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Rio+10: a caminho do fracasso?

Autor original: Maria Eduarda Mattar

Seção original: Notícias exclusivas para a Rets

A II Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Humano, a famosa Eco-92, representou um marco na história da proteção dos direitos ambientais, não só do ponto de vista do estabelecimento de diretrizes de conservação, mas pela mobilização dos atores envolvidos. A reunião conglomerou 117 governantes, 22 mil pessoas, pertencentes a mais de 9 mil organizações não-governamentais que geraram documentos como a Agenda 21, a Convenção da Biodiversidade, a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática, entre outros. Foi também na ECO-92 onde surgiu o conceito de desenvolvimento sustentável, que será o tema da Rio+10, ou Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável. O evento será uma espécie de reunião-revisão do que foi acordado em 1992. No entanto, ONGs ambientalistas alertam para o perigo de a reunião fracassar, o que pode ser ocasionado pelo agitado cenário internacional em que se encontram as discussões sobre meio ambiente e pela constatação de que grande parte do que foi planejado uma década atrás continua sendo apenas sonho.

Nas semanas que precederam o Dia Mundial do Meio Ambiente - comemorado em 5 de junho - ONGs, entre elas WWF e Greenpeace, enviaram carta ao Secretário-Geral da ONU, Kofi Annan, alertando que a Rio+10 pode fracassar e pedindo atitudes do secretário. O alerta foi feito durante a quarta e última Conferência Preparatória para a Rio+10 (PrepCom4), em Bali, na Indonésia, que termina hoje, 7 de junho. O Pnuma - Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente divulgou relatório no final de maio em que traça um futuro periclitante para a Terra, caso algumas linhas de ação persistam e determinadas decisões não sejam tomadas. União Européia e Japão ratificaram, em 31 de maio e 4 de junho, respectivamente, o Protocolo de Kyoto (que determina a redução da emissão de gases que causam o efeito estufa). A adesão destes países isola os EUA, que se recusam a assinar o Protocolo, alegando que, reduzindo a emissão de gases, são obrigados a reduzir a atividade industrial e conseqüentemente, cortar muitos postos de trabalho. Pouco depois, os próprios EUA reconheceram que as emissões de gases-estufa por humanos são a principal causa do aquecimento global, fato que o país também vinha contestando. A notícia foi divulgada através de relatório da Agência de Proteção Ambiental - EPA americana e, expecula-se, pode representar um ensaio de mudança de posição.

Essas são algumas das evidências da agitação do cenário internacional, reflexo da pouca coesão entre as nações e a desarticulação no encaminhamento das ações. Haroldo Mattos Lemos, diretor-executivo do Instituto Brasil Pnuma (braço brasileiro do programa da ONU), acredita que a Rio+10 vai ficar muito aquém da ECO-92. Por que? "Porque tanto no Rio em 92, quanto em Estocolmo em 72, tinha-se um documento forte. Em 72 tínhamos o relatório do Grupo de Roma; em 92, havia o relatório Nosso Futuro Comum, da Comissão Brundtland." O texto-base da Rio+10 ainda estava sendo discutido e modificado às pressas na PrepCom4 e corria o risco de não ser completado no encontro. No ante-penúltimo dia da conferência preparatória, a comissária da UE para o Ambiente, Margot Wallström, reconheceu que a Rio+10 tem metas pouco realistas e seu fracasso não pode ser descartado. Wallström disse ainda que o plano de ação para o evento precisava ser mais curto e mais focado. O ministro brasileiro do Meio Ambiente, José Carlos Carvalho, que esteve em Bali chefiando a delegação brasileira, se disse desapontado com o progresso dos preparativos para a Rio+10. "O processo de negociação é difícil. Eu tinha melhores expectativas".

Economia X Ecologia

O motivo provável pelo qual a preparação e a efetivação da Rio+10 está gerando tanta desilusão é justamente aquele que a conferência se propõe a discutir: a relação desenvolvimento econômico x preservação ambiental. O conceito tema da Rio+10 - desenvolvimento sustentável - é frágil na medida em que tenta unir duas lógicas que não necessariamente caminham da mesma direção, a do dinheiro e a da natureza. E é justamente o medo de que os interesses econômicos prevalecem sobre os ecológicos que vem norteando - ou desnorteando - a preparação para a Rio+10. Exemplo: a recusa dos EUA em ratificar o Protocolo de Kyoto se deve a razões econômicas - se o país trabalhar menos, produz menos e enriquece menos. Outro exemplo: uma das proposições do Brasil, defendidas inclusive pelo ministro Carvalho, em Bali, é a de elevar para 10% até 2010 o uso de energias renováveis no planeta. A proposta sofre oposição dos países produtores de petróleo, que não querem perder um dos maiores e mais concentrados mercados do mundo. A proposta de elevação do uso de energias renováveis está na Declaração de São Paulo, documento produzido em maio no VII Fórum dos Ministros do Meio Ambiente da América Latina e Caribe.

Além disso, certamente constará da Rio+10 a cobrança do compromisso assumido em 92 pelos países desenvolvidos de ajudarem os países em desenvolvimento com 0,7% dos seus PIBs, a fim de se concretizarem as aplicações da Agenda 21. Poucos ou quase nenhum tem cumprido esse acordo. "Os países em desenvolvimento querem ignorar a palavra "sustentável" e enfatizar a palavra "desenvolvimento", definindo políticas de desenvolvimento a qualquer custo. Enquanto isso, os países ricos continuam repetindo os erros cometidos há décadas, com ferramentas e tecnologias sujas, ignorando a opinião pública que demanda desenvolvimento, sim. Mas este deve ser sempre sustentável", afirmou a respeito Frank Guggenheim, diretor do Greenpeace Brasil. E completou: "Muitos dizem que, enquanto os poucos países ricos não cumprirem os acordos da Rio 92, os países em desenvolvimento não levarão a sério a responsabilidade da proteção ambiental".

"Não estamos com grandes expectativas, não esperamos grandes revoluções. A grande expectativa é ver o engatinhar do mundo para uma visão econológica", opina Eduardo Athayde, diretor da UMA-Universidade Livre da Mata Atlântica e editor do WWI-Worldwatch Institute no Brasil. A visão "econológica" a que ele se refere significa enxergar a tomada de decisões levando em conta a visão sócio-econômica-ecológica integrada. É esse, na sua opinião, o grande desafio da Rio+10.

Desafio

O desafio, para Guggenheim, é o seguinte: "A conferência mundial para o desenvolvimento sustentável em sua versão 2002 terá que responder não só ao desafio da proteção ambiental numa economia globalizada, como também à necessidade de reduzir a pobreza para garantir um futuro sustentável". Sua organização, o Greenpeace, tem participado ativamente nas reuniões oficiais e nas preparatórias para a Rio+10, como foi o caso da reunião em Bali. A expectativa é que um evento do porte que vai ser a Rio+10 não se limite à discussão de metas de implementação da Agenda 21. "Queremos que os governos assegurem um futuro sustentável", diz ele.

Já Haroldo Mattos Lemos vê como desafio para a Rio+10 a fluência das discussões, para que se chegue a algum lugar: "O desafio é que as pessoas não se deixem levar pela emoção e acabem criando um impasse. Elas têm que se despir de interesses pessoais e regionais, pois o futuro do planeta não admite que se perca mais tempo. Quanto mais demorarmos a tomar as decisões que levem ao desenvolvimento sustentável, mais difícil e mais custoso vai ser tomar essas decisões no futuro."

Maria Eduarda Mattar

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