Autor original: Marcelo Medeiros
Seção original: Os mais interessantes e ativos projetos do Terceiro Setor
Os usuários de e-mail freqüentemente recebem mensagens procurando crianças desaparecidas e geralmente não dão muita importância a elas. Por trás dessas mensagens, entretanto, estão pais e mães em busca de seus filhos, alguns sumidos há anos. Muitos desses responsáveis batem na porta da Associação Brasileira de Busca e Defesa à Criança Desaparecida (ABCD) em busca de ajuda e orientação. A organização presta esse serviço há seis anos em São Paulo com base em muita força de vontade. Nada menos do que 115 crianças já foram encontradas a partir deste trabalho.
Há sete anos, algumas mães de crianças desaparecidas da capital paulista foram convidadas a dar seu depoimento na novela “Explode Coração”, da Rede Globo, que tratou do tema. Durante as gravações trocaram experiências com o movimento “Mães da Candelária”, que reúne as mães das crianças mortas em 1993 na chacina da praça carioca. Dessas conversas surgiu a idéia de realizar um protesto semanal na Praça da Sé, onde passam todas as manhãs de domingo, desde 1996, segurando cartazes de protesto e com as fotos de seus filhos. Na primeira edição, compareceram cem mulheres e daí nasceu o movimento Mães da Sé, que três meses depois se oficializaria com a sigla ABCD.
Interesse da mídia é passageiro
O começo foi promissor. Embaladas pela novela, 30 empresas procuraram as fundadoras da associação para divulgar as fotos dos desaparecidos nas embalagens de seus produtos. Os meios de comunicação, principalmente os programas de televisão, também colaboraram ao veicular os apelos na programação. Esse esforço fez com que várias crianças fossem encontradas num curto espaço de tempo. O interesse dos empresários, contudo, foi diminuindo com o passar do tempo e como conseqüência também o número de pessoas encontradas.
Mas a luta das mães continuava. “Os empresários deveriam pensar um pouco como pais”, reclama Ivanize Santos, uma das fundadoras do movimento e há seis anos e meio procurando sua filha, que desapareceu aos treze. Novamente procuraram canais de televisão e conseguiram veicular fotografias no programa dominical do apresentador do SBT Gugu Liberato e na programação da Bandeirantes. Essas participações renderam o patrocínio de três empresas e uma doação de R$ 54 mil do apresentador do SBT, dinheiro que será usado para comprar um imóvel que abrigue a associação.
Voluntários
A aquisição é mesmo necessária, pois a ABCD funciona somente com a colaboração de voluntários, que não cabem na atual casa e por isso se revezam nos horários. Entre os colaboradores está uma equipe de psicólogos, que presta assistência às mães que chegam à associação e às que encontram seus filhos, para realizar um trabalho de reintegração familiar, como se fosse um “primeiros socorros psicológicos”. Existem dificuldades nessa atividade –em alguns casos as mães não querem participar e nem se ajudar. Há vergonha e medo de enxergar a própria realidade. “Um desaparecimento desestrutura toda a família. A relutância ao tratamento é natural, pois a situação mexe com sentimentos de culpa e medo, principalmente de represálias e críticas. Além disso, antes de nos procurarem, geralmente já foram mal atendidos em outros locais. Nosso trabalho é de dar continuidade à vida das famílias e evitar reincidências”, diz Cláudio José da Silva, um dos psicólogos.
Escolha de voluntários é questão de segurança
Apesar de não caberem na sede, ainda faltam voluntários na organização. O site está desatualizado por falta de pessoas que saibam fazer a sua manutenção e inserir informações nos dois bancos de dados existentes. A ABCD possui dois scanners, um doado e outro comprado com dinheiro da própria Ivanize, mas ninguém lá sabe operá-lo ou possui tempo para digitalizar fotografias. Isso em uma situação na qual o número de informações disponíveis num curto espaço de tempo pode ser vital.
Nem todos, porém, podem se tornar voluntários. Os candidatos devem preencher uma ficha, apresentar comprovante de renda e um atestado de antecedentes criminais. “Fazemos um trabalho com denúncias e procuramos mantê-las em sigilo. Por isso temos medo que criminosos acabem se aproveitando das denúncias para fazer o mal. Não podemos arriscar nosso trabalho”, explica Vera Lúcia Ranu Gonçalves, outra fundadora da organização.
O prestígio da associação pode ser medido pelo número de trotes recebidos. No começo, eram vários por dia, mas à medida que ela mostrava seu trabalho nos veículos de comunicação, as ligações feitas “por brincadeira” diminuíram.
Theme by Danetsoft and Danang Probo Sayekti inspired by Maksimer