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Perigo nas escolas

Autor original: Marcelo Medeiros

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Quantos pais e mães já não disseram estar tranqüilos quando os filhos estão na escola, pois ela é um lugar seguro, onde as crianças estão livres da violência, longe dos perigos da rua? Com certeza, muitos. Porém a pesquisa desenvolvida pela socióloga Miriam Abromovay, com apoio da Unesco, em diversas escolas de todo o país alerta para a insegurança tanto no caminho para a escola quanto dentro dela.


Os problemas apontados vão desde ausência de faixas de pedestres nas proximidades até a presença de gangues e de traficantes dentro das salas de aulas. E não foi a pesquisadora quem os encontrou, mas os alunos, professores e diretores. O levantamento se baseou em relatos concedidos em grupos focais. Esse é um levantamento inédito no Brasil.


Em entrevista à Rets, a autora comenta os resultados da pesquisa e diz: “Fizemos um retrato de insegurança e insociabilidade”.


Rets – Quais são os maiores perigos existentes dentro e fora da escola?


Miriam Abromovay – Imagine um retrato do caminho da escola para casa. Foi o que fizemos. O que encontramos? Há problemas nos pontos de ônibus e no caminho, falta faixa de pedestre, não há iluminação nas ruas. Logo, a gente vê muito atropelamento perto das escolas, por exemplo.


Além disso, existem gangues em sua volta, que entram para brigar e vingar brigas anteriores. E muitos alunos fazem parte dessas gangues. Há também o tráfico, encontrado em carrinhos de churros, por exemplo. Tudo isso são eles que dizem. É uma situação propensa à violência. Não há polícia controlando a entrada de alunos. Quando há, não pede identificação. Isso acontece muito mais em escolas públicas.


Outro problema é a má conservação dos prédios. Há esgoto correndo a céu aberto bem perto, paredes mal-pintadas, sujeira. O sociólogo norte-americano Wilson afirmava que quanto mais mal-cuidado o local, menor será a tendência para cuidar dele. Quando perguntamos do que menos os alunos gostam, a maioria das respostas foi o espaço físico.


A violência simbólica também é freqüente. São muitas pessoas discutindo e xingando umas às outras. Dentro da relação professor-aluno, ela não corresponde ao que deveria ser. Falta respeito dos dois lados. O resultado é um professor com medo, revoltado, e alunos humilhados por apelidos. Isso sem contar a violência física, com armas e ameaças. Professores e alunos se ameaçando é uma cena comum.


A violência sexual por parte do professores também existe. É uma grande incivilidade e ninguém faz nada. Não há diálogo – o que é mais grave.


Rets – Esse quadro mostra que a escola deixou de ser um ambiente seguro, onde os pais deixavam seus filhos tranqüilos?


Miriam Abromovay – Na verdade, não estão seguros nem fora, nem dentro da escola. As pessoas têm muito na cabeça que a escola é um lugar seguro, por causa da tradição e da literatura. Porém fizemos um retrato de insociabilidade e insegurança. Quando se pensa em escola, a imagem é de um lugar de paz, mas o que se vê é agressividade e reclamações de todas as partes.


Rets – A localização das escolas é um dos maiores problemas relacionados à violência. Como alunos, pais, professores e direção têm reagido a isso?


Miriam Abromovay – Quando perguntados, os pais sabiam muito pouco da escola. Entrevistamos 10 mil pais e ela continua a ser algo abstrato. Eles são chamados apenas para dar dinheiro e ouvir reclamações dos filhos.


Os alunos não têm espaço para dar sua opinião. Entre as reclamações ouvidas estão a ausência da Direção, reclamações da Secretaria etc. Com um dos grupos focais de alunos, conversamos durante três horas e meia. Depois, pediram para mostrar o resultado para a Direção, mas tive que dizer: “Não posso. Se mostro isso, vocês são expulsos”. Mas é claro que também há ótimos profissionais, que protegem os alunos, escutam e até desenvolvem amizades com eles.


Rets – O que pode ser feito para minimizar o problema?



Miriam Abromovay – Primeiro, abrir para discussão, algo nunca feito – daí o impacto do trabalho, que se baseia no relato dos atores. Todos reclamam, mas ninguém havia quantificado essas reclamações antes. Em segundo lugar, precisaria de políticas públicas: iluminação para os alunos não serem roubados à noite, faixa de pedestre para não serem atropelados.


Não devemos pensar em medidas de repressão. Colocar telefone para reclamação e fazer reformas já seriam boas ações. Existe a lei do silêncio, ninguém acusa, ninguém vê nada. A lei do tráfico é forte. A escola deve ser mais aberta aos pais e alunos.


Rets A polícia resolveria esses problemas?



Miriam Abromovay – Os alunos dizem que querem a polícia na escola, mas uma polícia cidadã, que não venda arma, que não bata neles. Enfim, uma polícia que cuide deles, afinal ela está lá para proteger. Essa é, no aspecto quantitativo, uma das medidas que poderiam resolver a situação.


Rets – A estrutura física afeta os índices de violência?



Miriam Abromovay – Quanto menos cuidado, maior o “não-cuidado”. Pegamos algumas escolas de três capitais para aprofundar a pesquisa – as mais e menos violentas de cada cidade. Voltamos a elas no final. Uma das mais violentas, depois de um ano [tempo de duração da pesquisa], mudou de diretor. Ele mudou a estrutura, que antes apresentava cadeiras quebradas, ratos, pichações. Fez uma quadra esportiva, pintou e consertou tudo. Hoje essa escola é um exemplo. Claro que não é só isso, mas melhora. Ninguém gosta de estar num espaço mal-cuidado.


Rets – Que outras iniciativas tiveram sucesso?



Miriam Abromovay – Ainda vamos começar um estudo sobre boas iniciativas, mas é possível dizer algumas coisas. Os projetos dos alunos geralmente dão certo, é o que eles querem fazer. Os jovens são pouco ouvidos, as demandas não são atendidas. Isso torna as relações muito tensas. A terceira coisa de que menos gostam são os próprios alunos – eles têm a mesma visão da sociedade sobre a juventude. O resultado é esse. Um telefone resolveria esse problema, além de ter mais controle.


As regras são fluidas, alunos não podem fumar e os professores podem. Nesses casos, há muita repressão.


Rets – A repressão dá resultado?


Miriam Abromovay – Não. Os EUA mostraram que essas medidas não resolvem. Os detectores de metal fizeram os alunos andarem mais armados. Aqui ninguém é expulso, pois é proibido. Os alunos são convidados a se retirar. Mas ir para outra escola não é garantia de melhoria do aluno.


Rets – A pesquisa aponta que muitos professores dizem não gostar das aulas e muitas reclamações são freqüentes quanto à falta de respeito dos alunos. A que isso se deve?


Miriam Abromovay – Primeiro é preciso fazer uma análise das condições dos professores. Eles trabalham sem quadro para escrever, sem giz, tendo que ir de uma escola para outra. É preciso ver o que têm e o que não têm. Por isso dizem não gostar. O clima professor-aluno é tenso. A juventude sempre é vista pelo lado negativo. Só agora a juventude tem se tornado um ator na sociologia. Tudo isso reflete no tipo de aula dada.


Os professores se sentem desrespeitados. Há diversos casos de carro riscado, pneu furado etc. Há casos de diretores que tiveram de mudar de escola, bairro e até de cidade por causa das ameaças e da violência.


É um grande clima de hostilidade, reflexo da escola e da exclusão social que os alunos sentem.


Rets – Alunos não-brancos são mais comuns em turmas noturnas e sofrem mais com a violência do que os brancos. Quão forte é o racismo nas escolas brasileiras?



Miriam Abromovay – Os alunos não-brancos sofrem mais violência verbal. O Brasil não se assume como racista, mas as brincadeiras são pesadas e ninguém assume isso. Quando perguntados se praticam racismo, o índice de respostas positivas é muito baixo. Porém, através da qualificação dos dados, chegamos a depoimentos horríveis. Algo que aparece muito é meninos afirmarem que sair com negras, só no bairro. No shopping, a menina tem que ser mais branca.


Rets – Quais as diferenças entre as escolas públicas e privadas em relação a esses problemas?



Miriam Abromovay – Nas escolas privadas, há mais cuidado, mais controle. Ainda assim, há escolas públicas que parecem escolas privadas, e vice-versa. As escolas particulares fazem parte de um universo muito diferenciado. Há mensalidades de R$ 80 a R$ 2.000. Mas, de forma geral, tudo é menor nas particulares, apesar de nelas também haver problemas.


Marcelo Medeiros

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