Autor original: Marcelo Medeiros
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A Secretaria Nacional Antidrogas (Senad) e a Universidade Federal do Rio de Janeiro realizarão nos próximos meses uma pesquisa que pretende fazer um levantamento dos serviços de atendimento a dependentes químicos no Brasil. O trabalho vai abranger a rede pública, privada e filantrópica, para mapear e conhecer o tratamento dado aos dependentes e suas condições físicas. Em entrevista à Rets, o coordenador da pesquisa, José Luiz Santana, da UFRJ, fala sobre o que já está sendo feito e os benefícios que esse levantamento trará para a população e para as organizações envolvidas.
Rets – Como está sendo organizada a pesquisa?
José Luiz Santana – A primeira etapa abrangerá Rio de Janeiro e Brasília, cidades que servirão de referência para o trabalho nas restantes. O que tiver nessas localidades deve repercutir nas outras, tanto pelo seu tamanho como pela diversidade que apresentam. As organizações que prestam tratamento a dependentes químicos são praticamente as mesmas em todo o país, o que varia é o número de unidades em cada estado. Depende do tamanho da unidade da federação. De resto, a pesquisa custou R$ 600 mil e conta com 35 pessoas, entre PhDs e entrevistadores.
Rets – Por que foram escolhidas Rio e Brasília?
Santana – No Rio, já temos dados preliminares, feitos pela UFRJ no ano passado, e a pesquisa servirá de complemento. Brasília foi incluída devido a seu aspecto espiritual. Além das organizações públicas e privadas, a cidade possui muitas outras religiosas, como também esotéricas. Isso faz com que haja um número desproporcional de entidades de serviço a dependentes em relação ao tamanho da cidade. Esses campos servirão como pré-mapa – seus dados devem repercutir para as outras. Não vamos fazer levantamentos nas 127 cidades com mais de 200 mil habitantes, mas sim projetar informações, por causa do prazo e do dinheiro. A proposta é fazer um panorama, e não um cadastro, e passar os resultados para o governo, para que ele possa planejar melhor suas ações.
Rets – O que o governo fará com os dados?
Santana – O principal é o credenciamento e a normatização das organizações pelo Estado. Temos que montar um esquema de normas e credenciamento para exigir condições mínimas de funcionamento e daí para outras atividades. Além disso, é preciso sabermos quantas organizações prestadoras de serviço existem – já ouvi números que vão de 200 a 8 mil em todo o país.
Rets – O tratamento dado aos dependentes tem sido bom?
Santana – Esse é outro objetivo da pesquisa, o aspecto mais qualitativo. Quando ela estiver pronta, saberemos que tipos de tratamento estão sendo feitos, qual a área construída de cada organização, se elas possuem área de lazer, a qualificação do corpo clínico, número médio de pacientes por mês etc. Os dados serão cruzados internamente e daí pegaremos mais informações de maneira indireta. Saberemos se há mais privadas ou públicas, qual tipo de instituição é mais utilizado.
Rets – Os dependentes darão sua opinião também?
Santana – Essa proposta foi muito discutida entre a equipe de pesquisa e a Senad. Acabou sendo decidido que os dependentes não serão ouvidos, entre outras razões, por questões éticas. Sem dúvida, são informações relevantes, mas que fogem do objetivo da pesquisa. Ainda assim, ela está prevista, pois é necessária.
Rets – Mas numa pesquisa sobre serviços prestados a dependentes, eles não deveriam, ainda assim, ser ouvidos?
Santana – Achamos melhor deixar isso para uma segunda etapa, pois entram questões de confidencialidade, de sigilo profissional etc. Não podemos misturar essas informações com as das organizações. Os dependentes podem pensar que é um cadastro, e isso não passa pela cabeça da Senad. Por isso fizemos o corte, para depois traçarmos um perfil dos dependentes, até mesmo por área de atuação. Para isso já estamos buscando recursos com o Ministério do Trabalho, por exemplo, para vermos que trabalhadores estão dependentes.
Rets – No que a falta de dados pode prejudicar as políticas públicas?
Santana – Quando não há dados, você fica na intuição ou na opinião de especialistas. Esse não é um procedimento errado, mas quanto mais dados concretos puderem ser analisados, melhor. Quando há mais dados, a política é mais eficiente.
Rets – De que maneira?
Santana – A partir de um sistema de normatização e credenciamento. As organizações podem buscar mais recursos do SUS. Hoje só as públicas têm acesso a esse financiamento, as privadas têm que ficar dependentes de planos de saúde. Abrindo o SUS, as coisas devem melhorar, pois os tratamentos devem ser melhores. No segundo semestre, quando a pesquisa ficar pronta e for entregue, a situação deve começar a mudar.
Rets – Como as organizações do terceiro setor podem se beneficiar?
Santana – No momento em você começa a estabelecer normas, a credibilidade aumenta. Muitas organizações de tratamento são vistas como “esotéricas”, alternativas demais. Não que esses métodos sejam piores que os convencionais, mas, com a possibilidade de ligar para a Senad e escolher um tratamento específico credenciado, tudo fica mais claro e seguro. A nossa função é disponibilizar essas informações para a sociedade de forma confiável. Além disso, há a questão do financiamento. Sendo reconhecida por um órgão público, uma organização pode utilizar esse argumento para pedir ajuda.
Rets – Houve dificuldades na pesquisa?
Santana – Para dizer a verdade, pensei que teríamos inúmeras dificuldades, afinal o questionário possui 200 perguntas. As pessoas poderiam encarar a pesquisa como demasiadamente intrusiva. Mas, para minha surpresa, até agora não houve nada que dificultasse nosso trabalho. Tem havido muita cooperação por parte das organizações, elas estão entendendo os objetivos. A imprensa deu grande destaque à pesquisa e ao interesse da embaixada norte-americana, que queria conhecer os objetivos. Para ambas mostramos a intenção da pesquisa, qual direção está sendo dada, e a recepção foi boa. O trabalho está inserido no Plano Nacional Antidrogas, que tem uma lógica, um cronograma, e a pesquisa faz parte da implementação desse plano.
Rets – Essa pesquisa pode resultar em melhoras?
Santana – Uma pesquisa como essa não é comum, pois o custo é alto. Porém a estratégia da Senad é correta, o estabelecimento de normas vai ser um divisor de águas no tratamento de dependentes. As organizações, agora, terão que se pautar pela qualificação. Tratamentos baseados em profissionais que fazem curso e montam uma salinha para atendimento terão que acabar.
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