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Do Rio a Joanesburgo: muita discussão, pouca ação nas florestas

Autor original: Fausto Rêgo

Seção original: Artigos de opinião

*Janet Abramovitz

Na Conferência Rio-92, as florestas foram, e continuam sendo, o principal enfoque e ponto de discórdia. Mas, apesar da atenção oficial e compromisso retórico com as florestas, a última década se destacou em grande parte pela inação governamental – e florestas decadentes. Durante a próxima década, os governos precisarão adotar medidas mais efetivas, a fim de sustentar as florestas mundiais remanescentes.

No Rio, os governos não conseguiram chegar a um acordo sobre uma convenção para as florestas, que deveria ter sido a terceira jóia da coroa da Cúpula (juntamente com o clima e a biodiversidade). Ao invés, negociou-se um conjunto de princípios não-obrigatórios e um capítulo sobre “Combate ao desmatamento” no contexto da Agenda 21 (a agenda oficial pós-Cúpula).

Desde o Rio, os governos nada mais fizeram além de discutir e debater. Em 1995, as Nações Unidas analisaram o avanço nas florestas e estabeleceram um Painel Intergovernamental sobre as Florestas (ad-hoc), que por sua vez concebeu o Fórum Intergovernamental sobre Florestas (ad-hoc), que por sua vez gerou o Fórum das Nações Unidas sobre as Florestas (permanente), em 2001. Porém os princípios e as propostas que emergiram desses parlatórios foram genéricos, sem objetivos, metas ou cronogramas concretos, nem eram obrigatórios. Conseqüentemente, poucos países se sentiram compelidos a agir.

Como se saíram os governos no “Combate ao desmatamento”? A Agenda 21 conclamou as nações para “conservar as florestas existentes” e “sustentar e ampliar as áreas florestadas e coberturas arbóreas”. Infelizmente, os altos níveis de perda de floresta natural durante os anos 80 – mais de 16 milhões de hectares por ano – continuaram inabaláveis durante os anos 90, de acordo com a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) – a área perdida durante os últimos 20 anos é maior do que a Índia.

Dados de monitores independentes revelam que a perda florestal efetiva foi muito maior do que as estimativas oficiais e que o descontrole da extração e comércio ilegais de madeira está acelerando o ritmo destrutivo. A escala maciça dessas atividades é cada vez mais evidente. Na Indonésia, cerca de dois terços de toda a madeira são colhidos ilegalmente e o governo perde, no mínimo, US$ 600 milhões por ano; no Brasil, o governo calcula que 80% da atividade madeireira seja ilegal. Altos níveis também foram divulgados na Rússia, África e outros países.

Os episódios mais produtivos para as florestas nos últimos 10 anos e que oferecem maior promessa para o futuro ocorreram, em grande parte, fora dos procedimentos oficiais.

Grupos de cidadãos e governos engajados formaram novas parcerias que estão dando frutos na melhoria do monitoramento e manejo florestais, como também na aplicação das leis ambientais. O FSC (Forest Stewardship Council, ou Conselho de Manejo Florestal), reunindo representantes setoriais e ONGs, acelerou significativamente a evolução do manejo florestal sustentável. O processo de certificação do FSC capacitou os consumidores a exigirem melhor gestão florestal, através do setor mercadológico, premiando as atividades sustentáveis por seus esforços. Boicotes de consumidores europeus da madeira canadense forçaram o Governo da Colúmbia Britânica a mudar suas práticas de manejo florestal.

A ação de grupos ativistas e monitores não-governamentais obrigou os governos a reconhecerem a existência da extração e comércio ilegais de madeira e adotarem ações para combatê-los. O Brasil proibiu a derrubada e exportação do mogno. Várias nações européias e os Estados Unidos confiscaram as importações do mogno brasileiro. Outro sinal de avanço foi o compromisso assumido na Declaração Ministerial da Conferência de Bali sobre Governança e Aplicação de Legislação Florestal, em setembro de 2001.

Recomendações

Na Cúpula Mundial os países devem se comprometer mais com ação e menos com palavras. As florestas e povos mundiais não suportarão outra década de protelação. Os países não precisam esperar por consenso para agir na sustentação das florestas, nem precisam de uma nova convenção florestal global. (Na realidade, o esforço para uma nova convenção iria, efetivamente, desacelerar o avanço ao desviar parcos recursos e protelar ações. Uma nova convenção levaria 10 anos, ou mais, para ser negociada e entrar em vigor, provavelmente ideal como “mínimo denominador comum”.)

A fim de realizar avanços tangíveis no combate ao desmatamento, os países devem se comprometer a agir em parceria com a sociedade civil para:

* Eliminar extração e comércio ilegais de madeira

Os países devem acelerar a aplicação de leis internas e internacionais contra extração e comércio ilegais de madeira. A corrupção e atividades ilegais destroem as florestas e arruínam tesouros nacionais, financiam atividades criminosas e solapam o regime da lei. Os bilhões de dólares já perdidos por tesouros nacionais poderiam ter sido utilizados em finalidades produtivas, como pagamento da dívida e eliminação da necessidade de aceitar mais programas onerosos de ajuste econômico. Além disto, caso a extração e comércio corruptos e ilegais de madeira não sejam controlados, será muito difícil para as indústrias florestais, seguidoras da lei, competirem e praticamente impossível para o manejo florestal sustentável se transformar em prática normal. Uma iniciativa da Cúpula sobre extração e comércio ilegais de madeira seria bem-vinda se não substituísse, e sim incrementasse, programas que já produzem resultados.

* Reduzir os níveis insustentáveis de consumo

77% da colheita comercial de madeira no mundo é consumida pelos 22% da população mundial que vive na América do Norte, Europa e Japão. A China é hoje o 2o maior consumidor mundial (incluindo grandes quantidades de madeira extraída ilegalmente). As nações podem reduzir a demanda global através de medidas como aumento da reutilização, recuperação e reciclagem, melhoria da eficiência no uso de materiais e eliminação do desperdício.

* Melhorar e acelerar o monitoramento florestal

O monitoramento florestal por parte dos governos é, tristemente, inadequado. Atualmente, 75% dos países em desenvolvimento nunca realizaram inventário florestal ou só realizaram um. Até mesmo muitos países industrializados possuem dados questionáveis sobre área florestal e poucos dados sobre saúde e qualidade das florestas. Grupos independentes obtiveram muito mais sucesso no monitoramento das condições florestais, avaliando a veracidade dos dados oficiais, rastreando a destruição ilegal de florestas e fornecendo dados confiáveis. Governos e doadores devem levar adiante estes avanços não-governamentais e se comprometer a assegurar avaliações rigorosas e constantes da cobertura e qualidade florestal, através de medições de campo e de satélite em cada nação, durante os próximos cinco anos. Estes dados devem ser publicados.

* Adotar melhores estratégias de manejo florestal, incluindo:

Acabar com a prática de derrubar florestas naturais para agricultura. Cerca da metade de toda a agricultura implantada, mundialmente, nos anos 90, ocorreu às custas de florestas naturais, conforme a FAO. Para que as plantações realizem a função de reduzir as pressões sobre florestas prístinas ou antigas (como determinado pela Agenda 21) precisam estar estabelecidas em solo degradado ou desocupado, ao invés de floresta natural.

Restaurar as paisagens florestais para proporcionar toda a gama de bens e serviços (como produtos florestais, proteção às bacias hidrográficas e seqüestro de carbono) a comunidades locais e globais.

Aumentar a área de floresta certificada, conforme as normas do FSC, e ampliar a área certificada nos países em desenvolvimento. Atualmente, 80% das áreas certificadas pelo FSC estão na Europa e nos Estados Unidos.

* Manter os direitos dos povos dependentes das florestas.

Pelo menos 500 milhões das pessoas mais pobres do mundo dependem diretamente das florestas, conforme o Centro Internacional de Pesquisa Florestal. Os governos devem deixar de desapropriar e explorar florestas em nome da redução da pobreza e desenvolvimento nacional, empobrecendo povos dependentes delas. Constantemente, proíbem usos locais e em pequena escala enquanto subsidiam interesses comerciais na destruição de imensos trechos de florestas. Estas políticas contrariam os objetivos tão freqüentemente alardeados de manejo florestal sustentável e alívio da pobreza.

*Janet Abramovitz é pesquisadora associada do WWI.







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