Autor original: Maria Eduarda Mattar
Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor
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Em 1995, durante o Festival de Inverno de Garanhuns – cidade pernambucana do interior – o grupo de boi-bumbá Boi da Macuca entrou no hospital municipal. A reação dos pacientes foi tal, que o médico sanitarista Otávio Valença percebeu imediatamente que ali havia uma centelha e que, com um projeto simples, aquela faísca poderia se tornar uma chama firme. “Percebemos que aquela energia não podia ser desperdiçada”, explica Otávio. Assim nascia o Pegapacapá, com uma história tão simples e objetiva quanto suas pretensões: a idéia era – e ainda é – usar elementos da cultura popular e característica do agreste de Pernambuco para educar sexualmente os homens da região, adequando a linguagem ao perfil do grupo. Assim, em 1997, o Pegapacapá recebeu uma bolsa de formação de lideranças da Fundação MacArthur e começou a atuar mais fortemente, tendo como parceira a Faculdade de Ciências Médicas de Pernambuco, onde o projeto encontra um pouso físico fixo para elaborar as avaliações e pesquisas necessárias.
Hoje em dia o principal parceiro é a Fundação Ford e a entidade prossegue na sua missão de falar de sexo com os “cabras” da terra do maracatu. E como falar em saúde sexual é falar primeiro em doenças sexualmente transmissíveis, com ênfase na Aids, o projeto não foge à regra. Principalmente tendo em vista a tendência de propagação da doença, que deixou de ser majoritária em homossexuais, solteiros, moradores de grandes centros urbanos e passa cada vez mais a atingir heterossexuais, casados, das cidades do interior. Dados do Ministério da Saúde indicam que o número de novos casos de Aids entre 1990 e 2001 foi de 57.685 em heterossexuais, ultrapassando os 31.291 novos registros da doença em homossexuais. Por isso, o Pegapacapá trabalha majoritariamente educando os homens heterossexuais, “pois eles têm sido o principal fator de infecção no país todo e especialmente naquela região. É através deles que a maioria das mulheres é infectada”, explica Valença.
De acordo com Otávio, o pilar da atuação do projeto é o diálogo: “A delicadeza do diálogo é imprescindível na nossa atuação”. É com ele que se faz a conscientização das pessoas, que se avaliam os resultados e que se consegue promover a educação para a saúde sexual que se pretende. O projeto é levado assim, sem grandes métodos educacionais, porém com uma grande eficácia, uma vez que toca as pessoas da região ao falar como elas falam, usando significações que elas entendem. Para se ter uma idéia, Otávio prefere não ser definido como coordenador da iniciativa, mas sim como “brincante”. Explica-se: na linha de ação do projeto são usados bumba-meu-boi, reisado, grupos de teatro, mamulengos, cancioneiro popular etc., para conquistar a atenção dos moradores das cidades onde chegam. Depois das apresentações é sempre feita uma avaliação do impacto que elas tiveram sobre os espectadores, com perguntas sobre que mensagem eles perceberam e se se interessaram mais pelo assunto, entre outras. “Essas avaliações é que fazem a diferença entre um simples forró e uma educação sexual”, enfatiza o “brincante”.
Com uma equipe de quatro pessoas, o Pegapacapá já tem no currículo a participação em encontros sobre o assunto, realização de diversos eventos no dia internacional de luta contra a Aids (1º de dezembro), estruturação de grupos de teatros, organização de cursos sobre prevenção à doença, além da realização de oficinas de prevenção e educação em saúde para homens de diversos municípios do interior de Pernambuco. Atualmente, o Pegapacapá está envolvido em dois projetos: "Enfrentando as diferenças de gênero" e "Ateia". O primeiro envolve outras duas instituições com foco em masculinidade: o Papai – Programa de Apoio ao Pai Adolescente e o Fages – Família, Gênero e Sexualidade, um programa ligado ao Departamento de Antropologia da Univresidade Federal de Pernambuco (UFPE). Embora seja constituído pela ação de três instituições, há autonomia entre os parceiros, que chegam a trabalhar em locais diferentes de Pernambuco. “A parte desse grande projeto que é executada pelo Pegapacapá, chamamos de Projeto Caúlas”, esclarece Otávio. O objetivo é o mesmo da maioria dos projetos tocados pelo Pegapacapá: promover a saúde sexual de homens no agreste pernambucano, mais especificamente nos municípios de Correntes e Palmeirina.
O Ateia – cujo nome é um trocadilho tanto com o produto da aranha quanto com o verbo atear (fogo) – é voltado para adolescentes – homens e mulheres – pernambucanos, mudando um pouco o foco normal da iniciativa. Em uma parceria com a ONG SOS Corpo, desenvolvem-se trabalhos em cinco lugares do estado – Recife e Olinda, Joaquim Nabuco (na Zona da Mata), Castainho (comunidade quilombola do agreste) e Ouricuri (no Sertão). O Ateia é mais voltado para o usufruto de direitos sexuais e direitos reprodutivos por parte de jovens de ambos os sexos. O termo “direitos reprodutivos” é auto-explicativo: são aqueles que garantem a liberdade de escolha e autonomia no campo reprodutivo, no que diz respeito a concepção, contracepção, aborto, adoção etc. Mas o que são direitos sexuais? “É o direito à livre escolha sexual, com igualdade de opções. São aqueles que permitem às pessoas terem total autonomia de suas práticas sexuais – como liberdade de escolha do número de parceiros, homossexualidade etc.”, explica Otávio.
Como se vê, realmente não são grandes nem rebuscadas as formas de atuação do Pegapacapá, porém são significativos os efeitos que podem acarretar: em um primeiro momento, a maior consciência na vida sexual das pessoas da região; num segundo momento, o combate ao aumento do número de novos casos de Aids em Pernambuco.
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