Você está aqui

Criança Sorriso aposta no poder do "dar colo"

Autor original: Maria Eduarda Mattar

Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor






Acordar de manhã aos sábados e ir trabalhar não é exatamente o programa preferido de onze em cada dez jovens, mas é a rotina seguida pelos participantes do projeto Criança Sorriso. E mais: não ganham nada por isso, além da oportunidade de dar colo e carinho a crianças abrigadas judicilamente em lares-abrigo. O Criança Sorriso é desenvolvido pelos alunos da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em São Paulo, e conta com o apoio da universidade. Atualmente são 48 voluntários visitando os três lares-abrigo atendidos pelo projeto - Casa Abrigo Santana, no bairro de Santana; Associação Evangélica Beneficente, no bairro da Saúde e Casa de Amparo ao Menor, no bairro de Casa Verde, todos na cidade de São Paulo - fora os voluntários na coordenação, totalizando quase 60 jovens envolvidos. As visitas beneficiam cerca de 120 crianças, cujos pais perderam ou tiveram suspenso o pátrio-poder, seja porque não tinham condições psicológicas ou financeiras de criar seus filhos, seja porque causavam maus-tratos a eles.

Eduardo Celso Monteiro Filho, idealizador, ex-presidente e atual tesoureiro do Criança Sorriso, conta que a idéia nasceu em 1999 quando, depois de um ano na Universidade, ele percebeu que a Faculdade de Direito não tinha nenhum projeto social sólido, perene. "Existiam iniciativas pontuais, ligadas às gestões do Diretório Acadêmico. Mudando a gestão, os projetos não tinham continuidade", relata ele. Trazendo na bagagem a experiência de trabalho no acampamento da família dele, Eduardo elaborou o projeto de recreação voltado para crianças. Em princípio, pensou-se em visitar creches. No entanto, em função dos estudos e trabalhos dos estudantes, as visitas não poderiam acontecer nos dias de semana, quando as creches estão funcionando. Desse modo, foram descobertos os lares-abrigo, para onde vão crianças afastadas judicialmente de suas famílias. Eduardo levou a idéia ao então presidente do Diretório Acadêmico (D.A.), que apoiou institucionalmente durante um ano o projeto, para o transporte dos participantes e outros gastos. Assim, em março de 2002 foi realizada a primeira visita. Nesta ocasião, o projeto contava com apenas 15 voluntários. A instituição escolhida foi a Casa Abrigo Santana - onde até hoje são desenvolvidas atividades do Criança Sorriso. O tempo fez com que mais voluntários aderissem - chegando aos quase 60 atuais - e mais dois lares-abrigo pudessem ser beneficiados.

A mecânica do projeto é a seguinte: os participantes são divididos em três grupos fixos e cinco grupos móveis. Cada um dos grupos fixos - com cerca de 5 ou 6 integrantes - é responsável por um dos lares-abrigo. Fazem as visitas religiosamente todas as semanas. Os cinco grupos móveis (que podem ter até 8 alunos envolvidos) alternam as visitas entre as três instituições. Cada um deles é responsável por uma oficina: artes (teatro), dança, culinária, grandes jogos e variedades. "Na oficina de grandes jogos, por exemplo, as crianças aprendem enquanto brincam. Um dos temas que abordamos foi a Independência do Brasil. As crianças tinham que ajudar D. Pedro I a encontrar a espada para declarar a independência. Na de culinária, eles aprendem a fazer sanduíches, pastéis, saladas e outras coisas de que gostam", detalha Eduardo.

Responsabilidade e organização

Além de ser aluno da Universidade Mackenzie, para ser voluntário do projeto a pessoa "tem que ser responsável e gostar de criança", define o idealizador. No entanto, segundo ele, em casos raríssimos, pode-se fazer exceções para pessoas de fora da universidade. A responsabilidade exigida por Eduardo é, de fato, necessária. Como escreveu Saint-Exupery em O Pequeno Príncipe, "tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas". A frase se aplica ao projeto: os participantes, principalmente dos grupos fixos, tornam-se responsáveis pelas crianças que atendem. Pelo fato de estarem afastadas de suas famílias, a carência de afeto é conseqüência natural. Os estudantes do Mackenzie suprem essa necessidade e, portanto, as crianças se apegam a eles. Por isso, é exigido dos voluntários um comprometimento de no mínimo seis meses.


Depois que passou a receber o apoio do Instituto Mackenzie, o projeto foi obrigado a se constituir em associação sem fins-lucrativos e foi criado um Estatuto Social, para que pudessem receber os recursos. Transporte, material para as oficinas, uniformes dos voluntários (que utilizam camiseta azul-marinho com a estampa de um grande sol amarelo sorrindo) e material de divulgação são cobertos pelo apoio concedido pelo Instituto Mackenzie. Os recursos custeiam também os encontros de avaliação do projeto, acontecidos semestralmente, fora da cidade de São Paulo. "Nós nos reciclamos, fazemos um balanço, palestras, discutimos problemas, integramos etc", diz Eduardo. O compromisso em discutir o trabalho realizado ressalta a seriedade com que o projeto é conduzido, que também pode ser observada na afirmação de Eduardo: "O projeto é dos alunos, é independente, é pra ficar. Não depende das gestões do D.A., não depende da Universidade. Depende dos participantes".

Talvez o principal mérito do Criança Sorriso não seja a responsabilidade e a seriedade, mas, sim, a oportunidade que os estudantes de Direito - futuros advogados, delegados e juízes - têm ao conviver e testemunhar uma realidade na qual possivelmente vão influenciar no futuro. O juiz da Infância e da Juventude e presidente da Associação Brasileira dos Magistrados da Infância e da Juventude (Abraminj), Dr. Rodrigo Lobato Junqueira Enout, concorda e ressalta a a importância do trabalho dos jovens: "É uma iniciativa extremamente interessante, não só de assistência, mas de exercício da cidadania. Toda criança tem direito de brincar e eles proporcionam isso muito bem". Dr. Lobato é um dos juízes cujas decisões culminam com o envio de crianças para o lar-abrigo de Santana.

De fato, eles já parecem estar percebendo esse lado ao mesmo tempo humano e cidadão do trabalho que realizam. Perguntado sobre qual o aspecto mais recompensante de trabalhar no projeto, Eduardo respondeu, citando as palavras de um outro voluntário: "As crianças conhecem o lado ruim. Nós mostramos o lado bom. Como disse um dos voluntários, 'é como se mostrássemos as portas para eles. Cabe a eles decidirem em qual entrar'".

Maria Eduarda Mattar

Theme by Danetsoft and Danang Probo Sayekti inspired by Maksimer