Autor original: Fausto Rêgo
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“Se há um pecado grave, esse é frear a Vida em seu desdobramento, eliminar espécies irremediavelmente, arrasar paisagens, matar oceanos".
– José Lutzenberger
O Brasil perdeu no dia 14 de maio, aos 75 anos, um dos maiores defensores do meio ambiente. Gaúcho de Porto Alegre, José Antônio Lutzenberger foi um dos pioneiros do movimento ambientalista e responsável pela formação de toda uma geração de ativistas. Ou, nas palavras do ecologista Arno Kayser, membro do Movimento Roessler para Defesa Ambiental, “um sujeito que combinava a inteligência do cientista com o fervor de uma devoção à contemplação da beleza do universo”.
Engenheiro agrônomo formado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Lutzenberger logo tornou-se assessor técnico da Companhia Riograndense de Adubos, onde permaneceu até 1956, quando foi contratado pela Basf. Durante 13 anos, atuou em países como Alemanha, Espanha, Portugal, Marrocos, Argélia, Cuba e Venezuela.
Em 1971, de volta ao Brasil, começou de fato a assumir o papel de ambientalista. Ao lado de um grupo de amigos preocupados com a devastação de florestas, ajudou a criar a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), da qual foi presidente, exibindo uma obstinação incomum na luta contra a destruição do verde, o uso de agrotóxicos e a energia nuclear. “Lutzenberger sempre demonstrou um grande espírito combativo”, lembrou Marúcia Whately, coordenadora adjunta do Programa Mata Atlântica, do Instituto Socioambiental.
Teve uma atuação fundamental no planejamento e na manutenção de áreas como os parques da Guarita e de Itapeva, em Torres (RS), e no Parque da Doca Turística, em Porto Alegre, bem como na elaboração do Plano Diretor do Delta do Jacuí. Foi responsável pela fundação, em 1979, da empresa Vida Produtos Biológicos, especializada em sistemas de manejo e reciclagem de resíduos industriais.
Fiel à convicção de que o planeta Terra seria um organismo vivo – chamado Gaia (nome da deusa Terra na mitologia grega) – capaz de se auto-regular para manter a harmonia necessária à sobrevivência de todas as formas criadas pela natureza, Lutzenberger realizou em 1987 um sonho: criou a Fundação Gaia, que presidiu até morrer. Sediada no Rincão Gaia, em uma região bucólica de Pântano Grande (RS) onde antes funcionava uma pedreira, a fundação realiza cursos e oficinas de educação ambiental e agricultura regenerativa – que, segundo o site da entidade, “consiste em promover a produção de alimentos saudáveis, a criação de ciclos fechados de geração de insumos a partir de resíduos e a aplicação no campo de práticas conservadoras da natureza”. A organização também se dedica a atividades de consultoria em desenvolvimento sustentável – um tema ao qual o ambientalista vinha dedicando particular interesse nos últimos anos, procurando chamar a atenção da sociedade para os perigos da globalização – entre eles, os cultivos transgênicos e a privatização das reservas mundiais de água. Suas filhas, Lilly e Lara, são conselheiras da Fundação Gaia e devem dar continuidade ao trabalho do pai.
Em 1990, Lutzenberger acreditou que poderia contribuir de forma mais efetiva e aceitou o convite para integrar o governo do presidente Fernando Collor de Mello, assumindo a Secretaria Especial do Meio Ambiente. Ficou no cargo por apenas dois anos, mas deixou teve atuação decisiva na demarcação de terras indígenas, nas reuniões preparatórias da Conferência Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92) e na desistência do governo brasileiro do projeto de fabricação da bomba atômica.
Homenageado no Brasil e no exterior, autor de livros e artigos diversos (muitos deles podem ser lidos no site da Fundação Gaia), esse brasileiro de hábitos simples deixou uma obra extensa que não se perde com sua morte. Após quatro anos de convivência com o ambientalista, Alexandre de Freitas, coordenador de Educação Ambiental, Eventos e Cursos da Fundação Gaia, fala de Lutzenberger com carinho: "Ele é produto de toda uma vida dedicada à curiosidade – pela ciência, pela natureza. Uma pessoa de infinita cultura e sabedoria, mas de um gigantismo intelectual que se somava a uma enorme generosidade. Levo dele a lição de extrema generosidade em transmitir o seu conhecimento".
Embora destaque o pioneirismo do mestre na defesa do meio ambiente, Alexandre faz questão de recordar a preocupação do ecologista com os jovens. "Lembro que uma das coisas que mais o angustiava era justamente a pobreza intelectual à qual, segundo ele, a juventude estava sendo condenada por um sistema educacional que ele chamava de boçalizante".
A Fundação Gaia, explica Alexandre, já enxugou as lágrimas e agora se empenha em tocar adiante os projetos e os sonhos deixados por seu criador. Lutzenberger foi sepultado, como desejava, no Rincão Gaia, sede de sua fundação e local onde gostava de passar a maior parte do tempo. Seu corpo, acreditava, servirá para nutrir Gaia. Seu legado, espera-se, ainda alimentará as próximas gerações.
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