Autor original: Maria Eduarda Mattar
Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor
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Se você pensa que sabe o que significa inclusão, prepare-se para ter seus conceitos jogados por terra. O furacão tem nome: é o projeto "Quem cabe no seu todos?", uma realização conjunta da editora WVA e da ONG sueca Save the Children. O mote é conscientizar adolescentes (e levá-los à ação) sobre o que realmente significa inclusão. Tendo à frente a jornalista especializada em inclusão Cláudia Werneck, são realizadas oficinas para estes jovens, antes que eles entrem no mercado de trabalho, mostrando, por exemplo, que muito mais do que tratar com atenções especiais pessoas portadoras de deficiências, deve-se encarar aquela particularidade com a mesma naturalidade com que se admite que algumas pessoas tenham cabelo preto e outras, loiro. Ou seja, é só mais uma característica pessoal.
Assim, a inclusão proposta pela iniciativa é mais ampla do que a social. Trata-se de inclusão humana. Esta, para os organizadores, passa pela grande diversidade existente entre os indivíduos e pelo respeito a essas diferenças. Diversidade, aliás, é a palavra-chave do conceito de inclusão disseminado pelo projeto, conceito esse que encontra legitimidade na resolução 45/91 das Nações Unidas. Esse documento versa sobre a sociedade para todos, na acepção mais ampla que esta palavra pode ter, e propõe que se passe mais rapidamente da conscientização para a ação.
A coordenadora do projeto defende que, hoje em dia, existe uma humanidade virtual e uma humanidade real. A primeira seria aquela que a grande maioria das pessoas concebe como sendo a verdade dos fatos e das relações entre as pessoas. A segunda seria a humanidade que realmente vigora, que poucos enxergam e que engloba indivíduos muito mais diversos do que se acredita. A maioria dos lugares públicos, veículos de comunicação, campanhas, moda, todo tipo de produto industrializado etc. é construída em função da média, do regular. Diferenças regionais, culturais, religiosas, sociais, de gênero, raciais e humanas quase não são levadas em conta. Ou seja, o mundo, na verdade, não é feito para todos.
“Discutir esse todos é necessário, pois a forma como a palavra vem sendo utilizada é um modo de dizer que se está comprometido, sem ter que dizer com quem”, explica a jornalista. O todos defendido pelo projeto e pela ONU é realmente todos, sem exceções. Quando se emprega a palavra em expressões como “escola para todos”, “creche para todos”, “bibliotecas para todos”, deve-se garantir meios de quaisquer pessoas, de qualquer natureza, terem acesso àquilo que está sendo proposto. É preciso pensar em todas as condições humanas.
É justamente para deslanchar esta discussão que são realizadas as oficinas. Nas três horas de duração dos encontros, acontecem uma palestra, dinâmicas de grupo, conversa e todas as atividades possíveis e válidas na busca de um objetivo comum, que é sensibilizar os participantes. Os únicos requisitos para participação são que, primeiro, em cada grupo, pelo menos 15% dos participantes sejam portadores de deficiência. Segundo, que os jovens ainda não tenham ingressado no mercado de trabalho. Cláudia explica o porquê: “Precisamos atuar com eles nesse estágio, pois é quando ainda podemos mudar alguma coisa no seu modo de agir em suas profissões, fazendo com que eles não sejam replicadores do atual modelo, excludente.”
“É um projeto itinerante e transversal”, diz a coordenadora, referindo-se à estratégia adotada, que prima pela praticidade: estabelecendo parcerias com ONGs de todo o Brasil, o projeto realiza oficinas nas cidades de seus parceiros, que ficam responsáveis pela organização e seleção dos jovens na região. “Entramos nos projetos já realizados por outras instituições”, completa a coordenadora. Com essa metodologia, o "Quem cabe no seu todos?" já conseguiu se concretizar em quatro estados – Rio de Janeiro, São Paulo, Pernambuco e Bahia. Na próxima semana, serão realizadas mais oito oficinas em Manaus, totalizando 41 das 81 edições previstas para acontecerem até julho deste ano. Outros estados que ainda serão visitados são Mato Grosso do Sul, Santa Catarina e Pará.
São escolhidas para serem parceiros do projeto instituições privadas, governamentais e não-governamentais das áreas de educação, saúde, comunicação e deficiência, entre outras já envolvidas ou não com a inclusão. No entanto, a grande maioria é de ONGs formadas por jornalistas ou comunicadores. Fazem parte da lista de 18 parceiros as organizações Cipó Comunicação Integrada, Uga, Uga, Rede ANDI – Agência de Notícias dos Direitos da Infância, Pastoral da Criança, Auçuba, Instituto de Cegos da Bahia, projeto Cidade Escola Aprendiz, UNIRR, Centro de Apoio ao Movimento Popular da Zona Oeste do RJ, Laramara, Carpe Diem, Grupo 25, Educação Alternativa e Ser Down – Associação Baiana de Síndrome de Down, além de governos estaduais e municipais.
O trabalho a que se propõe o "Quem cabe no seu todos?" – mudar os conceitos já existentes na cabeça das pessoas – não é nada fácil. A idéia de inclusão social ainda é entendida e praticada por muito poucos – que dirá a inclusão humana, conceito novo, de difícil compreensão, que contraria muito do que se entende por certo até hoje. Um exemplo são as cotas reservadas para as minorias em universidades, concursos públicos etc. Para os organizadores, esse sistema também é excludente, na medida em que põe holofotes sobre as diferenças, ressaltando-as como algo especial e não com a naturalidade que o projeto defende. “Você não vê reserva de cotas para pessoas com cabelo ruivo, ou pessoas que moram no Nordeste e não têm condições de estudar, ou para pessoas com nariz grande. Estas pessoas são iguais às pessoas com deficiência, são apenas diversas”, apregoa Cláudia, na tentativa de deixar mais claro o conceito de inclusão do "Quem cabe no seu todos?".
A paixão com que a coordenadora defende a iniciativa e suas bases teóricas mostra-se como o grande ativo do projeto. A obstinação de Cláudia já rendeu oito livros sobre deficiência, desde que a jornalista começou a trabalhar com o assunto, dez anos atrás. Ela era chefe de reportagem da revista Pais e Filhos. Depois de escrever uma reportagem sobre Síndrome de Down, pediu demissão e passou a atuar para que deficientes fossem compreendidos, mais bem-tratados e aceitos e para que possam, de fato, fazer parte da sociedade, sem precisarem receber cuidados ou atenções especiais. “Com o projeto, o que eu quero é que os jovens tenham um todos maior que os adultos de hoje em dia".
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