Autor original: Fausto Rêgo
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Nas últimas semanas, a novela do abuso sexual contra a criança e a mulher no Brasil teve mais um capítulo. Depois de denúncias de pedofilia e assédio feitas por uma revista semanal contra religiosos, os olhares e a atenção da mídia se voltaram para Santana da Acaraú, interior do Ceará, onde o frei Luís Sebastião Thomaz era acusado por mais de 20 meninas de molestá-las em troca de presentes e dinheiro. As denúncias, naturalmente, causaram revolta dentro das instituições de defesa da mulher do Ceará. No entanto, além do próprio fato, a cobertura do assunto feita pela imprensa local também gerou protestos por parte do Fórum Cearense de Mulheres, da Comissão de Mulheres da CUT e da NAVE – Núcleo de Ação e Valorização da Espécie Humana, entre outros, que consideraram exagerada uma entrevista realizada com uma das meninas assediadas. Por conta disso, foi promovida na sexta-feira, dia 25 de janeiro, uma manifestação em frente ao jornal O Povo (veículo que publicou a citada entrevista), para protestar contra os atos do Frei Luís e contra a exposição que as meninas sofreram.
De Porto Alegre, onde está ministrando uma oficina sobre Violência de Gênero, dentro do Fórum Social Mundial, Nilze Costa e Silva – presidenta da NAVE e da coordenação do Fórum Cearense de Mulheres –, falou à Rets sobre formas de prevenção de abusos contra adolescentes e sobre a manifestação do dia 25.
Rets – Qual era a intenção do Fórum Cearense de Mulheres com a Manifestação do dia 25? Qual foi seu impacto na cobertura que a imprensa local estava fazendo do caso?
Nilze da Costa e Silva – A intenção principal era prestar solidariedade às meninas de Santana do Acaraú, que, insolitamente, foram transformadas de vitimas em rés. A cidade é muito pobre e as famílias recebiam cestas básicas do padre. Essa miséria faz com que isso se torne a coisa mais natural do mundo. O impacto do nosso protesto foi visível, embora o jornal tenha noticiado em manchete que nosso protesto era contra a imprensa. Mas a ombudsman do jornal ficou a nosso favor e achou a entrevista chula e depreciativa para as jovens. Outro impacto importante foi o fato ter ficado na mídia por quase uma semana, o que faz com que o padre esteja na mira do julgamento das pessoas, pois a justiça é falha quando se trata de crimes de pessoas importantes.
Rets – Reportagens como a feita pelo repórter de O Povo não são necessárias para que os culpados sejam devidamente acusados? Ainda, tais detalhes não são necessários para alertar outras mães e prevenir que esse tipo de situação se repita?
Nilze – Sabe, eu acho que a divulgação de fatos como esses pela imprensa é necessária, sim, para evitar a impunidade. Mas faltou ao repórter a percepção de que aquelas meninas estavam envergonhadas e sitiadas em sua comunidade e mais ainda com a repetição das perguntas: "Ele pegou nos seus seios? Mas você não disse que ele pegou nos seus seios? Você viu o padre nu?". A certa altura, o próprio repórter diz que ela apenas fez que sim com a cabeça. Ele poderia ter contextualizado dentro da matéria que teria ouvido das meninas a confirmação de que elas foram molestadas pelo padre.
Rets – Existe algum posicionamento concreto da Ordem dos Frades Menores (congregação à qual o Frei Luiz pertence) quanto às denúncias?
Nilze – Não. A igreja silencia. Nem ao menos dá proteção e apoio às meninas.
Rets – Outra denúncia – feita em matéria de capa da revista Época – também envolvia pedofilia por parte de um integrante da Ordem dos Frades Menores. O Fórum Cearense de Mulheres e a NAVE pretendem confrontar a Ordem para que seja tomada alguma providência mais concreta?
Nilze – Acho que nem vale a pena esse embate com a Igreja. Pretendemos exigir das autoridades (prefeitura e Estado) que volte sua atenção aos jovens dessas cidades, implementando políticas públicas que lhes permitam viver com dignidade. Aproveitando o ensejo, quando eu voltar do FSM para o Ceará, vou discutir com o pessoal da NAVE um projeto a ser apresentado ao Unicef de apoio a essas meninas. Ainda não sabemos como vai ser, mas algo relacionado com auto-estima, geração de renda para as maiores de 16 anos, bolsa-arte, desenvolvimento de suas potencialidades etc.
Rets – O que pode ser ou está sendo feito para evitar que os pais e crianças vítimas de abusos como os de Santana percam o medo e façam denúncias?
Nilze – No dia 30, algumas entidades que participaram do movimento foram a Santana do Acaraú (eu não pude, pois já tinha viajado) levando uma nota à população, explicando o que significa abuso sexual, que é crime, mas quem deve ser punido são os que aliciam as menores. Que as meninas foram corajosas por terem denunciado e merecem nosso respeito e solidariedade.
Rets – Você gostaria de completar com mais algum comentário sobre o caso?
Nilze – Acho que esse caso das meninas teve um lado de aprendizado para nós. Temos que fazer alguma coisa e não só ficar reclamando. O papel do terceiro setor não é substituir o papel do Estado, mas temos que fazer a nossa parte. Esperamos que outras entidades que não se pronunciaram, como as de defesa da criança e adolescente – CEDECA [Centro de Defesa da Criança e do Adolescente], por exemplo – passem a olhar melhor para esses jovens excluídos da cidadania.
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