Autor original: Rogério Pacheco Jordão
Seção original: Notícias exclusivas para a Rets
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Eles são mais de 22 milhões no mundo. Pessoas que não podem contar com a proteção de seus governos – perseguidas por questões religiosas, de raça, por suas opiniões políticas. Espalhados pelos campos de refugiados, ou esperando serem acolhidos por algum país, estes não-cidadãos vêem, cada vez mais, as portas (ou as fronteiras) se fecharem. “É uma catástrofe humanitária”, resume o professor de Ética Profissional da PUC-RJ Candido Feliciano da Ponte Neto, voluntário da Caritas, organização internacional ligada à Igreja Católica.
Diferentemente dos países europeus e dos EUA, o Brasil, porém, tem adotado uma política de abertura. Atualmente 2.700 refugiados vivem no país, a maioria africanos, sendo que cem afegãos deverão chegar até o final do ano. Para se instalarem, conseguirem a documentação, se comunicarem e iniciarem suas novas vidas, os refugiados contam com o suporte de ONGs como a Caritas, mas também a Cenoe de Porto Alegre (RS) e a Arab, de Belo Horizonte (MG).
Eles dizem...NÃO!
Os números falam por si: entre 1999 e 2000, dos 315 mil pedidos de asilo recebidos pelos governos europeus, apenas 27.500 foram atendidos. Entidades internacionais ligadas aos direitos humanos, como a United (uma coligação de 550 organizações anti-racistas, ver site ao lado), vêm alertando que os refugiados sofrem as conseqüências das políticas anti-imigração, colocadas em prática paulatinamente por países como França Alemanha, Suécia, Dinamarca e Inglaterra ao longo dos últimos anos. Isso, apesar do refugiado gozar de um status diferente daquele do imigrante (que sai do seu país em geral atrás de melhores oportunidades econômicas). O refugiado, por sua vez, é aquele que não pode contar com a proteção do seu governo, por motivos de guerra, perseguição política, de raça, religião (veja ao lado outras informações sobre o Estatuto do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, ACNUR, de 1950).
Atualmente o maior número de refugiados no mundo é de afegãos (cerca de 8 milhões), seguidos pelos burundis da Tanzânia (500 mil), iraquianos (500 mil), angolanos e sudaneses.
Caritas
“Trabalhar com refugiado é antes de mais nada uma questão humanitária”, diz o professor Ponte Neto, da Caritas. Nesse quesito, o Brasil tem se diferenciado dos países ricos do norte. “O país tem uma legislação avançada” , opina. Explica-se: em 1997 o Congresso Nacional aprovou a Lei 9.474 que regulamentou o Estatuto da Acnur de 1950 no país, embutindo as pessoas sem acesso aos direitos humanos e vítimas de guerra como potenciais refugiados.
A Caritas tem como objetivo criar as condições para que o refugiado possa ter no Brasil a proteção internacional da ONU. “Nós ajudamos no trâmite necessário para que a pessoa ganhe o status de refugiado no país. Suprimos a falta de estrutura do governo e da ONU”, diz Ponte Neto.
A entidade atua em parceria com o governo brasileiro – as autoridades encaminham à Caritas pessoas que chegam nos aeroportos se dizendo refugiadas. A organização acolhe a pessoa e prepara a documentação a ser enviada ao Conare (Conselho Nacional para os Refugiados), órgão do governo federal, que conta com a participação de ONGs, responsável por reconhecer o refugiado. “Temos parcerias com instituições internacionais para checar as informações passadas pela pessoa”, conta Ponte Neto, que é também membro do Conare.
“Os refugiados estão sendo vítimas de uma preocupação internacional de dificultar a imigração”, opina. “A discriminação, a xenofobia e o desrespeito são grandes males da humanidade” , avalia.
A Caritas, que tem escritórios em diversos estados brasileiros, conta com parcerias com instituições como o Senai, o Sesc, hospitais e escolas para incorporar o refugiado ao cotidiano do país. “Qualificação de mão de obra é um dos serviços que nossos parceiros oferecem”, conta Ponte Neto. No plano internacional, um parceiro importante da Caritas é a organização Médicos sem Fronteiras.
CENOE
Vinte e três afegãos que viviam em campos de refugiados na Índia e no Irã moram, desde abril deste ano, em Porto Alegre (RS). Lá eles foram recebidos pelo Cenoe, o Centro Nacional de Encaminhamento, uma ONG de direitos humanos e cidadania fundada há 6 anos pela advogada Rosaura Scavone. A ONG trabalha nas vilas da capital gaúcha oferecendo assistência legal gratuita para moradores (separação judicial, pensão alimentícia etc) e também encaminhando para o trabalho na comunidade presos beneficiados por penas alternativas.
A organização criou um Balcão de Apoio às Vítimas de Violação de Direitos Humanos para receber os refugiados, em um convênio com o Acnur e o governo brasileiro. A Acnur financia todos os gastos relacionados aos refugiados, o que inclui uma bolsa mensal de R$ 260,00.
A principal missão da Cenoe é ajudar na adaptação ao país. E não é tarefa fácil. “A cultura deles não permite que mulheres comandem e isso é um problema pois no Cenae trabalham muitas mulheres” exemplifica a advogada voluntária Ana Elize Bueno. A comunicação também é uma barreira, já que eles falam o dialeto sari. “Achar dicionário foi um parto, tivemos que encomendar do Irã”, lembra a advogada.
Os dez adultos e treze crianças chegaram ao país apenas com a roupa do corpo. “Compramos até meia”, diz Ana Elize. Isso para não falar nos utensílios domésticos, como panelas, geladeira e outros itens básicos. Trabalham com os refugiados psicólogas, tradutores, assistentes sociais e advogados.
Uma das tarefas da ONG é ajudá-los a encontrar emprego. As mulheres conseguiram empregar-se em atividades como cabelereiras, massagistas e bordadeiras. Entre os homens, um está escrevendo um livro e dois porfessores vivem de dar palestras em universidades.
Mas diversos refugiados, segundo a Cenoe, no início não entenderam a realidade econômica do país – e rejeitaram trabalhos por considerarem a remuneração baixa. “No início eles só queriam trabalhar por mais de R$ 400,00 e recusaram oportunidades conseguidas por nós. Os que recusaram se arrependeram e agora querem voltar atrás” afirma Scavone.
ARAB
“Sou refugiado, sou negro e sou pobre". A frase, dita por Manoel Fernando Ngury, presidente da Arab (Associação Pró-Refugiados Africanos no Brasil) resume o sentimento que muitos dos refugiados africanos nutrem ao se verem sem perspectivas no Brasil. A associação, sediada em Belo Horizonte, Minas Gerais, foi criada em 2000, como a primeira instituição fruto da organização dos próprios refugiados. Sua missão é articular com a sociedade civil e com o governo políticas públicas voltadas para a inserção social, cultural e econômica dos refugiados.
A Arab pretende realizar seu trabalho no país todo, porém, até agora, suas conquistas aconteceram apenas no âmbito da capital mineira. A primeira e mais significativa delas foi a garantia junto à UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) da reserva de vagas, acomodação e alimentação para os refugiados estudarem na instituição. "Negociamos isso durante quatro anos, antes mesmo de a Arab se constituir como entidade, e conseguimos que a Universidade criasse uma resolução garantindo estes itens", afirma Ngury.
Para ele, existe um descaso em relação aos dispositivos legais que garantem os direitos presentes nos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário (Convenção das Nações Unidas Para os Refugiados, de 1951, e Protocolo sobre o Estatuto do Refugiado das Nações Unidas, de 1966.) "Como sempre houve pouca atenção, resolvemos correr atrás dos direitos", afirma o presidente da Arab.
O resultado já pode ser mensurado: dos 35 refugiados africanos que vivem em Belo Horizonte, 16 deles estudam e moram na UFMG graças à pressão da Arab. A assistência prestada pela Arab inclui ainda a intermediação e alocação dos africanos no mercado de trabalho. "Até hoje, em função de fatores como horários de estudos, conseguimos estágio para apenas dois estudantes. De qualquer maneira, já é uma conquista", diz Ngury, ele próprio um estudante de Direito.
Um dos principais obstáculos encontrados pela Arab para a concretização de sua proposta é a pouca discussão sobre o assunto, seja por parte do governo, da sociedade civil organizada ou do empresariado. "O Brasil adere às resoluções internacionais e não informa à sociedade. Muitos pensam que ser refugiado é ser bandido. Os doadores para o terceiro setor, não têm o item "refugiados" nas suas pautas. O empresariado é muito fechado e preconceituoso na hora de contratar um refugiado", afirma Ngury. Para quebrar essa barreira, a Arab envia correspondência para entidades como a Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), na intenção de sensibilizar e criar uma agenda de discussões sobre o tema.
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