Autor original: Fausto Rêgo
Seção original:
* Carlos Alberto Afonso
1. Introdução
No início da década de 70 do século passado, Alvin Toffler escrevia Future Shock – um livro visionário, tanto como balanço da evolução das relações sociais e econômicas mundiais em 500 séculos, como do salto tecnológico experimentado pelo que Toffler chama de “800th lifetime” – a geração em que o ritmo e qualidade de mudanças motivadas por saltos tecnológicos foram incomparavelmente maiores e mais rápidos que qualquer outra geração humana precedente em 50 mil anos. Era a geração de Alvin – do homem na Lua, do começo da generalização das tecnologias digitais e da informação mundial instantânea via satélite.
O índice remissivo de Future Shock não contém referência alguma a redes de computadores. Mas na mesma época em que era lançado o livro, nascia a base tecnológica da Internet, com os primeiros sistemas de computadores em rede demonstrados pela Advanced Research Projects Agency (ARPA) do Departamento de Defesa dos EUA. Se Toffler pudesse ter previsto as espantosas consequências do que estava nascendo, provavelmente teria tido dificuldades para terminar o trabalho – era na época, e ainda é, para usar expressão bem brasileira, areia demais para o caminhãozinho dos futurólogos, mesmo dos mais cuidadosos e brilhantes como Alvin.
Um dos capítulos mais fascinantes do livro é a descrição da explosão de mobilidade humana no que ele chama de sociedades super-industriais (na época, segundo ele, apenas Canadá e Estados Unidos mereciam essa qualificação) – sociedades que, radicalmente avançadas em relação a formações sociais baseadas em produção agrícola ou em indústria pesada tradicional, eram capazes de estabelecer metas de produção de qualquer bem ou serviço que eram mais determinantes da disponibilidade de recursos do que dependentes desta.
Era uma mobilidade restrita à mudança física de residência – 20% da população americana mudava de residência a cada ano, motivada pelas perspectivas de ascensão profissional ou mesmo pela imposição de seus empregadores. A possibilidade de realizar transações de informação instantâneas de qualquer tipo, com o nível de segurança requerido, a níveis individual ou institucional via redes de computadores generalizadamente disponíveis (pelo menos nos países mais avançados), não era ainda um elemento de análise, mas em menos de duas décadas atropelaria a “800a geração” com a realidade da Internet.
Ao atravessar fronteiras e derrubar padrões de comunicação hierarquicamente controlados pelos governos, a Internet colocou em pauta a questão de seu controle. Às estruturas bem ordenadas de mando e decisão regidas por leis, a Internet contrapõe a possibilidade de interação e trabalho colaborativo em rede, em formas e com finalidades tão diversas (de uma compra online à organização internacional de um plano de ação comum) que colocam em xeque vários paradigmas de jurisdição e governabilidade das relações humanas a nível mundial. Em sua habitual paranóia, o Departamento de Defesa contratou a RAND Corporation para teorizar sobre isso – e surge o conceito de “guerra-em-rede” (netwar), em que a RAND coloca no mesmo saco todos os movimentos civis, organizações de traficantes de drogas e redes terroristas (nas palavras do estudo da RAND, “terror, crime, and militancy”), com o fim de sugerir a preparação de contramedidas que possam anular ou minimizar o poder de ação de movimentos descentralizados face à estrutura piramidal dos governos.
Tratar da governabilidade da Internet é lidar com um tema complexo e muito amplo – tão amplo como as muitas formas de relações humanas. Neste trabalho nos limitamos a um aspecto do problema: o governo da infra-estrutura que possibilita a interconexão e comunicação livre entre as centenas de milhões de máquinas da Internet.
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