Autor original: Marcelo Medeiros
Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor
Descoberto em 1983, o vírus causador da Aids, o HIV, tem atingido milhares de pessoas em todo o mundo. Na década de 80, havia previsões alarmantes sobre o contágio da doença na década de 90 e no começo do século. Felizmente, o número de portadores do vírus é bem menor do que o previsto. Uma das causas desse crescimento mais lento é o sucesso do trabalho de prevenção e educação sexual realizado por organizações sociais que desenvolvem projetos como o Colméia, criado pela Fundação Corsini e a Federação das Entidades Assistenciais de Campinas (Feac) em 1992.
Em dez anos de atividades, comemorados em 6 de julho, o programa tem alcançado muito bons resultados. O surgimento da iniciativa se deu quando ambas organizações perceberam a necessidade de fazer algo mais, diante do crescente número de pessoas infectadas pelo HIV, principalmente mulheres, em Campinas. Desde então há um trabalho de educação participativa sobre saúde sexual, reprodutiva e prevenção de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), entre elas a Aids, junto a mulheres de baixa renda da cidade paulista. O programa é composto por módulos de discussão sobre temas como corpo e sexualidade, direitos sexuais e reprodutivos, gênero, cidadania e DSTs/Aids que, além de informar, formam agentes de saúde comunitários.
O projeto começou nas creches filiadas à Feac. As mães eram chamadas para palestras e oficinas sobre sexualidade e doenças sexualmente transmissíveis mas, com o passar do tempo, os organizadores acharam necessário expandir as atividades. Após realizar pesquisas que apontavam os bairros de maior incidência de Aids, foram realizadas palestras gratuitas nos locais de índices mais altos para esclarecer a população sobre as formas de contágio e prevenção. As atividades permanecem até hoje. “É um programa itinerante, voltado para mulheres de baixa renda e pouca informação. Não podemos nos fixar em uma área apenas”, explica a assessora de imprensa da Feac, Vanessa Gallo.
Hoje o Colméia atende, direta e indiretamente, mais de 1500 pessoas por ano em três linhas de trabalho: as oficinas vivenciais e artesanais, a Unidade de Atendimento Infantil (UAI) e o núcleo “Pão e Vida”. O crescimento foi grande: em 92, quando começou, o programa atingia 120 mulheres e sete instituições. No último levantamento feito pela socióloga Sônia Pimenta (que prepara tese de doutorado sobre o Centro Corsini), em 2001, 138 instituições e 1522 pessoas estavam envolvidas. Se for levado em conta que cada mulher, depois de ser atendida pelo projeto, repassa as informações às amigas e filhos, o número cresce para mais de 10 mil. “O envolvimento é bastante intenso, ainda mais quando elas mesmas elaboram o conhecimento. É muito importante que elas se tornem multiplicadoras, dada a dificuldade de atrair homens e jovens para as discussões”, diz Pimenta.
Nas oficinas vivenciais são realizados psicodramas (encenações do cotidiano para que as participantes reflitam sobre sua situação na sociedade) e conversas. Para driblar a freqüente dificuldade de falar sobre sua sexualidade na presença de homens, o papel masculino é feito por outras mulheres. Já as oficinas artesanais as estimulam a gerarem sua própria renda ao produzir e vender artesanato. O “Pão e Vida” é um grupo de apoio sócio-familiar que dá atendimento psicológico a pessoas infectadas pelo vírus da Aids e também a suas famílias e amigos, onde todos aprendem a conviver com os portadores sem receio –como deve ser. A UAI, por sua vez, cuida de quinze órfãos de zero a sete anos que apresentam ou não sintomas da Aids.
Outras atividades feitas pelo Colméia são treinar funcionários da prefeitura para se tornarem agentes comunitários de saúde e dar aulas de biosegurança a funcionários e assistentes sociais de creches e escolas. “Qualquer um pode estar contaminado hoje em dia, não há como saber quem é portador do vírus ou não. Por isso, todos devem se prevenir quando forem socorrer alguma criança acidentada”, lembra a assistente social Maristela Welsort. A prevenção é simples: nunca manipular sangramentos sem proteção. Também foram produzidas duas cartilhas educativas. A primeira, feita em 93, foi elaborada pela equipe do Centro Corsini. Já a segunda contou com a ajuda de algumas participantes do programa em 96.
Tanto trabalho trouxe resultados. A desmitificação feita ao longo dos anos em torno da Aids fez a procura inverter sua direção. Se antes as entidades é que buscavam pessoas para esclarecer, hoje são as mulheres que perseguem informações sobre a prevenção e o tratamento da doença. Ainda assim, essa transformação é lenta. “Todo o processo passa por quebras de paradigmas, logo, não é imediatista”, explica Welsort. Por outro lado, melhoras rápidas na auto-estima das participantes foram detectadas na pesquisa de Sônia Pimenta, assim como mudanças na relação com o uso de preservativos.
Um dos problemas encontrados durante o percurso foi o preconceito, pois a doença era vista como restrita a homossexuais, prostitutas e drogados. Hoje, a proporção de infectados entre homens e mulheres é praticamente de um para um, o que fez diminuir um pouco o preconceito e aumentar bastante a prevenção. “A sociedade não mais ignora o problema e o nível de contaminação tem sido cada vez menor. Isso é muito positivo para Campinas” conclui Welsort.
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