Autor original: Marcelo Medeiros
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Todo ano são despejados na atmosfera 23 bilhões de toneladas de dióxido de carbono. Essa grande emissão de gases foi responsável pela década mais quente dos últimos mil anos e, se nada for feito, a situação tende a piorar ainda mais. Por isso o WWF Internacional lançou em janeiro uma campanha pela ratificação do Protocolo de Kioto, que obriga os assinantes a reduzir suas emissões de poluentes. Governantes de países onde o WWF está presente receberão cartas pedindo a adesão ao tratado. Em entrevista exclusiva à Rets, o secretário-geral do WWF no Brasil, Garo Batmanian, fala sobre o Protocolo, a campanha e as conseqüências da poluição para a população mundial.
Rets – Como está a situação da emissão de gases poluentes e do efeito estufa hoje? Quais são suas conseqüências para o Brasil e para o mundo?
Garo Batamanian – Os níveis atmosféricos do dióxido de carbono (CO2) – o principal gás causador do aquecimento global – estão atualmente em seu nível mais alto dos últimos 420 mil anos. Cerca de 23 bilhões de toneladas de dióxido de carbono são jogados na atmosfera terrestre a cada ano. Isso é o triplo do que era emitido há 40 anos.
Atualmente o mundo está sofrendo seu aquecimento mais rápido dos últimos 10 mil anos, e a década de 90 foi provavelmente a década mais quente do último milênio. Caso a situação não mude, aos poucos teremos cada vez mais casos de ondas de calor, enchentes e secas. Sem contar que o aquecimento global levará à morte de cada vez mais espécies, entre plantas e animais que não conseguirão acompanhar as rápidas mudanças climáticas e simplesmente desaparecerão da face do planeta.
O aquecimento vai trazer prejuízos a todo o mundo, incluindo os países em desenvolvimento, como o Brasil, com a multiplicação de problemas causados pelos desequilíbrios naturais levando cada vez mais pessoas a situações críticas provocadas por secas ou enchentes e à falta de acesso a recursos naturais essenciais.
Rets – Quando e como surgiu a idéia de fazer uma campanha pelo Protocolo de Kioto? No que ela consiste?
Garo Batmanian – A idéia da campanha surgiu diante do fato de que mais de uma década já se passou desde que o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU produziu seu primeiro relatório de avaliação sobre o assunto, em 1990. O documento organizou todo o conhecimento existente sobre o que a humanidade está fazendo com o sistema climático do planeta, deixando evidente que o mundo enfrentava um problema muito sério. Isto resultou na Convenção do Clima, aprovada na Rio 92. O Protocolo de Kioto estabelece metas e passos a serem seguidos conforme essa convenção.
Agora o Protocolo de Kioto precisa urgentemente ser reconhecido como um Tratado Internacional. Os países industrializados (com a exceção dos EUA, que se recusam a participar do acordo) precisam reduzir (e controlar) até 2008-2012 as emissões de gases que causam o efeito estufa em aproximadamente 5% abaixo dos níveis registrados em 1990. Quanto mais cedo o protocolo for ratificado, melhor. Com isso haverá mais tempo para que os países realmente possam tomar atitudes que levem à redução nas emissões. Ao postergar a ratificação, a situação fica mais difícil, até porque alguns países têm aumentado as emissões desses gases, como, por exemplo, os Estados Unidos.
Por isso, o Protocolo precisa ser ratificado antes da Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+10, que acontece em Joanesburgo em agosto. A campanha tem a finalidade de envolver os 25 países que podem converter o Protocolo de Kioto em um Tratado Internacional. Se esses países ratificarem o protocolo de Kioto antes da Rio+10, ele será reconhecido como lei.
Além de pressionar políticos e a opinião pública pela ratificação, a Rede WWF está incentivando a ação do público, que pode enviar mensagens pedindo a ratificação do protocolo pelos 25 países que podem convertê-lo em lei.
Rets – Quantos governantes devem receber a carta? Quais são as perspectivas de adesão ao protocolo?
Garo Batmanian – Para o protocolo ser efetivado é preciso que, no mínimo, 55 países que gerem 55% das emissões de gás carbônico o ratifiquem. Enquanto dezenas de países em desenvolvimento já ratificaram o Protocolo, falta a adesão de 25 países industrializados para garantir a sua implementação. Independente do fato de o país estar na lista desses 25 países industrializados ou não, cada uma das organizações nacionais que compõem a rede WWF enviou uma carta ao governante de seu país, exortando-o a ratificar o Protocolo de Kioto.
No caso do Brasil, o WWF reconhece e aplaude os esforços já realizados e faz um apelo para que mais uma vez o país exerça seu papel de liderança. Em carta enviada ao presidente Fernando Henrique Cardoso, o WWF-Brasil pediu que o país dê o exemplo "primeiramente ratificando o Protocolo de Kioto e, também, mobilizando países amigos e parceiros num esforço concentrado pela ratificação do referido Protocolo (...)".
Com relação às perspectivas de ratificação, em 6 de fevereiro o Parlamento Europeu aprovou uma resolução pedindo aos 15 países membros da União Européia que ratifiquem o Protocolo. Já a Rússia, o Japão, o Canadá e a Europa Central mantêm-se indefinidos, mas vêm demonstrando que podem assinar a ratificação antes da Rio+10.
Rets – Junto com a campanha foi lançado um estudo sobre os impactos do efeito estufa nas "jóias" da natureza. Quais são essas jóias e que efeitos elas têm sofrido? Quais as conseqüências desses efeitos para a população?
Garo Batmanian – As "jóias" da natureza são ambientes naturais de importância mundial. Entre as 113 regiões terrestres analisadas, duas na América Sul apresentam grande risco de perda de espécies: o Pantanal (Brasil e Bolívia) e o Planalto dos Andes (Chile, Argentina e Bolívia).
No caso do Pantanal, no estudo ele foi dividido em 54 partes (pixels) e constatou-se que mais de 70% dessas partes poderão ter sua cobertura vegetal alterada nos próximos 100 anos, em decorrência do aumento de gás carbônico na atmosfera. Isso significa que, se medidas efetivas de controle e redução das emissões não forem cumpridas pelos países industrializados, o Pantanal poderá ter seu equilíbrio natural seriamente afetado, com perda de espécies vegetais e animais de ocorrência local. As regiões que poderão sofrer maior grau de interferência no mundo são as Montanhas Urais e as Estepes da Mongólia, a Tundra do Canadá e o Planalto dos Andes. Muitos ecossistemas de grande valor biológico estão em risco direto devido ao efeito estufa. Se não agirmos para reverter essa tendência alarmante, haverá a extinção de milhares de espécies, com impacto direto e indireto sobre as populações que dependem de alguma forma dessas espécies ou da natureza para sobreviver.
Rets – Grandes países poluidores como Rússia, Japão e Alemanha não assinaram o tratado. Quais as principais razões para isso e que interesses estão por trás dessa atitude?
Garo Batmanian – Apesar de ainda não terem assinado o tratado, esses países já demonstraram que podem fazê-lo antes da Rio+10, que acontece em agosto. A Alemanha espera ratificar o protocolo até 14 de junho, junto com a União Européia. Já a Rússia deve discutir o assunto em março, enquanto o Japão vai estudar o caso durante o primeiro semestre. No fim de 2001, o governo japonês comprometeu-se a adotar a preparação necessária para uma ratificação ainda em 2002.
Rets – Como você vê a posição norte-americana de se recusar a ratificar o acordo?
Garo Batmanian – O governo americano está apostando no fato de que o resto do mundo não chegará a um entendimento comum sobre esse assunto. Caso contrário, ficaria parecendo que um país da importância e do tamanho dos Estados Unidos no cenário mundial ficou à margem de um acordo internacional dessa importância.
O presidente Bush, além de não querer ratificar o Protocolo de Kioto, apresentou um plano alternativo que deve aumentar ainda mais as emissões do país. Bush disse que pretende diminuir as emissões do país em 18%, mas essa redução refere-se a um valor do PIB americano, e nada muda em relação ao quadro atual. Hoje em dia, os Estados Unidos emitem 183 toneladas métricas de carbono para cada milhão de dólares que o PIB deles gera e o Bush quer baixar isso para 153 até 2012. Ele diz que isso é um decréscimo de 18% em termos de porcentagem. Mas, quando chegarmos a 2012, se o país crescer 20%, mesmo se eles aumentarem a eficiência em 18%, estarão emitindo mais gases.
Rets – O protocolo visa reduzir a emissão de gases em 5%, em comparação com o nível de 90. Esse índice é suficiente para deter os efeitos citados? Como se pode alcançá-lo? Que medidas já têm tido efeito e que penalidades estão previstas?
Garo Batmanian – O Protocolo de Kioto ajuda a dar uma orientação no sentido correto. Ele pode ser um ponto de partida para criar novas medidas mais profundas no futuro. Com a mobilização para a Campanha de Ratificação do Protocolo de Kioto, mais dinheiro de governos e empresas privadas pode começar a ser investido em ações que servirão para reduzir a poluição global.
Embora o Protocolo de Kioto seja apenas uma das ferramentas necessárias para lidar com o problema, ele tem uma base sólida para criar o alicerce para uma ação global efetiva e crescente nas próximas décadas.
Já existe a tecnologia necessária para reduzir as emissões de dióxido de carbono. Além de já terem provado que funcionam, são eficientes. E não é nada de outro mundo. Soluções simples, como carros mais econômicos, iluminação e eletrodomésticos que economizam energia já existem. Ao usar menos energia, há menos poluição decorrente do processo de geração de energia. Enquanto isso, fontes renováveis de energia, como a proveniente dos ventos ou do sol, não produzem qualquer tipo de poluição.
Com relação às penalidades, não foram estabelecidas normas específicas, mas casos individuais poderiam ser levados ao plenário da ONU, que definiria qual penalidade adotar contra a nação que descumprisse suas metas pré-acertadas.
Rets – O comércio de emissões é uma das soluções defendidas por países que não ratificaram o acordo. Ele não pode gerar distorções e mais conflitos entre Estados?
Garo Batmanian – O WWF acredita que os países possam se beneficiar com a ratificação e com a implementação do Protocolo, no sentido de que se tornam mais competitivos, uma vez que estão previstos incentivos para que os governos e os setores empresariais reduzam as emissões. Os projetos da Implementação Conjunta e do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo permitirão aos países industrializados investirem em medidas que limitem as emissões em outros países industrializados e também em países em desenvolvimento. Dessa forma, podem reclamar as emissões não feitas para abater de suas próprias metas. Na verdade, o Comércio de Emissões está previsto no Protocolo e estabelece um mercado completamente novo. Ao atribuir ao carbono um valor econômico, esse comércio deve incentivar a participação maior nos esforços pela redução de emissões. A grande diferença é que o Protocolo estabelece um limite sobre qual porcentagem da meta de cada país pode ser incluída no Comércio de Emissões, para evitar que países mais ricos limitem-se a "comprar" todo o seu excesso de emissões ao invés de procurar formas para adotar mudanças permanentes dentro de seu próprio país. Vale lembrar que os benefícios da Implementação Conjunta, do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo e do Comércio de Emissões só estarão disponíveis para os países que implementarem o Protocolo de Kioto.
Rets – Como a sociedade civil tem se organizado para enfrentar o efeito estufa e os problemas ecológicos? De que forma as pessoas podem pressionar governos e empresas a assinarem acordos e diminuir emissões de gases poluentes?
Garo Batmanian – Além de enviar cartas e abaixo-assinados aos governos que ainda não ratificaram o Protocolo, as pessoas podem colaborar com pequenas atitudes, como a conscientização de amigos e colegas, pedindo cada vez mais apoio à campanha pela ratificação do Protocolo. Com relação a temas globais ou problemas ecológicos locais, a população também pode escrever cartas à imprensa pedindo mais atenção ao assunto, forçando a opinião pública a reconhecer cada vez mais a gravidade da situação e aumentando, assim, as chances de que providências sejam tomadas para resolver esses problemas. Em casa, também é possível adotar práticas saudáveis para redução da poluição e auxílio na conservação da natureza: economizando água, reduzindo a utilização do carro, consumindo menos energia elétrica, fazendo coleta seletiva do lixo etc.
Rets – Finalmente, o planeta sobrevive ao ritmo atual de poluição?
Garo Batmanian – Atualmente o mundo está sofrendo seu aquecimento mais rápido dos últimos 10 mil anos. A década de 90 foi provavelmente a década mais quente do último milênio. O ano de 2001 foi o segundo ano mais quente desde que começou a ser feito um registro sobre as temperaturas médias globais anuais, ficando atrás apenas de 1998. Foi o 23º ano seguido com temperaturas acima da média histórica.
Os impactos do aquecimento global são evidentes, desde a linha do Equador até os pólos, com severos prejuízos à natureza. Se não fizermos nada, a situação vai piorar ainda mais, com secas, ondas de calor, tempestades e enchentes cada vez mais freqüentes.
*Nota da Rets: no dia 4 de março - data posterior à da realização desta entrevista - a União Européia reafirmou seu compromisso com o Protocolo de Kioto. Em uma reunião realizada em Bruxelas, ministros de Meio Ambiente dos 15 países da União Européia marcaram a ratificação do Protocolo para o dia 1º de junho.
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