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Com licença, será que o senhor poderia colaborar com a gente?

Autor original: Rogério Pacheco Jordão

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Acaba de chegar às ruas a revista OCAS, publicada pela Organização Civil de Ação Social. Inspirada na inglesa Big Issue (260 mil exemplares vendidos por mês) e na americana Street News, a publicação é vendida por moradores de rua. “A revista é uma chance de mudança efetiva na vida das pessoas em situação de rua. A interação decorrente da compra e venda da publicação permite que os vendedores estabeleçam contatos e dêem novos e autônomos passos de reintegração”, escreve a publicação em seu editorial do número 1, de julho. Os vendedores compram a revista por 50 centavos e a vendem pelo preço de capa, R$ 2,00. Nos primeiros quinze dias de atividade, a OCAS cadastrou 140 vendedores, que venderam mais de 3.000 exemplares no Rio e em São Paulo (para descobrir onde ficam os pontos de venda, é necessário telefonar para o organizadores - veja no quadro ao lado).

 Todos os vendedores têm idade mínima de 18 anos, são cadastrados e usam colete e crachá de identificação. Como Manoel Iário Filho, 49 anos, motorista desempregado, ex-barqueiro, que vende Ocas na saída do metrô Arvcoverde, em Copacabana, zona sul do Rio. Nesta entrevista à RETS ele fala um pouco sobre o seu novo trabalho e sobre a revista, que em sua edição de estréia traz uma entrevista com o cineasta Walter Salles.

RETS - Como você aborda as pessoas?

Manoel Iário - Eu falo assim. Com licença, mestre, bom dia. Nós estamos aqui fazendo o lançamento da nossa revista, Ocas, que está dando oportunidade de trabalho e muitas matérias boas, inclusive a nossa matéria com o nosso Walter Salles, um grande cineasta, será que o senhor não poderia colaborar com a gente?

RETS - E como é a reação das pessoas?

Manoel Iário - Esse tem sido um grande problema, porque você chega assim no cidadão...com licença, boa tarde, boa noite, aí quando você chega para se apresentar não querem, outros viram a cara, dá impressão que a pessoa fica com medo da gente. Mas nós estamos uniformizados, justamente para evitar esse tipo de coisa. E vamos tocando a vida. Eu pediria às pessoas que tivessem um pouco mais de compreensão e ouvissem o que nós vendedores temos para apresentar.

RETS - Você começou a vender a Ocas quando?

Manoel Iário - Comecei a vender na segunda-feira passada (8 de julho). Está dando uma oportunidade de trabalho para nós e isso é muito gratificante. Porque é melhor do que você ficar no meio da rua, dormindo na praça e você ganha alguma coisa para poder se manter.

RETS - Quanto você está ganhando por dia?

Manoel Iário - Sai numa faixa de 12, 15, 16 reais, dependendo da quantidade de revista que nós vendemos.

RETS - E quantas revistas você vende, em média?

Manoel Iário - Depende do dia. Tem dia que você consegue vender umas sete, tem dia que vende dez, então, vai-se levando a vida.

RETS - A revista é vendida por pessoas que moram na rua. Essa é a sua situação?

Manoel Iário - É a minha situação. Agora que estou conseguindo vender a revista estou pagando uma pousada lá na rua da Lapa. Pago 8 reais para dormir, tomar banho e mais nada.

RETS - E antes dessa pousada, onde você dormia?

Manoel Iário - Na rua. No banco da praça, em qualquer lugar.

RETS - E como é essa experiência?

Manoel Iário - Não é nada boa. Você está dormindo aí aparecem outros mendigos, querem te roubar, querem fazer um monte de coisas. E tem que sobreviver. Tem que sair no tapa, porque senão está perdido. Já que eu consegui isso aqui (a venda da revista), me livro daquilo.

RETS - Como é o seu dia de trabalho?

Manoel Iário - Eu chego aqui todo dia às vinte para as seis (da manhã). Aí começo a trabalhar a partir das seis horas, que é a hora que começa o metrô a chegar, então eu já estou pronto. Aí vou até sete, oito horas da noite. Não tem horário.

RETS - Como você soube dessa iniciativa?

Manoel Iário - Isso aqui foi apresentado para a gente lá na irmã Zoé (Dispensário dos Pobres da Imaculada Conceição, casa de convivência mantida pela Igreja Católica em Botafogo, zona sul carioca). Lá é uma instituição de madre, que dá almoço para a turma toda, dá sopa, e isso e aquilo. E nós estávamos lá e apareceu o menino perguntando quem queria se cadastrar. Eu falei assim: se for para eu trabalhar, eu estou nessa. Aí me apresentei, me inscrevi e aí ele me lançou.

RETS - Qual é a sua profissão?

Manoel Iário - Eu trabalhei como barqueiro, lá na Ilha do Governador. Fiquei dois anos lá. Aí comecei a procurar emprego, não consegui. Então consegui essa oportunidade (de vender a revista) e agarrei. Porque a minha profissão é motorista profissional, de caminhão, ônibus, tudo. Então, se você não consegue a vaga, tem que ir para onde é mais necessário. Fiquei parado três meses.

RETS - Você tem família?

Manoel Iário - Fui casado há muitos anos atrás. Aí...separei da minha esposa, da minha filha e fui ao mundo. Trabalhando aqui, trabalhando ali e continuando a vida, entendeu? Não sei aonde eles estão, mas eu prefiro também não perturbar ninguém, prefiro continuar minha vida sozinho.

RETS - E você está animado com a perspectiva da revista?

Manoel Iário - É bom porque você tem um objetivo. Bota na sua cabeça um objetivo: se eu vendi dez revistas hoje, aí tem que pagar o quarto para dormir por 8 reais, vai sobrar x, com esse x eu vou na padaria, compro um pão compro uma mortadela, compro um toddynho, janto, tomo meu banho, deito e vou levando até eu conseguir mais alguma coisa.

RETS - Da venda da revista você fica com R$ 1,50?

Manoel Iário - 1,50 reais, inclusive está escrito na matéria aqui. Por isso é que tem que fazer os cálculos todos. Tem que pagar a pousada, 8 reais, depois separar para mim comprar a revista, e tem que separar pra mim comprar meu lanche, para mim comer. Porque eu não vou entrar num restaurante pagar 4, 50 reais, 5 reais, não dá. Não tem condição.

RETS - Você já leu a revista?

Manoel Iário - Li um pouco.

RETS- E o que achou?


Manoel Iário - Achei uma grande matéria. Inclusive teve uma senhora que estava sentada comigo ali (aponta para o banco da praça), uma menina nova, universitária, ela falou assim: a revista é muito boa, tem grandes matérias, muito bem escrita. Se depender de mim quando chegar lá na Barra (Barra da Tijuca, zona oeste do Rio), eu vou divulgar a revista para você. Aí eu falei para ela: inclusive tem até na internet, a senhora pode se comunicar com o pessoal de lá. Vamos ver o bicho que vai dar. E se Deus quiser, Deus é grande e vai olhar para mim.


Rogério Pacheco Jordão

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