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Conselho de Comunicação Social: novela de dez anos

Autor original: Maria Eduarda Mattar

Seção original: Notícias exclusivas para a Rets






O dia 5 de junho marcou mais um capítulo da novela em que se transformou a instalação do Conselho de Comunicação Social, órgão consultivo e auxiliar do Congresso Nacional. Previsto pela Constituição de 1988 e regulamentado pela Lei 8.389, de 30/12/91, o Conselho deveria ter saído do papel até abril de 1992. No dia 5 - dez anos, um mês e cinco dias depois do devido - será votada a proposta de composição do Conselho, constituído, conforme previsto na lei, por quatro representantes e suplentes do setor empresarial, quatro representantes e suplentes dos profissionais de comunicação e cinco representantes e suplentes da sociedade civil. É no tocante a estes últimos que a trama atinge seu clímax.

Na proposta a ser votada, algumas das vagas reservadas à sociedade civil - nas quais deveriam figurar pessoas, movimentos populares, associações ou ONGs em geral que tratem ou possam ter alguma influência no tema da comunicação - estão sendo ocupadas por pessoas ligadas às outras categorias já representadas no Conselho. Ou melhor, vão ser ocupadas, caso a composição indicada seja aprovada na votação conjunta da Câmara e do Senado. Esta distorção - permitindo que principalmente o empresariado tenha pessoas de confiança ocupando vagas que seriam da sociedade civil - é fruto de negociações políticas. Para entendê-las, é preciso fazer um corte e voltar ligeiramente no tempo. A súbita instalação do Conselho foi a contrapartida negociada pelos partidos de oposição em troca da aprovação da Proposta de Emenda Constitucional nº5 de 2002, que abre as empresas de mídia nacionais à participação do capital estrangeiro. Com forte lobby dos empresários de comunicação, em menos de um ano a PEC foi aprovada em dois turnos - tanto no Senado quanto na Câmara - e promulgada no dia 28 de maio, data em que a composição do Conselho deveria ter sido votada, mas que - sem muitas explicações - foi adiada para 5 de junho.

Esse fato já constitui um descumprimento no que tinha sido acordado entre o Congresso e os partidos de oposição junto com o grupo de entidades que vêm acompanhando a instalação do Conselho, acordo esse que vinculou a aprovação da PEC à votação do Conselho. O grupo de entidades - capitaneado pelo Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), reuniu-se no dia 24 de abril e decidiu elaborar conjuntamente uma proposta de composição do Conselho que levasse em conta - nas vagas oficiais e nas suplentes - todos os setores da comunicação possíveis, incluindo-se aí entidades como a Associação Brasileira de Radiodifusão Comunitária (Abraço), a Associação Brasileira de Televisão Por Assinatura (Abta), a Executiva Nacional dos Estudantes de Comunicação (Enecos), a Associação Brasileira de Empresas de Rádio e Televisão (Abert), a Associação Brasileira de Radiodifusão e Telecomunicações (Abratel), entre várias outras.

De fato, um consenso foi alcançado e uma proposta apresentada à Comissão Especial (designada para agilizar os trabalhos de instalação do Conselho), cujos membros são os senadores Artur da Távola, Carlos Wilson e Ricardo Santos. Essa proposta consensual não foi completamente aceita pelo Congresso, acabando por produzir, no dia 14 de maio, o que pode ter sido um dos capítulos de maior audiência: durante toda a tarde estiveram reunidos a Comissão Especial, a Mesa do Senado e o Colégio de Líderes. Ao final da reunião, a proposta de composição do Conselho havia sido alterada, somente nas vagas destinadas à sociedade civil, com vetos a dois representantes: o da Abraço e o da Enecos. "Existe resistência manifesta do empresariado de radiodifusão a representantes de rádios comunitárias", explica Daniel Herz, coordenador do FNDC, indicado para fazer parte do Conselho e pessoa que acompanhou de perto a reunião do dia 14. Para Gustavo Gindre, do Instituto de Estudos e Projetos em Comunicação e Cultura (Indecs), que vê criticamente todo o processo de votação do Conselho, o veto à Abraço e à Enecos se deve ao fato de estas duas instituições serem caracteristicamente de massas e terem um poder de mobilizaçao muito grande: "Essas entidades é que dariam um perfil de massas ao Conselho, pela penetração e poder de mobilização e militância", afirma ele. Outras críticas, vindas de diversas fontes, apontam ainda o fato de que, na reunião do dia 14, o Congresso não só vetou instituições legítimas da sociedade, como indicou membros seus para ocuparem as posições, contrariando a indicação de que membros da sociedade civil não pertencem à esfera estatal. Além disso, o Senado propôs que o mandato dos membros do Conselho se dê até 31/03/2003, para acompanhar o mandato da atual mesa do Congresso - o que também não condiz com a lei 8.389. Algumas das alterações feitas pelo Senado (como a indicação de membros do Congresso) não foram aceitas pela Comissão Especial e pelas entidades que acompanham a instalação, fazendo surgir assim uma terceira lista de nomes.

Além da ausência das instituições vetadas, a proposta de formação do Conselho a ser votada tem, nas vagas que seriam da sociedade civil, o advogado do Estado de São Paulo, Manoel Alceu; o vice-presidente da Bandeirantes, Antônio Telles; e Jaime Sirotski, ligado ao grupo de midia RBS (veja lista completa no link "A composição do Conselho de Comunicação Social" ao lado). Para Gindre, este foi um modo de instalar o Conselho de forma "domesticável", em que o empresariado pudesse ter a maioria das vagas. Para Regina Festa, presidenta da Agência de Notícias dos Direitos da Criança (Andi) e outra indicada para fazer parte do Conselho, "a pouca participação dos membros da sociedade civil está diretamente relacionada com a insuficiente capacidade de articulação desses movimentos nas esferas públicas e na política. Um cenário que tende a mudar."

Enquanto não muda, as várias preocupações manifestadas por Gindre fazem sentido, se pensarmos que o Conselho será a representação da sociedade e seus interesses no campo da Comunicação junto ao Congresso. Daniel Herz acredita que a maior participação do empresariado pode funcionar como uma faca de dois gumes: "Ao se envolverem mais, estão também mais expostos para serem confrontados pelas posições da sociedade. Isso vale também para os profissionais". Para ele, o Conselho será uma representação legítima da sociedade e traduz correlação de forças.

Porém, que poder o Conselho terá de fato? Por ser um órgão consultivo e, não, deliberativo, ele não terá poder de decidir, tomar resoluções. No entanto, a sua existência pode ter diversas conseqüências positivas para a área de comunicação. Nesse ponto, concordam quase todos os que acompanham a questão. O jornalista Alberto Dines - uma das poucas pessoas cuja indicação não é vinculada a nenhuma organização, justificando-se apenas por sua trajetória - acredita que o Conselho "é um avanço. A imprensa precisa de um contra-poder, que é a sociedade, são as ONGs, é a fiscalização social. E o Conselho pode desempenhar essa função". Herz diz que "a 'fraqueza' - o fato de ser consultivo - é paradoxalmente uma força, pois evita o lobby e favorece a busca de soluções." Para ele, o Conselho vai fazer sentido não para aferição de posição, mas quando conseguir produzir consenso. Seu coro é engrossado por Dines: "O que eu acho importante é que ele tente ser um órgão coeso. Para que ele ganhe legitimidade conceitual, moral, deve tentar trabalhar onde pode haver consenso, que seja de interesse público."

Gindre defende que "o maior poder do Conselho é o de constrangimento, pelo fato de ter acesso a documentos, de elaborar pareceres sobre temas como TV a cabo e concessões". Nesse quesito, Herz concorda, lembrando que a TV aberta no Brasil está prestes a sofrer uma das maiores revoluções. "O conselho chega numa ótima hora. O que se definir agora vai estabelecer os padrões para a exploração e concretização da TV digital no Brasil. É uma possibilidade extraordinária que temos nas mãos. É como se, na década de 30, tivéssemos a oportunidade de estabelecer as bases para o Rádio e a Televisão, que se desenvolveram ou surgiram depois." Já Regina Festa vê a instalação do Conselho como uma vitória. "Entretanto, a efetividade e o exercício democrático desta comissão vai depender da participação da sociedade e dos canais que se viabilizem entre todas as áreas de interesse. Na minha opinião, a transparência e a democracia devem ser os requisitos mais importantes"

É esperar para ver as cenas do próximo capítulo.

Maria Eduarda Mattar

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