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Começar de novo

Autor original: Fausto Rêgo

Seção original: Notícias exclusivas para a Rets







ONU

No próximo dia 20 de maio, Timor Leste estará iniciando um ciclo que espera-se de paz, renovação e prosperidade. Certamente será – já está sendo – um duro recomeço, mas os timorenses têm todos os motivos para comemorar e razões de sobra para manter as esperanças – que, afinal, jamais perderam.

Timor Leste vai tornar-se oficialmente uma nação independente, e comandada pelo principal líder popular da resistência à ocupação pela Indonésia. O ex-guerrilheiro Xanana Gusmão – que ao sair da prisão, em 1999, disse que não seria candidato – acabou concorrendo e terminou eleito presidente com 83% dos votos. Terá dias difíceis pela frente. Timor Leste é um país muito pobre, devastado pela guerra civil, com 70% de analfabetos e problemas graves de infra-estrutura e saneamento. Para Juan Federer, secretário executivo da organização não-governamental de ajuda humanitária Timor Aid, o país precisará de uma sociedade civil forte, com a participação de agências de auxílio independentes, para assegurar a democracia, garantir o pluralismo e um desenvolvimento equilibrado.

“Falta desenvolvimento econômico e tradição democrática, o nível de emprego é baixo e existe uma carência de recursos humanos habilitados no governo”, analisa Federer, para quem Xanana não é capaz de fazer milagres. “Há, no entanto, uma grande expectativa popular – nem sempre realista. Será difícil não desapontá-los”, prevê.

Federer lembra que a atual Constituição limita bastante os poderes do presidente, o que poderá ser um empecilho para as pretensões do povo timorense. “Seus poderes não são muito mais do que formais. Muita gente não compreende isso. Como ele vai superar esse dilema?”, indaga.

Regina Domingues - que esteve em Timor como coordenadora do Projeto Ibase Timor Leste, realizado de maio a outubro do ano passado - teme que Xanana torne-se uma “rainha da Inglaterra”, um embaixador do país. “Ele é, indiscutivelmente ‘a’ liderança”, diz ela. “Tem um carisma impressionante e a expectativa de poder governar para o povo e com o povo. Mas vai ter de lidar com o Parlamento, e não tem a menor paciência com esse jogo político”.

Para ela, o primeiro desafio do novo governo será estruturar a economia. As organizações da sociedade civil, ela acredita, estarão atentas à atuação dos parlamentares, aos acordos com o Fundo Monetário Internacional, o Banco de Desenvolvimento Asiático e o Banco Mundial e às questões referentes aos direitos humanos. “O resto”, afirma, “é continuidade: saneamento, alfabetização e recuperar as escolas, que foram quase todas destruídas, principalmente na capital, Dili”.

Um tema particularmente caro aos timorenses é a instalação de um tribunal internacional para julgar os massacres cometidos pelos militares indonésios durante o período de ocupação. “A questão do tribunal é muito candente lá, mas ainda não se sabe se vai acontecer”, explica Regina. A população deseja que os militares venham ao país para serem julgados, o que ainda é incerto.

Transição

O Projeto Ibase Timor Leste surgiu a partir do convite feito ao Ibase pela organização não-governamental Oxfam Austrália, logo após o término da guerra, quando os timorenses solicitavam apoio das Nações Unidas para o período de transição. Em um encontro de organizações da sociedade civil do país promovido pelo Fórum de ONGs de Timor Leste (Fongtil), houve demonstração de interesse na participação de entidades brasileiras. Em Timor, o Brasil é visto como um modelo para a educação popular e o nome do educador Paulo Freire é uma forte referência. Hoje, no país, existem cerca de 200 organizações não-governamentais – todas pequenas e pobres. Até 1999, eram aproximadamente 40.

O projeto envolveu a elaboração e produção de campanhas e programas de rádio, o acompanhamento da Assembléia Constituinte e a formação de grupos de ação em temas como gênero e governabilidade. “Nossa intenção era fortalecer a sociedade civil”, diz Regina. “Trabalhamos com quase todas as rádios comunitárias, com o Grupo de Mulheres e Constituição, enfim, com muita gente. Tivemos de conquistar a confiança deles e foi muito bacana. Acho até que o Ibase ficou mais forte com esse projeto. Saímos com muita certeza – sem falsa modéstia – de que o pouco que fizemos foi bem feito”.

Inicialmente sozinho na empreitada, o Ibase procurou, mais adiante, envolver outras organizações brasileiras no projeto, como o Cemina. Taís Ladeira, que então coordenava o Núcleo de Capacitação da entidade, não teve dúvidas em fazer as malas assim que soube da oportunidade. “Um dia chegou à minha caixa postal um e-mail do Ibase procurando profissionais para desenvolver um trabalho de radiodifusão comunitária. Não pensei muito e respondi, anexando o meu currículo. Acabei sendo selecionada”, conta.

Hoje representante no Brasil da Associação Mundial de Rádios Comunitárias (Amarc), Taís chegou inicialmente para desenvolver uma oficina. Acabou realizando várias, na capital e no interior, e ficou por lá durante dois meses. O objetivo da iniciativa era fomentar a divulgação de informações sobre cidadania. A equipe do Ibase percebera que as rádios comunitárias seriam os veículos mais adequados, pois praticamente todo o sistema de comunicações em Timor estava destruído e a maior parte da população era analfabeta. “Foi incrível ver o interesse daquelas pessoas, a juventude colocando antenas na ponta de bambus, o empenho que todos demonstravam”, lembra ela, que ainda hoje se emociona ao falar da convivência com o povo timorense. “Quase não voltei. Fiquei absolutamente encantada, completamente apaixonada pelas pessoas e pela história daquele país. Eles são uma lição para o mundo”.

Para Taís, Timor Leste carece principalmente de informação e educação, mas não de organização ou consciência política. “Não há um movimento social organizado por lá como nós o conhecemos. Eles são organizados da forma que historicamente aprenderam a ser. A gente tem que compreender e respeitar essa diferença”.

O futuro

Em fevereiro, uma delegação de Timor Leste esteve no Brasil para participar do Fórum Social Mundial. Estiveram aqui 12 representantes de organizações da sociedade civil timorense, oportunidade em que o Ibase recebeu a solicitação para dar continuidade ao projeto. A intenção de prosseguir de fato existe, mas ainda se discute como será a próxima etapa. “A gente pensa em tentar trazê-los para cá dessa vez”, revela Regina, “mas precisamos de financiamento e temos também que ver o que eles pretendem de nós, qual será o foco”.

Conseguir recursos para se manter será também a preocupação imediata do governo Xanana Gusmão. Timor Leste é um país pobre, a metade de uma ilha. A grande perspectiva para os timorenses é o acordo para exploração de gás e óleo firmado com a Austrália – na verdade, um acordo feito anteriormente com o governo indonésio, mas mantido após a desocupação. O problema é que há algumas controvérsias em torno desse acordo. A área de exploração é delimitada em três partes e Timor ficaria com 90% dos royalties. Em uma das áreas há muito gás, as outras duas são uma incógnita e têm uma profundidade abissal, o que torna extremamente difícil a exploração. “Justamente por causa disso, a Austrália não quer aceitar os limites marítimos, pois pretende ter a posse da melhor área de exploração”, explica Regina.

Contornar esse impasse possivelmente vai exigir habilidade política e muita negociação. “Xanana é um cara que passou 25 anos como guerrilheiro, tem uma grande empatia e não foi criado pela mídia. Mas claro que vai ter que compor, fazer política. Se depender dele e do povo, muito vai ser feito, mas as pressões que vai enfrentar serão muito grandes. Agora, acho que ele está muito consciente disso”, afirma Taís.

Em entrevista coletiva concedida logo após a divulgação dos resultados da eleição, o novo presidente desabafou: "As expectativas são grandes, a ansiedade e as necessidades são enormes".

A esperança da população timorense também.

Fausto Rêgo

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