Autor original: Rogério Pacheco Jordão
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As ONGs têm um papel importante a desempenhar no desenvolvimento dos municípios rurais no Brasil. É o que destaca nesta entrevista à RETS o professor do Departamento de Economia da Universidade de São Paulo (FEA) José Eli da Veiga. Secretário do Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável, José Eli acaba de lançar o livro Cidades Imaginárias: O Brasil é menos urbano do que se calcula. Na obra, Veiga desafia os dados oficiais que apontam para uma redução da população urbana no país. Segundo ele, estes dados são baseados em metodologias obsoletas. Veiga antecipa também que em novembro acontecerá em Brasília uma conferência nacional para discutir um plano de desenvolvimento rural a ser entregue ao próximo governo (veja a primeira versão deste plano em www.cndrs.org.br).
Rets - O senhor escreve que o propósito de seu livro é “mostrar a necessidade de uma renovação do pensamento brasileiro sobre as tendências da urbanização e de suas implicações sobre as políticas de desenvolvimento que o Brasil deve adotar” . No que consiste esta renovação? E por que esse debate é importante?
José Eli da Veiga - O Brasil separa o que é urbano e o que é rural através de um critério totalmente anacrônico e obsoleto, que talvez tenha feito algum sentido quando surgiu. Em 1938, no auge do Estado Novo, (o presidente) Getúlio Vargas baixou um decreto-lei que dizia que toda sede de município é cidade, e toda sede de distrito é vila – e que independentemente do que houver numa sede de município ou distrito a população lá encontrada será considerada urbana. Isso teve o sentido de arrumar a casa porque, na época, cada estado estava adotando um tipo de classificação territorial. Era uma confusão.
Rets - E porque esse critério está obsoleto?
José Eli da Veiga - O resultado disso é que o dado do último censo demográfico, em que aparece que o Brasil é 81,2% urbano, é totalmente falso. Não só a esmagadora maioria de sedes de distrito (são mais de 9 mil), não tem nada a ver com cidades, como mesmo as sedes dos municípios raramente são cidades. Dos 5 582 municípios atuais, no máximo 600 podem ser considerados como contendo uma cidade em sua sede. Um critério que é simples é o seguinte: não há 600 municípios que tenham livraria. Ter ou não ter livraria não pode ser um critério único, é claro, mas ele mais ou menos reflete o que existe de urbano. Hoje pelos meus cálculos a população rural brasileira é de no mínimo 30% (57% urbana e 13% em locais onde a definição é ambígua.
Rets - Qual a consequência disso?
José Eli da Veiga - Se isso continuar a ser contado assim, não só a população rural atual fica altamente minoritária, como as projeções, baseadas nas últimas estatísticas, levam a crer que em 2030 não haverá mais população rural. O que seria o primeiro país do mundo onde isso aconteceria. Estados Unidos e Canadá, por exemplo, têm cerca de um terço da população rural, o que não quer dizer na agricultura. São coisas diferentes. A redução da população ocupada na agricultura é inexorável. Não tem nenhum caso de país que se desenvolveu e cuja população ocupada na agricultura tenha aumentado. Muito pelo contrário: ela necessariamente diminui com o aumento da produtividade no trabalho.
Rets - Diminui a população que vive da agricultura, mas não a população rural. Como o sr explica isto?
José Eli da Veiga - A população rural não é composta apenas por pessoas que vivem na agricultura. É raro encontrar em regiões mais desenvolvidas uma família que seja puramente agrícola: a família vai ter um ou dois membros trabalhando na agricultura e outras pessoas trabalhando com outras atividades nos setores terciário e secundário.
Rets - O senhor desafia uma idéia bastante difundida: a de que o Brasil é um país cada vez mais urbano. Quais as implicações disso para o debate político? E para as políticas de desenvolvimento.
José Eli da Veiga - Se acredita-se que a população rural é tão pequena e tende a desaparecer, dificilmente você consegue prioridade para qualquer política que tenha a ver com o rural. Vou dar um exemplo: habitação rural. Vamos supor que algum grupo resolva chamar a atenção para a necessidade de um plano ou programa para a área. Qualquer pessoa poderia dizer: nós temos um déficit tão grande nas áreas metropolitanas - e o Brasil é tão urbano - que não pode ser prioridade a habitação rural. Há um viés anti-rural no Brasil.
Rets - No seu livro o senhor esboça também um plano de ação (ou um Contrato Territorial de Desenvolvimento) para os 4.500 municípios rurais onde vivem 52 milhões de brasileiros. O senhor enfatiza muito a necessidade de articulação microrregional entre estes municípios. Como isso seria feito?
José Eli da Veiga - Eu secretario um conselho de desenvolvimento rural sustentável que vai apresentar um plano, que será ou não aceito e aplicado pelo próximo governo. A primeira versão sai agora. Em setembro haverá uma outra versão e em novembro (de 15 a 17) acontecerá uma grande conferência nacional, em Brasília. Nessa conferencia vamos ter milhares de pessoas ligadas à questão do desenvolvimento rural, tanto sindicatos como ONGs e também o setor publico, que aprovarão um plano a ser entregue ao próximo governo. A idéia do plano é a seguinte: o governo daria recursos para articulações microrregionais intermunicipais fazerem o diagnóstico local (para um plano de desenvolvimento). É muito difícil esse municípios pequenos (menos de 50 mil habitantes) terem os recursos humanos disponíveis para elaborarem o diagnóstico. E mais: dificilmente uma análise como essa fica restrita ao limite municipal, pois normalmente envolve bacias hidrográficas, envolve recursos naturais que não obedecem limites municipais.
Rets - E o papel das ONGs?
José Eli da Veiga - O governo alavancaria recursos para que estas articulações pudessem fazer estes estudos. Ao fazerem estes estudos, elas chamariam ONGs, universidades, centros de pesquisa, pessoas capacitadas para fazer este estudo preliminar e que ajudassem na elaboração de um plano de desenvolvimento. O governo selecionaria os melhores planos elaborados e essas articulações, ou consórcios, receberiam ajuda para buscar os recursos necessários à implementação dos planos. A idéia é que seja contratual, ou seja: os recursos seriam liberados conforme os objetivos colocados forem sendo cumpridos. As ONGs têm os recursos humanos que não se encontram em sindicatos e prefeituras.
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