam se capacitar nos casos em que não têm acesso a cursos gratuitos.
Uma nota: até agora a ComCat tem conseguido progredir bastante somente com o esforço de voluntários. Está nos faltando um passo importante, a ser resolvido durante as próximas semanas, que é a automatização do BSI. Isso quer dizer que uma liderança comunitária preenchendo o questionário (que será muito mais “amigável”) estará com seu projeto documentado no portal em poucas horas. No momento, esse trabalho está sendo feito à mão e é por isso que só temos os oito casos-exemplos no portal.
Rets – A ComCat nasceu nos Estados Unidos, mas começou suas atividades com iniciativas focadas em comunidades do Rio de Janeiro. Por que o Rio foi a cidade escolhida?
Theresa Williamson – Como eu comentei, vim ao Rio para começar a pesquisa de doutorado e encontrei um mundo de inovação comunitária, mas, ao mesmo tempo, uma falta de troca entre essas comunidades (estavam tão envolvidas no processo de melhorar suas comunidades do dia-a-dia que nem pensavam em divulgar o projeto para a próxima comunidade, muito menos o mundo). Mas não foi só por isso. Senti uma certa urgência em montar o projeto agora, porque havia certas pré-condições ideais no Rio. Por isso, se o projeto funcionasse no Rio, poderia ser útil para muitas comunidades em muitas cidades.
No Rio, já havia investimento pelo CDI, Viva Rio, e Secretaria Municipal de Trabalho em acesso a computadores (muitas vezes com internet) em comunidades (70 comunidades já contavam com algum tipo de acesso público). Havia uma oportunidade para troca enorme, já que existem 600 favelas no Rio, todas tendo experiências diferentes de desenvolvimento. O Rio oferecia uma diversidade étnica e histórica entre seus moradores que poderia servir como um bom ponto de partida para saber qual a recepção à idéia da ComCat. Já havia um investimento grande em capacitação feito por um honesto e dedicado grupo de gestores comunitários, com o qual eu já estava familiarizada. E, finalmente, o tamanho do Rio permite que os moradores possam aprender muito com outros moradores da sua cidade.
Rets – Como você obteve acesso às comunidades? Como foi recebida a sua proposta? A ComCat tem recebido apoio de outras organizações para chegar às lideranças locais e promover o diálogo entre elas?
Theresa Willamson – Em geral, obtenho acesso a comunidades após convites em reuniões de fóruns de lideranças. Participo das reuniões abertas do Congesco, que opera em umas 15 comunidades. Tenho participado de reuniões do Fórum DST/Aids e também do Fórum da Agenda 21 de várias regiões da cidade. E agora, com a automatização do BSI que vem em seguida, estarei participando de reuniões de outros fóruns representando diversas comunidades – inclusive de associações de mulheres e da Federação de Favelas (ao convite de um presidente) – para convidá-los a utilizar o portal.
Quando participo dessas reuniões, fico sabendo quais lideranças estão desenvolvendo projetos de interesse social e depois converso com elas. Às vezes me convidam para fazer uma apresentação da ComCat. Às vezes me convidam para visitar sua comunidade. Em geral, se interessam muito pela possibilidade de ter seus projetos divulgados no portal, particularmente em inglês, que talvez futuramente trará uma atenção que no Brasil sentem que não atraem.
Também participo de seminários sobre pobreza, desigualdade e outros temas ligados à vida na favela. Nesses seminários sempre aparecem umas pessoas desenvolvendo projetos interessantes, que fazem perguntas ao final. Faço questão de me apresentar e ver se posso ajudar a divulgar os projetos delas através do portal.
Rets – Como você avalia o uso da internet pelas comunidades, nesta proposta de troca de experiências? As lideranças comunitárias já percebem a internet como uma fonte de soluções alternativas e recursos para o fortalecimento de suas iniciativas?
Theresa Willamson – Essa é a pergunta chave. Claramente não estou ainda em uma posição em que possa dizer com certeza como o portal está afetando as comunidades (o BSI só está em pleno andamento há poucos meses). E acho que, em geral, moradores típicos, quando conseguem acesso à internet, não estão pensando em primeiramente usá-la para obter soluções para problemas locais. Mas acho, sim, que a lógica de usar a internet para fortalecimento de seu potencial para melhorar sua comunidade já está na cabeça das lideranças. Esse grupo de moradores procura a internet, muitas vezes, depois de reuniões com a prefeitura, ou para ter acesso a e-mail que os mantenha informados acerca de mais eventos, por exemplo. A reação desse grupo ao portal tem sido bem positiva. Durante reuniões equivalentes a grupos de foco para falar do portal, tenho observado as seguintes reações ao portal: (1) lideranças comunitárias entraram em uma conversa espontânea com respeito a como montar projetos parecidos com os que encontraram no BSI (apesar de o BSI ter sido recém-montado); (2) moradores de comunidades com as quais ComCat não tinha falado já tinham ouvido acerca do nosso trabalho através de gestores comunitários; (3) lideranças de uma comunidade que ficaram sabendo como uma outra comunidade usou o portal pediram à ComCat para visitar a sua comunidade para documentar sua inovação local; e (4) grupos comunitários estão usando como referência o portal da ComCat em suas publicações comunitárias (jornais de bairro, folhetos).
Rets – Que casos de sucesso você destacaria como exemplo, na utilização das tecnologias propostas pelo projeto?
Theresa Willamson – Simplesmente a diversidade de projetos que já temos dá uma idéia do que pode ser passado pela proposta da ComCat. Dos oito casos que documentamos depois de instalar o novo desenho do portal em outubro temos cinco no Rio de Janeiro e três em outros países. Os projetos incluem um projeto de teatro do oprimido no Sudão (www.comcat.org/portugues/kwoto.htm), um sistema de dinheiro comunitário em Filadélfia (www.comcat.org/portugues/equaldollars.htm), uma equipe de talentos comunitários oferecendo seu tempo a jovens depois da escola no Rio de Janeiro (www.comcat.org/portugues/psea.htm) e um sistema de esgoto comunitário também carioca (www.comcat.org/portugues/asabranca.htm). Neste último caso, a tecnologia levou o prefeito de uma cidade no Pará a entrar em contato diretamente com o presidente de associação responsável pelo projeto, pedindo mais informações.
Rets – Existe a perspectiva de ampliar o foco de atuação da ComCat para outras cidades? Em caso positivo, quais seriam elas?
Theresa Willamson – Como a ComCat é uma operação basicamente virtual e soluções podem, às vezes, servir para uma comunidade distante tanto como uma perto, ela já convida e aceita casos no seu portal do mundo todo. Isso dito, seus voluntários existem em espaço físico e por isso esses lugares – como o Rio de Janeiro – são favorecidos pelo portal. Por isso, e pelos motivos listados antes, durante esta entrevista, o Rio de Janeiro surgiu como o foco inicial do projeto. Mas pretendemos, sim, manter um contato constante com entidades da sociedade civil em diversos lugares. É dificil saber exatamente quais serão os principais, porque isso depende de quem nos busca. Mas é provável que teremos parcerias na África e na Índia, já que existem países que por lá falam português e inglês. E também porque existe um certo investimento em acesso à internet na Índia e, em breve, Moçambique.
Rets – Em seus Conselhos (há um Conselho formal e um informal), a Comunidades Catalisadoras conta com sete representantes brasileiros e nove norte-americanos. Qual é a percepção que os norte-americanos têm dos projetos sociais desenvolvidos nas favelas do Rio de Janeiro e como se dá a articulação entre as propostas desses conselheiros, cujas realidades são tão diferentes?
Theresa Willamson – Na verdade são dez brasileiros, uma holandesa e seis norte-americanos, pois os nomes e locais de residência não indicam bem as nacionalidades dos conselheiros. Em geral os conselheiros norte-americanos escolhidos são envolvidos com trabalho comunitário de bairros pobres, ou lá ou em outros lugares no mundo, e têm muito que compartilhar por esse lado e também dadas as suas experiências na construção e no gerenciamento de entidades da sociedade civil. Eles vêem os exemplos que levo do Brasil maravilhados. Isso porque, em países como os Estados Unidos e a Holanda, onde há historicamente um governo mais preocupado em prestar serviços sociais, as comunidades não foram forçadas, através da necessidade, a serem tão criativas como elas são no Brasil. “A necessidade é mãe da invenção.” As comunidades no Brasil têm muito a compartilhar com o mundo em termos de inovação, porque elas sofreram uma história em que não tiveram acesso à cidadania nem a recursos públicos e tiveram que se virar.
Rets – Theresa, gostaria que você falasse um pouco sobre a ida ao Fórum Social Mundial e sobre o grupo que estará recebendo.
Theresa Willamson – Estou participando pela segunda vez do Fórum Social Mundial, em Porto Alegre. Estarei recebendo e dando apoio a um grupo de 25 fundações norte-americanas interessadas em aprender sobre e financiar projetos oferecendo alternativas à globalização. O grupo, chamado de Rede de Financiadores sobre Comércio e Globalização (www.fntg.org) vai passar uma semana aprendendo sobre projetos e propostas brasileiras e de outros países, propondo uma alternativa sustentável à globalização de hoje. Além de prestar apoio ao grupo, estarei organizando uma oficina no sábado, no Fórum. O tema é “Soluções e o Fortalecimento de Comunidades de Baixa Renda: Utilizando Redes como Alternativa ao Desenvolvimento de Cima para Baixo”. Para mais informações, visite www.comcat.org ou escreva para theresa@comcat.org.
Entrevista a Graciela Selaimen
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