Autor original: Marcelo Medeiros
Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor
Depois de quase vinte anos treinando e estudando nos EUA, o atleta Zequinha Barbosa voltou à sua terra natal e foi convidado a entrar na política. Na véspera dos jogos olímpicos de Sidney, em 2000, o meio-fundista brasileiro decidiu largar seu trabalho na Secretaria de Esportes do Mato Grosso do Sul para tentar o índice que lhe faria participar de sua quinta olimpíada – o que seria um recorde mundial. O objetivo não foi alcançado, mas o fracasso serviu de estímulo para o atleta. Em vez de correr por medalhas, correr atrás de um sonho de infância: ajudar crianças pobres como ele havia sido um dia. O meio encontrado foi fundar, no início deste ano, o Instituto Zequinha Barbosa Correndo pela Vida (IZB).
O atleta não queria mais enfrentar a burocracia do Estado para realizar suas ações sociais. Chamou, então, Luiz Otávio, seu amigo de infância, para tentar fazer algo sem entrar na política. “O processo sempre é lento, há muita burocracia. O terceiro setor foi a solução que encontramos”, diz Luiz Otávio. Durante um ano e meio, os dois se dedicaram a estudar o assunto. Os contatos feitos levaram Zequinha a entrar para a Rede de Empreendedores Sociais, do Instituto Ayrton Senna, e assim trocar experiência com outros ex-atletas participantes de projetos sociais, como o ex-jogador Raí, da Fundação Gol de Letra. Os amigos elaboraram um projeto com início, meio e finalidade: ajudar crianças pobres de Campo Grande através da educação e do esporte. A Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), de Campo Grande, se interessou e ofereceu suas instalações e corpo docente para ajudar a levar adiante o projeto.
A idéia inicial era ajudar 300 crianças, mas acabou sendo definido que 120 seriam beneficiadas. “Por falta de experiência, não sabíamos quantas poderíamos atender satisfatoriamente. Fizemos alguns estudos com a reitoria e decidimos reduzir o número, afinal estamos apenas começando”, diz Luiz Otávio, agora vice-presidente do instituto.
O projeto “Exercitando o Viver” oferecerá, a partir de abril, aulas de cinco modalidades esportivas (a princípio, atletismo, natação, basquete, futebol de salão e vôlei), reforço escolar e uma Oficina do Saber, que pretende estimular o hábito da leitura entre as crianças. Serão organizadas, ainda, aulas de música e de artes. Todas as atividades, que ocuparão seis horas do dia das crianças, serão acompanhadas por professores e alunos dos diversos cursos da UCDB. A intenção é oferecer assistência em todos os âmbitos, por isso também será instalada uma clínica-escola, que prestará serviços médicos e psicológicos caso sejam necessários. A ênfase no esporte é justificada pelos valores passados pela atividade: disciplina, determinação, persistência e coragem.
Apesar de toda a infra-estrutura disponibilizada, o objetivo não é formar atletas. “Se por acaso surgirem atletas, ótimo. Mas encaminharemos esses meninos para um lugar onde possam fazer treinamento adequado. Nossa idéia é formar cidadãos, dar educação e não ser uma fábrica de esportistas. É muito importante ser atleta depois do treinamento, não se vendo como superior aos outros e ficando longe de drogas”, afirma Zequinha.
E, para que isso aconteça, a seleção dos 120 será rigorosa. Para participar do programa, as crianças deverão ter de 7 a 14 anos e morar num raio de dois quilômetros da universidade, para facilitar o transporte. Além disso, serão procuradas escolas com alto índice de repetência e de faltas. Os diretores das escolas poderão sugerir alunos para participar, mas, para evitar qualquer mal-entendido, serão aplicados questionários socioeconômicos. A renda dos pais deve ser menor que meio salário mínimo por mês e ainda haverá visitas às famílias para garantir atendimento aos mais necessitados. No final, os professores de serviço social analisarão os dados e escolherão as crianças.
O prestígio de Barbosa ajudou na hora de conseguir apoio – o Unicef, a Fundação Kellogs e o Instituto Ayrton Senna colaboram com o IZB –, e isso faz com que os idealizadores pensem em ampliar o programa. Segundo Luiz Otávio, “falta divulgação desses trabalhos e informação sobre eles para que possam ser mais apoiados. Não somos profissionais, mas estamos aprendendo a lidar com o meio”.
Para o medalha de ouro no Mundial Indoor de Atletismo de 1987, o esporte é uma atividade “difícil, alegre e vibrante, que dá garra e tira o medo”. E foi a mentalidade de esportista seu guia para o empreendimento social: “Sou considerado herói por causa de meu desempenho no esporte, mas há verdadeiros heróis no setor social, pessoas que estão há décadas correndo atrás de um mundo melhor. Aprendi a não ter medo. Temos que nos superar a cada dia, por isso estávamos conscientes de que cometeríamos erros, mas eles são inevitáveis. Não podemos temer errar”, diz, para terminar com a frase, que, segundo ele, resume toda sua brilhante carreira: “A mais bela coragem é a confiança que devemos ter na capacidade de nosso esforço”.
Se o Instituto obtiver resultados parecidos com os que o meio-fundista conseguiu em sua carreira, o “Exercitando para Viver” irá longe.
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