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Em prol da Mata Atlântica

Autor original: Maria Eduarda Mattar

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O projeto-de-lei 3.285/92, o projeto da Mata Atlântica, tramita há dez anos no Congresso Nacional, foi negociado várias vezes, passou por algumas comissões, recebeu diversos substitutivos e até novas versões. Na Semana do Meio Ambiente, ganhou promessa do presidente da Câmara de que será votado nas próximas semanas. A Rets conversou com Wigold Schäffer - ambientalista, dirigente da Apremavi e secretário técnico adjunto do Subprograma Projetos Demonstrativos (PDA), do Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicais do Brasil – que acompanha os trâmites do PL desde o seu nascimento. Nessa entrevista exclusiva, Schäffer explica quais obstáculos o projeto enfrentou desde que foi proposto, em 1992, e fala como ele contribui para a conservação da Mata Atlântica brasileira, que hoje em dia tem apenas 8% da sua cobertura original.

Rets - Existem dois projetos-de-lei sobre a Mata Atlântica que têm o mesmo texto (o PL 3.285/92 e o PL 285/99). Isso é verdade ou os dois são o mesmo? Conte-nos um pouco sobre isso.

Wigold Schäffer - O Projeto-de-lei 3.285/92 foi apresentado pelo então deputado federal Fábio Feldman, tramitou normalmente e foi aprovado, com um substitutivo, pela Comissão de Meio Ambiente da Câmara, em 1995. Depois, esse substitutivo foi requisitado pela Comissão de Minas e Energia, através da ação do deputado Paulo Bornhausen, que tinha interesses de que o projeto não fosse aprovado. A rigor, a Comissão tinha 30 dias para apresentar seu parecer. Demorou dois anos e apresentou outro substitutivo, elaborado pelo próprio Bornhausen. No entanto, esse substitutivo foi considerado não-escrito pelo então presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer, pois a Comissão de Minas e Energia havia ferido o regimento - segundo o qual uma comissão não pode opinar sobre questões de mérito afetas a outra comissão. E era isso que a Comissão de Minas e Energia tinha efeito, ela opinou sobre todo o projeto-de-lei. Depois disso, o deputado Paulo Bornhausen promoveu nova rodada de negociações ouvindo então outros deputados e representantes de fora do governo. Foi elaborado um novo texto em consenso. O deputado Luciano Zica, do PT, entrou com pedido de urgência urgentíssima para que o PL fosse então votado com rapidez. O pedido foi concedido e mesmo assim o projeto não foi votado. Até que, em 1999, o deputado Fábio Felldman não foi reeleito e, portanto, o PL de sua autoria foi arquivado - o que não podia ser feito, uma vez que ele estava em regime de urgência urgentíssima. Isso foi ignorado.

Logo em seguida, percebendo que o projeto tinha sido arquivado, o deputado Jacques Wagner, resgatou o texto e apresentou um novo projeto-de-lei, que foi numerado 285/99. Esse novo PL foi encaminhado para a Comissão de Meio Ambiente e tinha como relator o deputado Luciano Pizzatto. Mais uma vez, depois de muita negociação, chegou-se a um texto de consenso e em dezembro de 1999 ele foi aprovado na Comissão de Meio Ambiente. Mas, os manobristas de plantão usaram o regimento da Câmara e desarquivaram o primeiro do Fábio Felldman, alegando que não podia ter sido arquivado pois estava em regime de urgência. O PL do Jacques Wagner, o de número 285/99, foi apensado ao primeiro, o de número 3.285/92, que passou a ser o principal novamente.

Rets - E agora em que pé está a votação?

Wigold Schäffer - Acabou de ser aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). O relator nessa comissão, o Deputado Fernando Coruja, considerou o PL 3.285/92 inconstitucional, pegou como base o PL 285/99 e elaborou uma sub-emenda substitutiva. No entanto, muita coisa tinha sido alterada...

Rets - Que tipo de coisa?

Wigold Schäffer - O relator havia feito mudanças de mérito. No artigo 1º, por exemplo, ele fez uma redação muito simplista, que poderia trazer problemas futuros. E houve mudanças no artigo 14, no artigo 55 e em alguns outros. A partir disso, a Rede de ONGs da Mata Atlântica (RMA) se articulou e, com apoio de deputados como Luciano Zica, Fernando Gabeira e Sarney Fillho, produziu em consenso um voto em separado (uma espécie de emenda) apresentado à comissão pelo deputado Inaldo Leitão. O relator acatou e reincorporou essa questão ao PL que foi aprovado por unanimidade na CCJ.

Rets - Qual o próximo passo?

Wigold Schäffer - Na semana passada – a Semana do Meio Ambiente – a RMA fez uma maratona visitando líderes de partidos e entregando um abaixo-assinado com 300 mil assinaturas coletadas nos 17 estados pelos quais se espalha a Mata Atlântica. Um dos visitados foi o Deputado Aécio Neves, presidente da Câmara dos Deputados, que prometeu a votação nessa semana. No entanto, a pauta do Congresso estava trancada essa semana que passou, mas estamos tentando fazer com que entre na próxima semana.

Rets - Além de acompanhar de perto o processo de votação, quando começou a sua relação com esse projeto-de-lei? O senhor teve participação na elaboração?

Wigold Schäffer - Em 1990, foi feito um primeiro decreto presidencial, o 99.547/90, que tinha apenas dois artigos: o primeiro proibia qualquer uso ou corte da Mata Atlântica; o segundo revogava todas as disposições em contrário. Aquilo foi um alvoroço. O então Secretário Nacional de Meio Ambiente – não existia ainda o cargo de Ministro do Meio Ambiente -, o José Lutzenberger, colocou a polícia federal atrás, que prendeu muita gente e fechou muitas madeireiras. O Lutzenberger fez uma coisa extremamente necessária, pois os madeireiros deitavam e rolavam. Em 1990, eu participei de uma reunião do Conama (Conselho Nacional de Meio Ambiente), como suplente das ONGs da região Sul, na qual foi apresentada uma moção contra aquele decreto. A partir daí, começou-se a discutir alternativas àquele decreto. As proposições que eram debatidas pelas organizações é que deram origem ao texto do projeto-de-lei que o Fábio Felldman apresentou. Depois disso, em fevereiro de 93, virou o Decreto-Lei 750/93 um texto muito semelhante ao PL. Portanto, o PL é uma conseqüência das discussões que ocorriam naquela época.

Rets - O que esse projeto-de-lei, que já está fazendo dez anos, traz de novo e positivo para a proteção da Mata Atlântica?

Wigold Schäffer - Apesar de já fazer dez anos desde que foi apresentado, o texto é completamente atual. Em 99 ele foi renegociado, recontextualizado. A grande inovação - que já se traduzia no decreto de 93, no entanto, é mais detalhada, é mais claramente exposta no PL – é que ele diz o que pode ser feito com a Mata Atlântica. O resto, o que não está dito e permitido ali, não pode ser feito. Ou seja, ele inverte a lógica. Além disso, ele contempla soluções, apresenta alternativas. Ele diz: “Você pode fazer isso, dessa forma, etc etc etc”. O PL orienta o uso e o manejo da Mata Atlântica em todos os seus estágios de desenvolvimento. Essa lei é detalhista.

Rets - A Mata Atlântica tem hoje em dia menos de 8% de sua cobertura original. A que o senhor atribui isso?

Wigold Schäffer - 500 anos de uso predatório, inadequado, sem nenhuma preocupação com o futuro. Com o PL aprovado e devidamente posto em prática, esperamos atingir cerca de 30% ou 35% de regeneração em 25 anos, nos estados que tenham Mata Atlântica.


Maria Eduarda Mattar

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