Autor original: Fausto Rêgo
Seção original: Notícias exclusivas para a Rets
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São mais de 33 mil casos notificados neste ano em todo o estado – 819 por dia, em média – e 18 mortos (atualização em 28 de fevereiro). Os números da epidemia de dengue no Rio de Janeiro assustam. E as perspectivas não são nada animadoras. O presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, Celso Ramos, alerta: a tendência é que a situação se agrave.
Repete-se, portanto, em escala significativamente maior, o fenômeno ocorrido há alguns anos com o cólera – tal como o dengue, uma doença que imaginava-se erradicada no país, mas que sobreveio como mais uma entre tantas mazelas do subdesenvolvimento. Diante das dimensões do problema, a própria sociedade começa a se organizar para combater o Aedes aegypti, o mosquito transmissor da doença. No dia 20 de fevereiro, o Viva Rio iniciou o recrutamento de voluntários para uma ampla campanha de esclarecimento da população. Só no primeiro dia, 1.500 pessoas se cadastraram. Depois de orientados por técnicos da Fundação Nacional da Saúde, os voluntários iniciam uma peregrinação por escolas, igrejas, casas, condomínios, por toda a parte, distribuindo folhetos e informando à população como fazer para evitar a reprodução do inseto. Nos dias 9, 10, 16 e 17 de março, o Viva Rio organiza mutirões de limpeza em toda a cidade, para inspeção de residências, terrenos baldios e quaisquer possíveis focos do mosquito.
A mobilização da população pode se mostrar um instrumento eficaz de combate à doença, ao passo que as autoridades ainda polemizam. Um diz que o hoje notório pernilongo é responsabilidade federal. Outro fala que é estadual. O terceiro argumenta que é municipal. O ambientalista Vilmar Berna, editor do Jornal do Meio Ambiente, tem uma quarta alternativa: para ele, o problema é global. “Isso é uma conseqüência do efeito estufa, que está provocando a tropicalização do planeta. Daí a alta incidência dessas doenças tropicais. O aquecimento do planeta tem conseqüências óbvias para a saúde humana. A malária está voltando, os vetores [agentes transmissores] estão encontrando condições favoráveis”, afirma. Para Berna, essa é uma tendência muito séria a curto prazo e sua reversão seria impossível mesmo na improvável hipótese de que as emissões carbono da atmosfera fossem totalmente interrompidas. “Ainda que o mundo parasse hoje de emitir carbono, o que já está acumulado seria suficiente para provocar conseqüências por muito tempo”.
O ambientalista reconhece que em torno da epidemia de dengue existe um problema sério de saúde pública, mas insiste: “A saúde pública é conseqüência, é efeito. Eu estou falando em causa, as pessoas estão esquecendo de dar atenção ao clima. Os usuários de tecnologia e os cientistas acham que a própria tecnologia vai ter a solução para tudo, e não vai”. Berna acredita que é necessário um trabalho intenso de conscientização para que se reduzam as emissões de carbono e lamenta que esteja faltando solidariedade. “Estamos mais para alcatéia, para lobos, do que para colméia. A questão é muito mais de ética e espiritualidade do que técnica. É preciso que haja consciência dos indivíduos, que as pessoas reduzam o uso de automóveis. Um grande problema é a soma de pequenos problemas. Em vez de procurar uma grande solução, você pode procurar resolver esses pequenos problemas. Eu colocaria o meu foco em cima do cidadão”, propõe.
“Discordo veementemente”
Embora reconheça a influência do aquecimento global, o infectologista Celso Ramos, presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, não endossa a afirmação de Vilmar Berna e entende que a epidemia se deve primordialmente a outros fatores. “Discordo veementemente. A primeira causa são as mudanças demográficas dentro da cidade. É um problema de ecologia humana, do comportamento do homem. O dengue é uma doença urbana. As pessoas saíram do campo para as cidades e estão vivendo sem boas condições de habitação, com mau acesso à água, com falta de saneamento e sem coleta de lixo adequada”.
Ramos conta que o dengue vem se expandindo em todo o mundo desde a 2ª Guerra Mundial, particularmente no sudeste da Ásia e na América Latina. Além dos aglomerados urbanos, da falta de saneamento, do lixo e das condições de habitação, ele aponta como causas dessa expansão mundial o controle ineficaz do mosquito transmissor, a precariedade do sistema de saúde e a facilidade de deslocamento das pessoas em viagens internacionais – abrindo caminho para a circulação do vírus. “Cólera e dengue são doenças do subdesenvolvimento e da movimentação populacional. Hoje em dia, a capacidade de locomoção das pessoas favorece a rápida disseminação de doenças”, explica.
Enquanto as autoridades discutiam suas competências, iniciou-se uma caça aos vilões do dengue. Recentemente, as bromélias ganharam a primeira página de jornais, apontadas como ameaça à saúde da população. Para Sérgio de Mattos Fonseca, coordenador da Aprec (Associação de Proteção a Ecossistemas Costeiros), não é bem assim. A organização desenvolve um projeto de reflorestamento da Mata Atlântica e está preocupada com os possíveis efeitos dessas notícias. “Por causa do comércio ilegal de bromélias, a Mata Atlântica era depredada. Nós tentamos coibir a retirada da bromélia do seu habitat natural, que é onde ela fecha a cadeia alimentar. Procuramos desmistificar essa história de que a bromélia é responsável pela dengue”, diz ele. Fonseca alerta: a planta deve ser adquirida somente nas lojas certificadas pelo Ministério da Agricultura, onde o comprador recebe todas as orientações necessárias para prevenir a proliferação do Aedes aegypti. “Quem vende ilegalmente não tem o compromisso de transmitir os cuidados básicos que devem ser tomados especificamente em relação aos vetores da dengue. A bromélia deve ser regada de três em três dias com uma solução de um litro de água com duas colheres de água sanitária”, aconselha. “Quando ela é comercializada ilegalmente, a pessoa não recebe qualquer informação”. A Aprec pretende, agora, distribuir um prospecto para veicular esse tipo de orientação e esclarecimento. “Vilões da história são os impactos ambientais, que destroem a Mata Atlântica, as restingas, e forçam a saída do mosquito do seu ambiente. É um problema de saúde pública, da falta de recolhimento de lixo e de saneamento básico”, reage. Fonseca lembra declarações recentes do secretário municipal de Saúde, Ronaldo Cezar Coelho, que afirmou que dengue é um problema da população e, indignado, faz questão de rebater: “A epidemia é causada pela má aplicação dos recursos públicos. É muita cara-de-pau dizer uma coisa dessas!”.
Celso Ramos concorda que as bromélias estão sendo injustiçadas. “É um reducionismo ridículo. Além do mais, o Aedes, nas Américas, não tem hábitos silvestres. O habitat dele é artificial. Ele gosta de potes de margarina, pneus... as pessoas estão se preocupando com as bromélias quando deveriam se preocupar com o lixo das favelas. O lixo continua lá, em caçambas, jogado na ribanceira”, afirma.
O papel das ONGs
O infectologista vê como extremamente importante a participação das organizações da sociedade civil no combate ao dengue e faz um paralelo com as campanhas contra Aids, que acabaram trazendo bons resultados. “Houve a participação do governo também, mas, principalmente, o engajamento das ONGs. Não tenho dúvida: a bola está com o terceiro setor”, diz ele.
Além do recrutamento de voluntários pelo Viva Rio, outras iniciativas começam a ser articuladas – por associações de moradores e grupos organizados. O Cedaps – Centro de Promoção da Saúde, que se dedica a ações voltadas para melhoria da qualidade de vida em comunidades de baixa renda do Rio de Janeiro, está abordando o tema no projeto Agentes Jovens, realizado no Morro Cachoeira Grande, na zona norte do município. O projeto dedica-se à formação e capacitação de agentes de desenvolvimento e proteção da saúde entre os adolescentes da própria comunidade. O trabalho de um desses agentes focaliza justamente o combate ao dengue e consiste na realização de palestras com os moradores para aumentar o seu nível de conscientização e reduzir o número de casos da doença na região.
“Acho que as organizações não-governamentais podem colaborar muito”, sustenta Ramos. “Ao governo cabe o controle do macroambiente – a fiscalização de depósitos de lixo e ferros-velhos, por exemplo. O ambiente intradomiciliar é responsabilidade das pessoas. Aí as ONGs são fundamentais nesse esforço para mobilizar a sociedade”.
É esperar que cada qual faça a sua parte.
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