Autor original: Maria Eduarda Mattar
Seção original: Uma entrevista semanal sobre temas relevantes para o Terceiro Setor
Rets: Uma olimpíada seria um grande impulsionador de um projeto como o seu, não?
Zequinha Barbosa: Tem muita gente do esporte fazendo projetos sociais. Eu, Guga, Jaqueline, Ana Moser, Ana Paula, Popó, Fernanda Venturini. Na grande maioria, o atleta vem de origem humilde e o esporte agrega, gera uma inclusão social e a gente tem muito o que passar. Eu me considero uma criança brasileira-afegã, que atravessou o rio e chegou ao Brasil suíço. Deus me deu uma oportunidade e o dom de correr - e nem todos possuem esse dom. Quero ser um instrumento para outras crianças-afegãs acreditarem que também podem atravessar o rio e chegar ao Brasil suíço. Não necessariamente ganhando uma medalha de ouro e sendo campeão. Mas dando oportunidade com educação, esporte e acima de tudo com cidadania. É preciso ser honesto, respeitado, respeitar, ser pontual, ser cidadão. Por isso meu projeto tem início, meio e finalidade. Qual a finalidade? A cidadania. Quero que minha ação continue mesmo depois que eu não estiver aqui, porque ela preza pela cidadania. Fazer um projeto inteligente é bastante difícil. Porque vários projetos existem por aí onde o cara capta recurso e acabou. Por isso procurei me cercar de pessoas especializadas.
Rets: Você está captando recursos desde quando e qual a sua impressão sobre essa batalha de ser ONG?
Zequinha Barbosa: A pressão é boa e gostosa, pois é um outro tipo de pressão. Já vivi a pressão do esporte, que sempre esteve sob meu controle. Hoje muita coisa não está sob meu controle, depende de outras pessoas. Por isso aprendi a me politizar, ser político – saber escutar, saber engolir e ficar quieto. No esporte individual, só dependia de mim, o resultado era meu. Hoje não. Tem que ter jogo de cintura, aprendi a ter uma coisa fundamental: tolerância política, que eu não tinha quando atleta.
Para você ser uma ONG, você precisa ter tolerância política - não importa se você tem um nome. E tem que estar focado na cidadania. Outra coisa que aprendi sendo ONG é a me apresentar como ONG. Eu apresento o José Luiz Barbosa, presidente do IZB-Correndo pela Vida. Então, quando vou conversar com empresários, primeiro vai o José Luiz Barbosa, porque você tem que tirar a máscara do ídolo, senão as coisas se confundem e não se atinge o objetivo. Isso já aconteceu comigo, as pessoas só quererem saber do ídolo.
Aprendi a ter essa postura, de me apresentar como empreendedor social. Outra coisa é o equilíbrio emocional. Tem realidades que você olha e fala “isso não pode”. Dou o exemplo do Vale do Jequitinhonha. Vi uma garota de 3 anos pesando o mesmo que uma criança saudável de 11 meses e uma mulher veio me perguntar se eu podia arranjar R$ 13 mil, que era o que precisavam para manter toda uma entidade durante um ano. E aí saí do Brasil afegão para um hotel cinco estrelas onde vi na televisão que um deputado ganha R$ 70 mil por mês.
É como a Viviane Senna fala: o maior sonho é criar uma tecnologia de fazer gente. Porque nós estamos entre as 10 nações mais fortes economicamente do mundo, mas no desenvolvimento humano e social estamos em 88º lugar. E isso é cruel. Esse vácuo tem que ser diminuído.
Rets: Você acha que esse seu exemplo vai gerar outras iniciativas de esportistas? E por que atletas estão entrando na área social? No que os valores do esporte contribuem?
Zequinha Barbosa: Vou dar meu próprio exemplo. São quatro as características fundamentais para uma pessoa ter uma vida decente: disciplina, determinação, perseverança e coragem. O atleta é acostumado a abdicar de coisas das quais a maioria das pessoas não abdicaria, mas tudo encaminhado para realizar um sonho. Além disso, o atleta é carismático, é movido a emoção - e ação social é emoção. O atleta tem essa sensibilidade. Então é natural que um atleta abrace uma causa.
Outra coisa: é uma contrapartida. Se estou na Rits, na Globo, se fui convidado para ir aqui ou lá é porque tem gente que vê me como referencial, que vibra, que grita, faz uma corrente positiva pois a gente alegra um cidadão por alguns minutos. E eles vêem que tem alguém que os represente lá fora. Daí, muitos como o Raí, Leonardo, Guga, Popó, Jaqueline estarem em projetos sociais, como eu. E vou além: mais do que isso, admiro demais as pessoas que estão nesse caminho e que fazem um trabalho invisível, que não são conhecidas. Quem sou eu em relação a pessoas que estão trabalhando há 35, 40 anos? Que abraçaram uma causa de livre e espontânea vontade? Esses são os verdadeiros heróis.
A repercussão do nosso trabalho no esporte facilita...Vou ser o primeiro projeto da Unicef que vai ser patrocinado sem o projeto estar em vigor. Há uma norma do órgão de que a ONG deve estar no mínimo há dois anos em funcionamento para poder pedir financiamento. O mesmo aconteceu na Fundação Kellogg. Cheguei lá e me mandaram pegar o formulário logo depois de explicar o projeto. No site eles dizem: “Não fornecemos formulários”. É a questão da credibilidade que o atleta passa, não só por ganhar uma medalha, mas naqueles aspectos da disciplina, perseverança, determinação, saúde e da emoção. A gente consegue passar isso.
Escolhi a ação social pois queria algo que me desse a mesma emoção que vivi dentro do esporte. E eu sei mostrar quais são os meus objetivos. Eu não sei falar da droga, nunca bebi, nunca fumei. Mas da pobreza eu sei falar, pois a vivi na pele. É mais fácil falar de alguma coisa que eu vivi. Fui dar uma palestra na favela da Maré e disse para cinco mil crianças: sou negro, fui para o atletismo, que é um esporte abandonado, de sofredor, me projetei, sou formado em jornalismo e marketing nos EUA e tenho essa preocupação social. É algo com que as pessoas podem se identificar. E esse é meu trabalho hoje.
Rets: Como você vê o uso do esporte nos projetos sociais?
Zequinha Barbosa: O esporte é uma inclusão natural, até mais fácil do que a cultura. O esporte é um dom dado por Deus. E o esporte também é uma forma de cultura. Não estou dizendo que a cultura é menos importante, ela tem seu papel. Mas socialmente a criança tende a procurar mais o esporte, quando busca uma alternativa de vida. O esporte é mais próximo da realidade das crianças. É mais fácil uma criança pobre virar atleta do que ir para o Teatro Municipal - e não é por falta de talento dos brasileiros para a arte.
Rets: Nos EUA há experiências como a sua?
Zequinha Barbosa: Claro, todo grande atleta desenvolve algum trabalho social. Lá o processo de expansão das ONGs começou por volta de 1925, a preocupação da ação social, o movimento do voto feminino. São 77 anos. Quase todos os atletas montam uma fundação e trabalham com cidadania. E os atores também. Mas lá o incentivo é muito grande, a mídia valoriza.
A grande dificuldade no Brasil é ter espaço na mídia, pois a ação social não vende jornal. A mídia está tão sensacionalista que para aparecer é fácil, é só tirar a roupa em Ipanema, é só o negão andar nu. Só se mostra isso, ou violência. Vamos mostrar quem faz, apresentar soluções para os problemas dos brasileiros.
Rets: E o seu planejamento agora, qual é?
Zequinha Barbosa: O calendário financeiro, de planejamento de empresa, começa em junho e vai até setembro. Então vamos fazer um trabalho contínuo de seis meses. Teoricamente paramos seis meses para começar de novo em 2003 com tudo certo, trabalhando anualmente. Existe um interesse de expansão do Instituto. Quero fazer mais dois, um em Minas Gerais, que está certo, e outro em Campo Grande.
O mais importante é a metodologia. Foi interessante quando fui ao Unicef, eles já trabalhavam com uma metodologia parecida com a que desenvolvemos. Acho que devemos fazer as escolas ter uma metodologia de trabalho parecida com a de uma ONG, onde elas desenvolvam profissionais que outras instituições possam aproveitar. Temos que passar esse know-how, dar curso de capacitação sem perder a estrutura escolar. E vou tentar expandir o IZB dentro do meu estado.
O pessoal da minha cidade está furioso comigo porque instalei ele em Campo Grande e não no interior. A partir do ano que vem, o Sesi de Três Lagoas já quer ceder um espaço. A cidade de Bonito também quer implementar o projeto. É um pólo de turismo e no turismo se vende de tudo, inclusive crianças - há problemas como prostituição infantil, por exemplo. Daí a necessidade.
Também estou trabalhando para entender melhor as políticas públicas, e entender como se fortalece um trabalho social e como são essas relações com os políticos. Estou aberto a parcerias, mas não vou procurar políticos. Quando a gente vai a eles, é mais complicado. Se vierem me procurar, ótimo, estou disposto a ser parceiro - porém dentro das minhas condições. Porque governo é aquela coisa: acaba um, fico vulnerável e meu projeto não pode estar exposto a isso. A minha bandeira é social e não tem partido. Essa é minha maior preocupação. O problema social não tem bandeira.
Rets: Então, quem de fato apóia o projeto?
Zequinha Barbosa: O Ministério dos Esportes, já estamos na fase final de negociação. Além disso, há o Unicef e a Fundação Kellogg, que vai nos dar 35 mil dólares. Consegui recursos com amigos, com contatos dentro das instituições, inclusive na Fundação Ayrton Senna, na qual fui o primeiro atleta a pedir apoio a projeto de educação com o esporte. A todos os atletas recomendo o IAS como parceiro pois eles são excelentes. Assim como vocês da Rits são excelentes na revista. Tenho falado muito bem de vocês, eu digo que vocês são a Times, a Newsweek do terceiro setor. Eu me sinto honrado de estar aqui.
Rets: A sua história de sucesso foi no esporte, não no campo social. O que te fez acreditar na idéia de que você poderia mudar a sua trajetória e levar adiante o desafio de um projeto social mesmo sem ter experiência?
Zequinha Barbosa: Eu acredito que o pouco com Deus é muito. Minha mãe me dizia que quando você conhece a Deus e é pobre, você é rico e quando é rico e não conhece a Deus, é pobre. Por isso acho que tenho uma riqueza maior que a do Bill Gates. E tudo que eu tenho veio através do esporte e sou muito agradecido.
Fiz uma promessa à minha mãe - de que não iria desistir e que iria agradecer a Deus. Foi ela quem me ensinou que ser pobre não é um defeito, é um instrumento para poder crescer na vida. Ela foi uma pessoa humilde, e uma pessoa humilde não perde o foco em Deus. Com ela também aprendi que somente através do trabalho a gente consegue resultado. Ela ia do trabalho para casa e fazia homens e mulheres cidadãos dentro da família. E por último, ela me ensinou a nunca deixar ninguém roubar sua capacidade de pensar. Eu me emociono quando falo disso [chora]. Com oito anos não tinha o que comer, mas minha mãe explicava a situação na mesa. Houve dias em que não tínhamos o que comer e minha mãe criava um cardápio na nossa cabeça tão bom que esquecíamos da fome.
Quando a gente dá oportunidade a um menino realizar seu sonho de comer um Big Mac sem entrar na droga, você está salvando uma vida. O trabalho de vocês, na Rits, também salva vidas. Vocês pensam que não, por estarem aqui atrás de computadores. Mas, na ponta do funil, também estão salvando vidas pelo apoio, pela divulgação de informações, ao ensinar o caminho para quem quer ajudar. E Deus está vendo tudo isso que vocês estão fazendo.
Vocês não sabem quantas vezes eu errei, quantas dúvidas surgiram. No meio do caminho surge alguém que acredita em você e aí dá aquele ânimo, segue-se em frente. Aos 17 anos tinha 1,77 metro de altura, pesava 51Kg e tinha solitária. Mas batalhei e agora estou aqui numa área nova, da qual não sei nada. Mas tenho vontade de aprender. O cara bate daqui e bate dali e fala “agora matei o negão”, mas eu levanto, não me canso. Para as crianças que estiverem dentro do meu projeto - e para as outras também - eu só posso dizer que se depender de mim, não vou medir esforço. Se tiver um campeonato de subir cordinha até a lua pra fazer alguma coisa pelas crianças, pela ação social, eu vou. Muita gente vai cair no meio do caminho e uns vão chegar. E eu vou suar, segurar a corda com os dentes, mas vou chegar, pode estar certo. Esse é meu objetivo.
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