Autor original: Marcelo Medeiros
Seção original: Notícias exclusivas para a Rets
* Rubens Amador
A face mais cruel dos crimes de exploração e abuso sexual é o silêncio da vítima, da família, do Estado. Cafetões e abusadores têm como aliados a vergonha e a culpa perante o crime, pois ao silenciar a sociedade "estimula" esses delitos. A imprensa brasileira tem feito um esforço louvável para romper esse silêncio, mas também é vítima do tabu que encobre o tema. Alguns jornalistas, por exemplo, ainda classificam incesto como "estupro", evitando a complexidade do primeiro. Uma análise crítica do noticiário mostra que a semântica ainda é usada nos jornais como uma forma sofisticada de silêncio. Esta questão aparece na pesquisa O Grito dos Inocentes, realizada pela ANDI - Agência de Notícias dos Direitos da Infância e pelo Instituto Ayrton Senna, com apoio do Unicef, da Fundacion Arcor e do Instituto WCF-Brasil, ONG presidida pela brasileira Rainha Sílvia, da Suécia.
A pesquisa analisou a produção dos 48 maiores jornais do País na cobertura do delito sexual contra a criança e o adolescente. Foram avaliados 3.717 textos publicados no ano 2000 e no primeiro semestre de 2001. Lançada em 21 de março passado, na noite de entrega do Grande Prêmio Ayrton Senna de Jornalismo, em São Paulo, a 12ª Pesquisa Infância na Mídia traz ainda um ranking de "quem é quem" na imprensa quando a infância e adolescência estão no centro da pauta.
O estudo O Grito dos Inocentes mostra que a imprensa cobre com maior qualidade o crime sexual do que as outras formas de violência contra o universo infanto-juvenil. São ganhos, sem dúvida. Mas o fato é que a exploração sexual infantil e a pedofilia seguem carecendo de uma cobertura ainda mais abrangente e investigativa. Muitos jornais passaram a analisar aspectos que explicam o delito (os econômicos e culturais) e que ajudam a entendê-lo enquanto fenômeno social. Estão no caminho certo, mas a pesquisa da ANDI mostra que ainda não o fazem na medida em que poderiam. Algumas constatações deixam claro esse ponto de vista.
Mesmo que a dependência da fonte de informação policial não seja regra (como o é na cobertura de outras formas de violência), o repórter ainda tem na Polícia sua fonte preferencial, deixando em segundo plano a investigação das causas, soluções e conseqüências do drama.
Mesmo que a abordagem de políticas públicas voltadas à questão tenha razoável espaço, a imprensa pouco exercita a investigação e o olhar crítico. Os governos não são fiscalizados e cobrados na medida correspondente ao impacto dos casos ou das evidências de existência do crime organizado.
O fato é que à sociedade já não satisfaz a mera descrição de mais um caso de turismo sexual infantil nas cidades praianas ou ao longo dos passeios fluviais. Até porque, por serem corriqueiros, agregam pouco ao debate. Prostituição infantil não é jogo do bicho. Contudo, continua a ser tolerada no Brasil como traço cultural. Chama atenção, do mesmo modo, que o incesto só ganhe destaque quando envolve pobres, quando, sabe-se, acontecem igualmente entre os ricos.
O tema exige maturidade ímpar por parte da imprensa. Até para reconhecer que muitas vezes o abusador reproduz a violência que sofreu na infância; que não é um monstro, mas um ser humano que precisa de tratamento.
Além da timidez das matérias, é reveladora a baixa presença de artigos e editoriais e o fato de a maioria das matérias - 54% - não ser assinada. Se o anonimato assegura ao repórter proteção diante dos criminosos, por outro lado pode incentivar relatos restritos aos Boletins de Ocorrência Policiais ou então à descrição sensacionalista do ato violento.
Outro aspecto relevante é o fato de que indicadores sobre crimes sexuais estão presentes em menos de 1% dos textos analisados. É preciso reconhecer que a "invisibilidade" do delito decorre também da falta de estatísticas nacionais confiáveis, situação que estimula temerárias projeções por parte da imprensa e de organizações não governamentais.
A crescente menção jornalística ao sistema legal de direitos da infância e adolescência (Estatuto da Criança e do Adolescente) reforça no brasileiro a idéia de que há leis, que as leis são boas, mas que sua aplicação é inibida.
É uma percepção legítima.
A corrupção foi apontada há pouco, no Japão, no II Congresso Mundial Contra a Exploração Sexual Comercial de Crianças, como fator preponderante de incentivo ao delito.
*Rubens Amador é jornalista e editor-executivo da ANDI - Agência de Notícias dos Direitos da Infância.
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