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Desenvolvimento ambiental sustentável no comércio

Autor original: Marcelo Medeiros

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Em 1995, foi assinado o primeiro Acordo de Cooperação Inter-Regional União Européia-Mercosul, que deu base para negociações políticas e comerciais entre os dois blocos. A aproximação entre ambos tem sido grande nos últimos anos, mas a questão ambiental foi pouco discutida nesse período – o que é surpreendente, uma vez que a agricultura é um setor de extrema importância tanto no Novo quanto no Velho Mundo.


A expansão da agricultura pode trazer muitos impactos para a natureza e é por isso que a inclusão de cláusulas protetoras do desenvolvimento ambiental sustentável é necessária nos acordos comerciais entre o Mercosul e a União Européia. Esta, aliás, é o maior mercado de produtos agrícolas dos Estados sul-americanos. Pensando nisso, o WWF encomendou um relatório que mostrasse a “dimensão ambiental e do desenvolvimento sustentável” nas relações de comércio e o enviou a diversos chefes de Estado e ministérios para que considerem o problema na próxima Reunião de Cúpula de Mercosul-União Européia, que acontecerá em 17 de maio, em Madri.


Em entrevista à Rets, o técnico em Agricultura, Comércio e Meio Ambiente do WWF-Brasil, Álvaro Luchiezi Junior, fala sobre o documento e a importância do desenvolvimento ambiental sustentável nas relações comerciais brasileiras. “Não somos contra o aumento da produção agrícola, apenas queremos que ela se dê incorporando a questão ambiental”, diz.


Rets: Por que a questão ambiental não está incluída nas negociações entre Mercosul e União Européia?


Álvaro Luchiezi Jr.: Há algumas razões para essa questão não estar incluída na pauta de negociações. No lado do Mercosul, há uma carência de negociadores e receio de incluir o meio ambiente nas conversas, pela possibilidade de ele se tornar uma forma de protecionismo – o chamado “protecionismo verde”. Pelo lado da União Européia, apesar do alto nível de consciência ecológica da população, há muitas relações políticas por trás das comerciais. A questão é como colocar esse problema. Para que possa dar encaminhamento, principalmente na produção de commodities agrícolas, é preciso que o meio ambiente apareça nessas negociações. O Mercosul é um grande exportador dessas commodities, que são direcionadas em grande parte para a Europa. E o cultivo delas tem muitos impactos.



Rets: Que impactos são esses?


Álvaro Luchiezi Jr.: O uso da terra em algumas regiões traz erosão, por exemplo. Outros impactos são o desmatamento causado pelo aumento da área cultivável e as queimadas. Mas é importante frisar que não somos contra o aumento da produção agrícola, apenas queremos que ela se dê incorporando a questão ambiental.



Rets: E como se daria esse processo?


Álvaro Luchiezi Jr.: Para mim foi até uma surpresa, pois o relatório foi encomendado pelo WWF para especialistas europeus justamente para perceber isso a partir de uma visão européia. O pesquisador Konrad Von Moltke, do Instituto Internacional para o Desenvolvimento Sustentável, de Dortmund, Alemanha, fez toda a análise e nos apresentou a seguinte proposta: os países importadores dão recursos para remunerar serviços ambientais. Algumas culturas degradam o solo, o que gera um maior custo para recuperá-lo. Quanto maior o consumo, maior a responsabilidade do consumidor. Nada mais justo do que quem compre esses produtos seja responsabilizado de alguma forma.



O relatório apresenta ainda propostas como a introdução de fundos ambientais, a consulta à sociedade civil, o treinamento de negociadores e a elaboração de uma agenda de negociações envolvendo a questão ecológica.


Rets: Como funcionariam os fundos?


Álvaro Luchiezi Jr.: A partir do consumo. O consumidor europeu está disposto a pagar mais por produtos sustentáveis, orgânicos, que não prejudiquem o meio ambiente. Os governos cobram tributos, inclusive ambientais. Por isso, para alguns setores, será muito vantajoso. É só repassar os recursos dessas tarifas para os produtores. A transparência na instalação e no repasse desses fundos será feita através de negociações, com muita conversa.



Rets: E as consultas?


Álvaro Luchiezi Jr.: Da mesma maneira que estou fazendo agora. Vou entrar em reunião com a Senalca [Seção Nacional de Coordenação dos Assuntos Relativos à ALCA)] em alguns instantes para apresentar o relatório. O Ministério das Relações Exteriores está bastante aberto ao diálogo com organizações não governamentais, assim como outros ministérios. É só abrir canais formais e até mesmo informais, como todos os outros setores da sociedade fazem. É importante deixar os canais abertos.



Rets: Quem faria os treinamentos?


Álvaro Luchiezi Jr.: Os países em desenvolvimento se ressentem de pessoas para a negociação. Para uma participação efetiva, é preciso formar capacitadores, que consiste em convocar, treinar e educar para negociar. Isso porque há uma linguagem própria, mecanismos internos que esses advogados, economistas e administradores precisam conhecer. Os recursos podem vir de fundos das Nações Unidas e dos governos. Precisamos reforçar a governança ambiental nacional e internacional, pondo em contato institutos e governos, que possuem recursos financeiros e humanos.



Rets: A agricultura européia recebe muitos subsídios. A instalação de fundos não afetaria essa política?


Álvaro Luchiezi Jr.: O estudo reconhece que é urgente o acesso ao mercado de alguns produtos respeitando a natureza. Os produtos brasileiros têm uma vantagem comparativa enorme. Tem que liberalizar o mercado e dar mais acesso. Dessa forma, as vantagens comparativas aumentam e se tornam competitivas. A produção de soja, por exemplo, é um destaque no Brasil – hoje em dia é até maior e mais eficiente do que a americana. Mas ela chega na Europa e nos EUA e é encarecida por muitas tarifas. Acontecerá uma liberalização progressiva, temos plena consciência de que não será do dia para a noite. Eles manterão o protecionismo. A soja em grão entra sem tarifa nenhuma, mas a soja processada, em óleo, por exemplo, sofre uma tributação enorme. Isso é para proteger a indústria.



A abertura vai acontecer mais tarde, então é preciso que se remunere agora. O mercado consumidor é responsável pela produção mais nociva. É preciso proteger, não atacar a produção e seu aumento. Técnicas para isso existem, mas são caras. Os recursos, portanto, vêm do consumidor. Não podemos taxar quem faz.


Rets: Até que ponto a adoção de medidas como a expansão da agricultura onde os impactos ambientais possam ser manejados beneficia o Brasil?


Álvaro Luchiezi Jr.: Essas medidas não vão acabar com as tarifas, mas vão fazer com que as vantagens comparativas se tornem competitivas. No final, todos ganharemos nessa batalha. Mas os subsídios não acabarão. Os EUA têm US$ 48 bilhões de subsídios internos. A agricultura brasileira não vai gerar esses recursos nem em dez anos, mas vai ganhar vantagem comparativa. Veja o caso do Canadá, que teve que reconhecer que nossa carne não tem “vaca louca” e voltar a abrir seu mercado.



Mas até as barreiras caírem, fazem-se fundos, criam-se comissões para negociar recursos e seguir em frente.


Rets: Quem garantiria a correta aplicação dos fundos?


Álvaro Luchiezi Jr.: Se os fundos são ambientais, os recursos devem ir para o meio ambiente. Temos que identificar quem produz serviços ambientais como máquinas agrícolas modernas, processos de plantio direto (sem remoção de terra). O agricultor nacional não tem, logo é preciso que o recurso seja empregado em técnicas ecológicas, dominadas principalmente pelos europeus. Quanto à poluição, há agrotóxicos mais danosos que outros. É preciso, portanto, substituí-los ou adotar adubos naturais. É um processo custoso, mas a terra agradece.


Rets: Como se insere a questão dos transgênicos nessas questões ambientais?


Álvaro Luchiezi Jr.: Temos que olhar para o mercado. A Europa tem recusado produtos geneticamente modificados e os transgênicos não estão liberados. É preciso ter a precaução de não fazer nada até que se prove se é bom ou ruim. Os europeus exigem rotulagem, certificado de origem, de poluição etc. O importante é o mercado. Se ele é assim, temos que direcionar produtos para esse mercado e ganhá-lo de uma vez. Enquanto isso, damos tempo para a questão ser resolvida cientificamente e legalmente. A postura a ser adotada não é de ser contra ou a favor, mas de explorar condições atuais.



Rets: O que já foi feito com esse relatório?


Álvaro Luchiezi Jr.: Ele será apresentado como proposta do WWF a representantes de vários governos. Por aqui, já o levamos ao Ministério da Agricultura, do Meio Ambiente e das Relações Exteriores. Pretendemos também levar essa discussão para a reunião de Cúpula do Mercosul e União Européia.



Rets: Quais são as reais possibilidades de inclusão desses temas na reunião de cúpula de Madri?


Álvaro Luchiezi Jr.: O objetivo não é incluir os temas na reunião, mas sim fazer os chefes de Estado declararem sua importância e mais tarde serem obrigados a incluí-los. Queremos dar visibilidade e advogar a favor da questão ambiental, por exemplo, em coletivas de imprensa.



Rets: E como foi recebido esse documento?


Álvaro Luchiezi Jr.: Tivemos duas reuniões com ministros e técnicos brasileiros e, em geral, fomos bem recebidos. Há uma nova geração de técnicos sendo treinada, com preocupação de ligar o meio ambiente ao comércio. O estudo reconhece a importância do acesso ao mercado e da concessão de subsídios, mas o governo não gostou de ouvir que a remoção de barreiras comerciais é impossível. Há uma intransigência na questão da eliminação de barreiras. Mas, de forma geral, as reuniões têm sido produtivas.



Já na Europa, o documento circulou, mas ainda não houve as conversas que tivemos por aqui. Mas obviamente ele vai encontrar resistências, pois mexe com recursos. Em dez dias começaremos a nos encontrar com os europeus. Mas acho que o momento é bom, pois na Cúpula de Barcelona ficou decidido um aumento de US$ 30 bilhões em investimentos até 2004. Parte desses recursos poderia ser destinada aos fundos ambientais se os países do Mercosul fizerem uma proposta conjunta. Por isso, depois do Brasil, visitaremos Argentina, Uruguai e Paraguai.


Marcelo Medeiros


Clique aqui para fazer o download do relatório "Negociações Mercosul/União Européia - a dimensão do meio ambiente e do desenvolvimento sustentável".

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