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O Profone e a educação: a caminho da exclusão digital

Autor original: Graciela Baroni Selaimen

Seção original: Artigos de opinião

Nelson De Luca Pretto*


 


Movimenta-se o governo federal para implantar um plano de apoio financeiro às empresas de telecomunicações que entraram no vermelho pós-privatização. Alegam que venderam telefones para clientes que não podem pagar as contas. O governo, usando recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST), promete que vai pagar essas contas e propõe o Profone. Ou seja, o governo recolhe compulsoriamente 1% da receita bruta das teles para a universalização do acesso e, agora, repassa para o usuário poder, então, pagar a conta do seu telefone às próprias teles e... o dinheiro volta para casa.


Murilo Ramos, professor da UnB, coordenou o GT de Educação instituído pela ANATEL no início do processo de privatização do sistema de telefonia no Brasil, em 1998. Ramos afirmava que era já o tempo de se recuperar o débito histórico com a educação, na sua relação com as telecomunicações uma vez que já eram antigas as iniciativas visando um maior acesso da população brasileira aos recursos das telecomunicações. Para ele, “o que se depreende do longo hiato entre a Lei nº 4.117/62 (Código Brasileiro das Telecomunicações ) e o primeiro Decreto, de 93, e, depois, da rápida saraivada de decretos para tratar de tão singelo, ainda que fundamental, assunto para os destinos do país, é que até os dias de hoje o desafio da Educação não foi acolhido, mesmo que minimamente, pelo setor de telecomunicações.” (1) Como Lei Geral de Telecomunicações, de 1997, ignorou totalmente a tarifa especial de 1962, imaginava-se que o FUST seria a solução para a questão. Pelo que vimos, a polêmica tramitação do projeto no Congresso Nacional – que demorou quase três anos! - reforçou as preocupações de todos nós sobre o descaso com que o setor de telecomunicações trata a Educação no país. Até hoje, praticamente não se utiliza os cerca de um bilhão de reais arrecadados por ano.


Agora, o mecanismo anunciado é quase mirabolante: transfere-se de volta para as empresas os recursos recolhidos compulsoriamente através do FUST. Parece um verdadeiro dinheiro virtual que, em última instância, é dinheiro, real, do próprio Orçamento da União. É com esse recurso, que por lei está reservado para ser aplicado à Educação e à informatização de bibliotecas públicas, que se vai criar o tal Profone. Uma espécie de atualização do Proer, do Proferro, do recente Proelétricas e tantos outros prós que deverão vir até outubro. O Profone vai custar R$ 453 milhões sendo que R$ 341 milhões virão do que sobrou do Fust.


Sobrou? Sim, porque com o imbróglio lançado pelo próprio governo na aplicação dos recursos do FUST para a dar um salto significativo na a inclusão digital e o acesso universal à Internet – leia-se Internet nas escolas e bibliotecas – o dinheiro terminou ficando em caixa. Em junho de 2001, foi lançado um edital de 1,5 milhão de reais para a compra de 290 mil computadores e periféricos que seriam colocados em escolas e bibliotecas públicas. Os deputados Sérgio Miranda (PCdB/MG) e Walter Pinheiro (PT/BA) entraram com um ação popular contra o edital por que ele estava “repleto de irregularidades” e destacavam o “favorecimento de monopólios privados: das concessionárias de Serviços Telefônico Fixo Comutado [as teles] e da corporação transnacional e monopolista Microsoft.”(2)


O que o edital previa era usar os recursos do FUST para a instalação pelas concessionárias dos chamados “acessos e seus periféricos”, que significaria pagar para essas empresas de telecomunicações fornecerem as linhas, computadores, softwares e assistência. Na escolha dos softwares, segundo o edital, mais de 80% dos equipamentos deveriam estar com o Windows ME e com um conjunto de aplicativos da própria Microsfot. E tudo isso porque o MEC argumenta que as Secretarias de Educação desejam o Windows por ele já ser conhecido. E talvez assim o queiram mesmo. Mas, como mudarmos esse estado de coisas, essa dependência de uma única empresa que, argumentam, possui um sistema operacional mais fácil de ser usado? Será de fato fácil e amigável um sistema que, para ser desligado, o usuário precisa clicar na palavra iniciar?! Claro que não: tudo é questão de práticas e educação é para isso mesmo.


Com o impasse criado e a não aplicação dos recursos, o governo adota a nova e brilhante estratégia de criar mais uma bolsa. E passa a apropriar-se de um recurso, com desatinação prevista em lei, como se dele fosse dono. A universalização dos serviços de telecomunicações, com a instalação de telefones em todo o país, já é uma das metas que as empresas operadoras precisam cumprir pois assim se comprometeram ao assinar os contratos na época da privatização. Em outras palavras, compraram um negócio sabendo das suas obrigações. E para cumprir essas obrigações não poderiam se utilizar do Fust, pelo expresso mandamento da lei. Uma lei (Lei nº 9.472/97) onde está escrito, com todas as letras: “§ 2º Os recursos do fundo de universalização de que trata o inciso II do art. 81 não poderão ser destinados à cobertura de custos com universalização dos serviços que, nos termos do contrato de concessão, a própria prestadora deva suportar.”


O Profone poderá se constituir em mais uma dessas bolsas – escola, gás, alimento ... – fazendo a população pensar que é um pouco mais incluída. No entanto e, principalmente, se constitui num excelente mecanismo para solucionar o problema de caixa das empresas de telecomunicações. Mais uma vez, o acesso das escolas e bibliotecas à Internet, a participação do cidadão brasileiro na chamada Sociedade da Informação, estará cada vez mais distante. É a velha e conhecida lógica do mercado, atuando como regulador de tudo, e que, no Brasil, consegue ser mais original. Ao mercado, o poder de regular, quando o dinheiro é abundante. Quando é pouco ou mal administrado, ao Estado cabe socorrer. Quem sabe, com esses programas do governo federal, não se estará nesse momento lançando um novo programa nacional: o Proexclusão Digital.


NOTAS:


(1) Ramos, M. C. (1998) Documento conceitual nº 1 da ANATEL - Comitê Nacional da Infraestrutura de Informações - C-INI/Educação. http://www.anatel.org/. acessado em 12/11/98


(2) Sítio do Deputado Sérgio Miranda http://sergiomiranada.org.br, acessado em 11/4/02


 


*Nelson Pretto é Doutor em Comunicação e diretor da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia.







A Rets não se responsabiliza pelos conceitos e opiniões emitidos nos artigos assinados.

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