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'Malucos beleza'

Autor original: Maria Eduarda Mattar

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Bom-humor e muito trabalho são os ingredientes da TV Pinel, receita inovadora que complementa o tratamento dos pacientes mentais do Instituto Philippe Pinel, no Rio de Janeiro. Em seu sexto ano de vida, a iniciativa já fez nascer a ONG Imagem na Ação, âmbito no qual funciona, além de manter convênio com a Secretaria Municipal de Saúde do Rio. Os programas produzidos pelo núcleo – que em breve somarão 18 – abordam todos os tipos de tema. “Tudo que é proposto na reunião de pauta é levado em conta”, diz a psiquiatra e coordenadora da TV Pinel, Cláudia Corbisier, com quem a Rets conversou para saber como a participação na produção audiovisual pode ajudar ou entreter os pacientes. O segredo do sucesso da iniciativa é proporcionar aos pacientes participantes um cotidiano o mais próximo possível da realidade – junto aos demais funcionários do projeto – e participação ativa na produção, edição, operação de câmeras e todos os aspectos ligados ao funcionamento da TV. O resultado se traduz em reportagens sobre saúde, esporte, história e comportamento – além, claro, de brincadeiras com a condição de pacientes mentais.

Rets – Como começou a TV Pinel?

Cláudia Corbisier – A TV surgiu em 1996, com a intenção de montar não uma TV, mas um núcleo de vídeo dentro do Instituto [Phlippe Pinel]. Na época, estava à frente a Doralice Araújo. A idéia era fazer um trabalho do qual pudessem participar os pacientes dos institutos. Tempos depois, nasceu a ONG Imagem na Ação, em convênio com a Secretaria Muncipal de Saúde, que é quem custeia o pagamento das despesas operacionais da entidade. Hoje em dia, a TV – e a ONG à qual ela está vinculada – funcionam dentro do Instituto, abrigando ilha de edição, produção, todo o núcleo.

Rets – Quem participa da TV?

Cláudia Corbisier – Temos uma equipe grande: participam da equipe da TV um total de cerca de 15 pessoas. Destes, seis são pacientes do Instituto e fazem parte do quadro fixo de funcionários da TV. Eles recebem salário, cumprem horários, tudo normalmente. Além disso, todos, sem exceção, podem pariticipar das reuniões de pauta, tanto os pacientes atendidos no hospital-dia – também chamado de Cais, onde os pacientes vão para participar de oficinas, cooperativas de alimentos, escolas de informática e outras atividades – quanto os funcionários do Instituto.

Rets – Quantos programas já foram produzidos e de que tratam?

Cláudia Corbisier – O próximo programa a ser lançado será o 18º. Não existe muito um modelo, uma fórmula. Tudo que é proposto na reunião de pauta é levado em conta. No entanto, realizamos em função da viabilidade. Normalmente os temas são relativos à vida cotidiana das pessoas. Tem uma alta dose de humor também nos programas. Eles fazem muitas brincadeiras com a camisa-de-força, por exemplo.

Temos ainda alguns quadros que se repetem nos programas, como o "Perfil", de entrevistas com uma personagem em especial, e o "Povo Fala", com depoimentos de diversas pessoas. E esses quadros não necessariamente falam do tema central do programa, o que contribui para tornar cada edição bastante heterogênea.

Rets – Como é o dia-a-dia da TV e como são os processos?

Cláudia Corbisier – As atividades, desempenhadas tanto pelos pacientes quanto por quem é só funcionário da ONG, incluem "fazer câmera", editar, digitar, cuidar da produção – tudo relacionado à TV, enfim. Trata-se de um trabalho como outro qualquer. Eles aprenderam as técnicas de produção para vídeo com a equipe da TV Maxambomba, ligada ao Cecip, que nos prestou uma assistência e um apoio técnico, na etapa inicial. Porém, hoje em dia, qualquer um dos que trabalham na TV domina o ofício e poderia até dar aulas.

Cada programa demora cerca de dois a três meses para ficar pronto. Todos os colaboradores participam, muitas vezes desempenhando mais de uma função. Depois de prontos, os programas são veiculados no Canal Sáude, ligado à Fundação Oswaldo Cruz, e na TVE.

Rets – Quais efeitos positivos vocês percebem nos pacientes como conseqüência do trabalho ou da sua retratação na TV?

Cláudia Corbisier – Experimentamos uma melhora na auto-estima. Não é nenhuma mágica. Sentimos que a TV Pinel faz com que cresça o nível de responsabilidade com o entorno deles e modifica o relacionamento deles com a vida. O crescimento da auto-estima vem daí. É um processo de construção, que muda a imagem que eles têm de si próprios. Em um momento, eles eram pessoas alijadas, postas de lado, e, no outro, eles se vêem na TV, se vêem como repórteres, tornam-se produtores. Isso muda a auto-imagem deles. Há uma continuação do trabalho psíquico que é muito importante.

Rets – A TV Pinel pode ser considerada um tratamento, então?

Cláudia Corbisier – Não. É importante que isso fique claro: a TV Pinel não é um tratamento, é um trabalho. Tem um efeito terapêutico, claro, mas é essencialmente um trabalho, um avanço na reforma psiquiátrica, que começou na Itália, com Franco Basaglia, na década de 70, no sentido da reabilitação da pessoa. Nós criticamos os tratamentos em que os pacientes mentais ficam isolados, alijados da sociedade. Queremos que a pessoa dê continuidade ao fluxo da sua vida. A crise não impede que as pessoas continuem produzindo, e é para isso que a TV contribui. Já houve caso de uma das pessoas da nossa equipe ter uma crise mais grave, ter de passar por um tratamento mais cerrado, mas nem por isso a pessoa deixou de produzir, de pensar no trabalho na TV. Veio aqui e checou tudo que estava acontecendo no projeto do qual ela estava participando, opinou, criticou, tudo normalmente. Então, quem tem esse tipo de crise, esse tipo de sofrimento, pode ser criativo, produtivo, responsável por si próprio, por sua vida – se não de uma forma integral, de uma forma muito digna.

Maria Eduarda Mattar

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