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Uso estratégico da Internet: um desafio para as ONGs

Autor original: Graciela Baroni Selaimen

Seção original: Artigos de opinião

Paulo Henrique Lima*


A Internet, a mais impactante das novas tecnologias de informação e comunicação, já se consolidou como fato e está no vocabulário das pessoas dos principais centros urbanos brasileiros. Afora os vários problemas e frustrações das políticas públicas de universalização do acesso no país, temos, ainda, a oportunidade de construir um espaço de difusão de muitos para muitos como nunca antes visto. Todos sabemos da história do rádio e sua fundamental importância na resistência cultural local e de seu poder de informação, articulação e capilaridade comunitária. Todavia, um projeto nacional de difusão radiofônica é completamente inviável, seja pelas dificuldades orçamentárias assim como pela impossibilidade de acesso às concessões para grupos independentes. Nem faz sentido fazer o mesmo exercício em relação à televisão. Apesar do fenômeno rápido da bolha econômica e do fiasco da nova economia (2000/01), a Internet se conservou como espaço com a vocação democrática e sem grandes proprietários que nos faz intercambiar experiências, sucessos e nos integra em campanhas, nos informa e nos inclui em articulações não hierarquizadas, em experiências essencialmente democráticas.


A lógica de comunicação sob a grande rede é de atores sociais, de agentes, de pessoas que querem se fazer ouvir, de publicar, de intervir. É isso que temos que incentivar, criar modelos simples e replicá-los em vários sítios e portais diferentes e fazer com que a “interferência” do cidadão através da Internet se transforme em ferramenta de resistência cultural e de pressão política em seu melhor sentido. Usar o virtual para incluir cidadãos conscientes de sua importância e possibilidade de intervir.


Em contraste com a realidade de alguns anos atrás, vivemos um momento de clara estabilidade democrática. Isso reforça a oportunidade de aproveitarmos intensamente as condições de fortalecimento da participação cidadã, decisiva para transformar regimes formais em democracias efetivas. Aqui está um dos desafios mais importantes das organizações da sociedade civil e não-governamentais: contribuir para canalizar as necessidades da população, traduzindo e criando instrumentos de participação, fazendo “elevar” a voz com a proposição de soluções discutidas amplamente com a sociedade.


Temos consciência de que a universalização do acesso à Internet ao mesmo tempo que é parte do problema é também a luz no fim do túnel, a perspectiva de possíveis soluções. A difusão deste texto, por exemplo, criado para ser veiculado por uma organização não-governamental através exclusivamente da Internet, o confirma. De fato, é fundamental ressaltar que por um lado a Internet vem agravar desigualdades sociais [1], econômicas e políticas, dada a concentração de renda e acesso a bens como computadores e linhas telefônicas no Brasil. É o que chamamos de “brecha digital” - que se converte em mais um fator de exclusão e de diferenciação entre as pessoas que podem participar e as que não. Por outro lado, a Internet oferece possíveis respostas. Um exemplo é o das redes e articulações regionais e nacionais, cuja ação é facilitada por esta ferramenta.


Participação, transformação social e Internet


De que forma podemos colocar a Internet a serviço da participação cidadã e da construção de uma sociedade mais justa, democrática e solidária?Evidentemente as respostas não são óbvias e a motivação deste texto é colocar a questão na agenda das organizações não-governamentais brasileiras.


De uma maneira muito curiosa a sociedade brasileira teve acesso à Internet. Uma ONG, o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas, por via de um de seus projetos, o AlterNex, desde 1987 realizava experimentos com tecnologias de rede eletrônicas de computadores fora do espaço acadêmico. Em 1992 coroou este processo de pesquisa com competência, ao implementar a infra-estrutura de acesso à Internet para o Fórum Global durante a Conferência Internacional das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a ECO 92, junto com a Rede Nacional de Pesquisas. Criou-se desde então uma demanda importante para que as pessoas, os ativistas e o cidadão tivessem acesso àquelas possibilidades de interlocução, informação e diálogo – naquele tempo restritos às universidades e a projetos militares. O projeto nacional (Governo Itamar Franco) era de fazer com que a Embratel (empresa estatal responsável pelo tema na época) “liberasse” a exploração comercial quando tivesse consolidada uma infra-estrutura (backbone) nacional. Contudo a pressão foi maior e, em meados de 1995, surgiram as primeiras iniciativas privadas para acesso à Internet no Brasil. Em 1996 a World Wide Web “explode” como fenômeno de comunicação, é o início da revolução da Web. Neste período, iniciativas de ONGs (incentivadas pelo AlterNex/Ibase) se fizeram divulgar naquele espaço mundial e começaram a utilizar correio eletrônico, fóruns internacionais de discussão etc. E como estamos hoje?


Num rápido levantamento nas estatísticas da Fapesp, entidade responsável pelo registro de domínios Internet no Brasil, constatamos, com pesar, que a participação das organizações no conjunto não passa de 2,33% do total, com 9.864 domínios registrados. Sabemos que registrar domínios ".org.br" é um processo muito bem regulamentado pela Fapesp, exigindo-se a vinculação ao Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) de organização sem finalidade de lucro. Entretanto, mesmo considerando isso, ao se comparar com os números com que trabalhamos de organizações sem finalidade de lucro no Brasil – cerca de 250.000 – chegamos a uma adoção quantitativamente irrisória das TIC pela sociedade civil organizada.



Fonte: Site http://registro.br da Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP


Em recente publicação[2] a Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais – Abong, pesquisou entre 196 ONGs brasileiras das suas então 248 associadas (agora 249, a Rits se associou à Abong após o levantamento) em vários aspectos de seu desenvolvimento institucional e ação. Um dos itens que foram destacados no estudo é a real prioridade das organizações no que se refere a uma política de comunicação. Diz a pesquisa:


“Sobre a comunicação, a pesquisa revela que, hoje, o uso da Internet é quase universal entre as associadas. Cerca de 97% delas a utilizam freqüentemente para contatos com outras instituições, coleta de informações, participação em listas de discussão, fóruns e conferências, além de outros usos, entre os quais destaca-se a divulgação de atividades realizadas e recursos recebidos, como prática de prestação de contas à sociedade. O mesmo não ocorre em relação a seus públicos específicos: neste caso, a comunicação se dá principalmente por meio de informes e boletins produzidos pelas próprias organizações.” [3]


A pesquisa afirma que as organizações estão, pouco a pouco, fazendo um uso mais intenso, mas ainda há um longo caminho para que façam uma utilização realmente adequada e completa das possibilidades. Este é um campo onde a Rits, com o acúmulo de suas pesquisas e ferramentas já testadas e disponíveis, busca atuar como ponto de apoio para a transformação desta realidade.


Considerando que a democracia brasileira, ainda se fortalecendo após tantos anos de arbítrio, necessita encontrar e adotar o máximo de ferramentas para seu aprimoramento, o acesso e uso da Internet só se transforma em efetiva contribuição quando se alcançar a apropriação social dos recursos disponíveis. Não nos esqueçamos do papel que a rede teve, em fins de 1988, na divulgação internacional do assassinato de Chico Mendes, transformando o que infelizmente era um caso comum no norte do país em fato de repercussão internacional. Apropriação social deve ser entendida como a resolução de problemas concretos para a transformação da realidade com a ajuda das tecnologias de informação e comunicação. Este é um desafio a mais que temos que colocar na agenda de discussão de nossas organizações. Vamos inundar a Internet brasileira de conteúdo de qualidade, ação e articulação das ".org.br". Ou nos apropriamos neste momento ou iremos assistir à mesma novela que viveram o rádio e a televisão no Brasil.


[1] Ver Lima, Paulo Henrique - Internet no Brasil: É a hora da inclusão!, Lisboa, Intercooperação e Desenvolvimento (Org), 2001


[2] - ONGs no Brasil: Perfil e Catálogo das Associadas à ABONG - 2002


[3] - idem. Página 23


*Paulo Henrique Lima é historiador e secretário executivo da Rits

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