Autor original: Marcelo Medeiros
Seção original: Novidades do Terceiro Setor
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As comunidades de baixa renda possuem poucas possibilidades de comunicação entre si, e as chances de informar os acontecimentos de modo que não apareçam apenas tiroteios, tráfico de drogas e assassinatos são raras. As rádios comunitárias, um dos veículos usados para reverter esse quadro, lutam para sobreviver há tempos, em meio a brigas com a lei e com a falta de dinheiro para a compra e manutenção de equipamentos. A troca de experiências entre elas também é fraca, mas soluções estão surgindo para sanar esse problema e o da falta de informações sobre essas comunidades.
Onze anos depois da criação da primeira rádio comunitária do Brasil – a Novos Rumos, no município de Queimados (RJ) –, o Viva Rio lança a Rádio Viva Favela. Não se trata, porém, de mais uma transmissora convencional de notícias de comunidades, pois esse som sai das caixas de computadores conectados à internet. A rádio eletrônica existe desde dezembro em caráter experimental e foi inaugurada oficialmente em 20 de fevereiro, no Rio de Janeiro. Ela faz parte do projeto do portal de mesmo nome, que tem como proposta noticiar fatos não focalizados pela mídia tradicional. A idéia, entretanto, vai além da divulgação de notícias sobre as favelas cariocas – abrange também o fortalecimento das rádios comunitárias.
Dez rádios livres foram ligadas à internet para poderem fornecer conteúdo para a Viva Favela e trocar informações entre elas em tempo real. A equipe de reportagem do portal Viva Favela, que conta com correspondentes em algumas comunidades, também fornecerá notícias para as rádios. Um programa, o Rolé Comunitário, é resultado dessa interação. Ele funcionará como uma agência de notícias de favelas e servirá para integrar as rádios. “Quanto mais conteúdo elas têm, mais legitimidade possuem, e é isso que importa. O que nos interessa não é só a parceria, mas também o conceito de democratização da comunicação”, afirma Tião Santos, coordenador da rádio.
E democracia parece ser o lema dos programas musicais da Rádio Viva Favela. Os estilos variam do baião ao hip-hop, passando pela MPB, samba e jazz. “A idéia é abrir portas para quem não está na grande mídia”, afirmam os programadores Gabriel Versiani e Tiago Fernandes. O programa de ambos trará sempre novidades sobre o mundo da música, inclusive jovens artistas das favelas. A rádio funcionará ao vivo diariamente, das oito da manhã à meia-noite, sendo o resto da programação gravado.
Outra atração é o programa “Chegando no Pedaço”, apresentado por Cristiano Menezes. O programa existiu de 1987 a 89, com o mesmo Cristiano na locução, em rádios convencionais cariocas e contava com apoio do Ibase e do Iser. A proposta era aprofundar temas ignorados pela grande mídia. “Mantivemos o espírito e estamos chegando no pedaço de novo”, diz o empolgado apresentador.
De acordo com o correspondente na Rocinha Carlos Costa, “é bom ressaltar que a produção de notícias não pode ser de mão única. Não dá pra chegar, apurar notícias da comunidade e pronto. Tem que haver um projeto – e há – de mostrar a favela e depois atender às expectativas geradas pelo noticiário”.
Outros destaques da rádio são as entrevistas gravadas e a possibilidade de acessar e ouvir a programação de rádios comunitárias como a pioneira Novos Rumos. A idéia dos organizadores é expandir as alianças para outras comunidades e estados. “Não basta só falar de si, temos que ouvir o que os outros têm a dizer”, afirma Tião Santos. Existem cerca de 15 mil rádios desse tipo espalhadas pelo Brasil e todas elas possuem histórias para contar e experiências para trocar. A Viva Favela tem potencial, portanto, de se tornar uma rede de rádios comunitárias.
Como se trata de uma rádio eletrônica e o acesso à internet não é muito fácil para os moradores das comunidades de baixa renda, foram instalados, ainda no projeto de divulgação do portal Viva Favela, telecentros com internet a R$ 2 a hora em algumas comunidades cariocas. Para Costa, “temos que ser realistas, a rádio é via internet, então vale mais pela divulgação do que pelo alcance nas comunidades. Ainda assim, há hoje mais gente acessando a rede de computadores na favela do que no ano passado, quando surgiu a idéia do portal”. Em breve, mais 15 comunidades cariocas receberão telecentros como os já existentes na Rocinha, na Maré, na Taquara e na Feira de São Cristóvão.
Cerca de 20% dos acessos do portal são feitos por pessoas que moram fora do Brasil, o que é um grande número para uma página de perfil local. Com a rádio Viva Favela, mais pessoas poderão ficar sabendo do cotidiano dos moradores, até mesmo em tempo real. Mas isso não importa muito. Uma proposta – a democratização dos meios de comunicação – fica fortalecida, assim como a luta das rádios comunitárias para se manter na legalidade e prestando serviços essenciais para a população. “Não bastam liberdade de expressão e de informação. Temos que ter o direito de expressão, de conseguirmos nos expressar, e aí se encaixam a rede Viva Favela e as rádios comunitárias”, lembrou, quase chorando, o presidente e fundador da Novos Rumos, Ismael Lopes, na cerimônia de inauguração da rádio eletrônica.
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