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Direito para o bem

Autor original: Fausto Rêgo

Seção original: Novidades do Terceiro Setor

O Ano Internacional do Voluntariado passou e, nos seus últimos dias, deixou uma semente que deve gerar bons frutos na área jurídica. No dia 11 de dezembro de 2001, foi criado o Instituto Pro Bono de advocacia (IPB). O órgão é uma iniciativa de advogados de São Paulo conscientes de que a advocacia é fundamental para a construção da cidadania, uma vez que desempenha importante papel no acesso à Justiça. A idéia é formar uma rede de advogados gabaritados que se disponham a prestar assessoria jurídica gratuita a organizações não-governamentais.


A prática do direito solidário é antiga. “O Pro Bono faz parte da tradição brasileira de advocacia, principalmente em épocas de ditaduras militares. Desde o início do século 20, presos políticos são defendidos gratuitamente por ótimos advogados interessados em suas causas. A sociedade sempre fez isso, mas de forma menos organizada”, diz o professor da PUC-SP Oscar Vilhena, um dos fundadores do Instituto.



A idéia de criar o Instituto surgiu em 2000. Após pesquisa realizada no final de 1999, na Febem de São Paulo (Fundação Estadual para o Bem Estar do Menor), que mostrava grandes falhas na defesa dos jovens, um grupo de advogados – entre eles o hoje presidente do Instituto, Miguel Reale Jr. – decidiu realizar um programa de assistência jurídica para os internos. Foram contratados 60 estagiários, que trabalhavam com dois advogados, coordenados por mais dois juristas. A iniciativa durou apenas oito meses, devido à falta de verbas para o pagamento dos estudantes, mas a experiência foi bem-sucedida. Surgiu então o desejo de montar uma instituição permanente para assistir organizações e pessoas necessitadas. Foram consultados 42 advogados de prestígio dos maiores escritórios do país. Apenas um não quis participar da fundação do Instituto. Todos eles doam algum tipo de trabalho – a maioria se dispondo a advogar.



Para melhor organizar essa rede, criou-se um banco de horas para os associados. Dessa forma, cada um deve definir quanto tempo doará para a organização escolhida e por qual período. Outra atividade é a elaboração de pareceres voltados para a defesa do interesse público e de direitos fundamentais. Esses documentos geralmente são caros e muitas instituições não têm como arcar com os custos. Além disso, programas educacionais e de cidadania em escolas, associações de bairro e entidades estão sendo organizados.



O direito solidário também é chamado de "pro bono" – que significa "para o bem". Mas ele ainda não é regularizado. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) não estabeleceu regras claras para a advocacia pro bono até hoje, por causa das discussões existentes em torno do tema. O Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (CESA), que apresentou proposta à Ordem, define o pro bono como uma “prestação de serviços de natureza jurídica exercida gratuitamente ou a honorários reduzidos, em função da relevância social ou política do caso concreto”. A definição é necessária devido ao medo da categoria de que a prática da advocacia voluntária se desvirtue e se torne uma forma de concorrência desleal ou de pura propaganda para atrair novos clientes.



Mas já há medidas para conter esse tipo de procedimento. O código de ética da OAB permite cobrança abaixo do preço mínimo da tabela de honorários por motivo justificável e projetos sugerem vetar a cobrança para a mesma pessoa ou entidade por 12 meses após o término da prestação de serviço voluntário.



O Insituto Pro Bono, atento a esse problema, instituiu uma quarentena de dois anos a seus associados, para evitar mal-entendidos, assim como também elaborou um código de ética interno que será discutido com a OAB no começo de fevereiro. A intenção é estender esse código a todos os profissionais de Direito. Entre as regras estão a proibição de um advogado defender qualquer pessoa ligada à entidade para a qual está prestando serviço e o estabelecimento de um limite para a doação de tempo. “Nosso objetivo com essas regras é não permitir um trabalho ad infinitum e de dependência”, diz o secretário-executivo Daniel Strauss. A prestação de serviços para fundações empresariais também não é permitida.



“A passagem para a autopromoção é uma linha difícil de conter, por isso vimos a necessidade de elaborar regras, até mais rígidas do que as da OAB, para que não surjam problemas. Como em qualquer profissão, há bons e maus profissionais, com boas e más intenções. Nesta medida, o processo de seleção dos profissionais do instituto também é rígido. Mas temos certeza de que nenhum dos participantes do instituto tem necessidade de se promover, pois todos já provaram seu talento”, diz Oscar Vilhena.



A receptividade do trabalho do IPB tem sido ótima, com boa procura de bancas querendo se associar e organizações procurando informações sobre como utilizar os serviços. Os escritórios ou advogados interessados em fazer parte do Pro Bono entram em contato com o Instituto pelo site ou por telefone e devem indicar suas áreas de interesse. O processo de análise é feito pessoalmente pelos secretários executivos Marcos Fuchs e Daniel Strauss, que depois submetem ao Conselho Deliberativo a aprovação do candidato. O Conselho também é responsável pela indicação de profissionais às organizações, de acordo com as especialidades apresentadas.



Por outro lado, há resistências por parte de grupos de advogados que temem perder benefícios e clientes por causa do trabalho voluntário do Pro Bono. “Por isso temos sido muito cautelosos com a escolha de nossas causas e com nosso trabalho, pois nossa intenção não é entrar em conflito com ninguém”, diz Strauss. O objetivo é viabilizar para os movimentos sociais o melhor da advocacia brasileira.



A Lei das OSCIPs autoriza a criação de ONGs prestadoras de serviços, desde que sejam suplementares ao serviço público. Para não criar conflito com defensores públicos, o Instituto atende apenas organizações não-governamentais. Pessoas físicas só são defendidas quando o caso é considerado emblemático.



Várias categorias profissionais realizam trabalhos solidários, mas os advogados – até agora – pouco o faziam de forma organizada. O Instituto Pro Bono pretende ampliar essa prática, mas tudo tem sido feito com muito cuidado, pois as regras ainda não estão claras.


Marcelo Medeiros

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